Governo mantém repasses a ONG que desviou R$ 580 mil de programa de proteção

Por ordem do próprio governo, a Associação para a Vida e Solidariedade foi mantida como executora do programa

A entidade que desviou mais de meio milhão de reais do Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte (PPCAAM) do Paraná – política de direitos humanos fundamental para a proteção de vítimas – continua a receber repasses do governo do estado, mesmo depois de constatadas as irregularidades.

Entre maio e junho, já alvo de processo movido pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE), a Associação para a Vida e Solidariedade (Avis) recebeu R$ 445.126,50 da Secretaria da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf), valor muito próximo dos R$ 580 mil desviados pela ONG, em um desfalque que colocou em risco a continuidade do programa. Os dados constam no Portal da Transparência.

A reportagem buscou contato com a Sejuf para esclarecer os fatos, mas não obteve sucesso. A assessoria de imprensa da pasta indicou contato com a chefe do departamento de Políticas para Criança e Adolescente (DPCA), Angela Mendonça, mas ela não atendeu às ligações feitas na manhã e na tarde desta quarta-feira (30).

Apesar do silêncio do órgão, a reportagem apurou que os repasses acontecem por decisão do governo de manter temporariamente a Avis como executora do PPCAAM – sob orientação da própria PGE.

A ordem consta na edição de 18 de maio do Diário Oficial e foi despachada no curto período em que o então diretor-geral Antonio Devechi esteve como secretário da Sejuf. No dia 14 de maio, ele passou a ocupar o lugar do deputado federal Ney Leprevost, que, treze dias depois, voltou como secretário da pasta. Devechi foi exonerado, extraoficialmente, a pedido, em uma saída que ocorreu duas semanas após a exoneração de Paulo Sena, outro nome ligado ao programa dentro da pasta.

A manutenção das relações com a Avis e os consequentes repasses passam por cima das irregularidades cometidas pela entidade e também acontecem em meio à inexistência de relação legal entre o estado e a ONG. A vigência do contrato entre o governo do Paraná e a Avis expirou no dia 11 de fevereiro e não foi prorrogada.

O despache secretarial publicado no Diário Oficial reconhece a falta de vínculo jurídico entre as partes. O documento também admite que, com o fim do termo de colaboração, o dinheiro do PPCAAM ainda na conta da Avis deveria ter sido devolvido até o dia 11 de março, o que não foi feito. Os desvios – dois consecutivos – aconteceram no fim de março, ou seja, quando os valores já deveriam estar sob administração do governo.

No entanto, a alegação usada pela Sejuf para justificar a manutenção da parceria com a entidade foi de evitar prejuízo às atividades de proteção. Hoje, a secretaria não tem servidores especializados para acompanhar de crianças e adolescentes vítimas de ameaça de morte. Recentemente, a pasta deu cargo comissionado à ex-coordenadora das ações de proteção da Avis, que, assim como todos os trabalhadores da ONG, foram demitidos na esteira dos desfalques.

A secretaria ainda apelou ao princípio da continuidade do serviço público, instrumento jurídico que diz que os serviços prestados pelo Estado não devem ser interrompidos, para respaldar a decisão de seguir com a Avis. A autorização vale até o próximo dia 18 de julho ou “até que seja celebrado instrumento jurídico válido para formalização de parceria para auxílio na execução do PPCAAM.”.

Conforme mostrou o Plural, a Sejuf ainda não demonstrou intenção de formalizar licitação para um novo termo de colaboração, justificando que a dispensa de chamamento público é praticável em casos que envolvem pessoas em situação de risco. A pasta tinha na mesa a possibilidade de contratar emergencialmente uma entidade sem experiência em políticas de segurança a vítimas.

Mea-culpa

O texto da decisão diz que a pasta, mesmo com o fim da vigência do termo de colaboração, “continuou tratando a execução do PPCAAM como se o vínculo anterior subsistisse, fomentando tacitamente as contratações e a realização das despesas pela AVIS, sem olvidar no fato de que as despesas foram realizadas em proveito e na execução de programa da competência do Estado, sendo certo que os fatos narrados causaram prejuízos econômicos à AVIS e aos terceiros que lhes prestam serviços”.

Depois do escândalo, que deixou o caixa do PPCAMM às mínguas, tendo o programa de recorrer à Fundo da Infância e do Adolescente (FIA), o Executivo estadual assumiu as dívidas deixadas pela ONG. Assim, além de fazer novos repasses, o estado também arcou com despesas pendentes que deveriam ter sido pagas pela organização. O atraso no pagamento das contas afetou, por exemplo, a quitação de aluguéis de casas e carros usados no aparato de proteção às cerca de 22 crianças e adolescentes sob proteção.

As decisões tomadas pela Sejuf acerca da continuidade dos tratos com a Avis foram feitas sob ciência do Conselho Gestor do PPCAAM. Formado por representantes do governo e de instituições públicas, o órgão tem caráter deliberativo e consultivo e funciona como uma espécie de ponte entre a entidade executora e o governo.

A presidenta do conselho, a promotora de Justiça Luciana Linero, disse, no entanto, que o Conselho Gestor não possui caráter executivo e que “apenas deliberou pela continuidade do atendimento dos protegidos e dos eventuais ameaçados que estavam em estágio de inclusão no programa”.

“De outro lado, foi comunicado pela Secretaria de Estado da Família e Justiça, que é quem executa o programa no Estado, que seria necessário manter o atendimento através da entidade executora momentaneamente, até que se fizesse uma contratação emergencial, a fim de que não ocorressem prejuízos aos protegidos. Houve também orientação da Procuradoria-Geral do Estado nesse sentido”, esclareceu, em nota, a promotora.

Segundo ela, o Conselho Gestor segue acompanhando o atendimento das demandas no Estado e mantém cobrança à Sejuf “para a contratação de nova entidade executora, em caráter de urgência, considerando que não pode haver a descontinuidade do atendimento”.

O desfalque no caixa do PPCAAM está sendo investigado administrativamente por uma comissão interna criada pela Sejuf. De início, os trabalhos também miravam em servidores da pasta que poderiam ter deixado de cumprir responsabilidades necessárias para evitar os desvios. No Ministério Público, os fatos foram encaminhamento para as Promotorias de Justiça do Patrimônio Público e Criminal.

A reportagem entrou em contato com os advogados da entidade, mas não obteve retorno até a publicação desta matéria. Em abril, a Avis entrou com processo contra o ex-diretor da organização, Marino Galvão, que teria cometido sozinho os desfalques. Segundo a defesa de Galvão, ele mexeu no dinheiro porque teria sido vítima do golpe do bilhete premiado.

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1 comentário em “Governo mantém repasses a ONG que desviou R$ 580 mil de programa de proteção”

  1. Então some meio-milhão de nosso dimdim e ninguém aparece aqui para comentar?? Afinal já é tão normal sumir dinheiro público né e não se fazer nada….

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