Governo cogita ONG sem experiência para programa de proteção a adolescentes

Foco da entidade com quem governo estuda parceria é inclusão de pessoas com deficiência

Atingido por uma fraude de R$ 580 mil, o Programa de Proteção a Crianças e Adolescentes Ameaçados de Morte do Paraná (PPCAAM) ainda está longe de voltar aos eixos, mesmo quase dois meses após o governo ter assumido o controle das ações. O dinheiro desviado pela entidade até então responsável ainda não foi recuperado, e, segundo fontes, o impasse burocrático ainda provoca atrasos no pagamento de aluguéis dos abrigos das vítimas. Na tentativa de evitar danos maiores, a Secretaria de Estado da Justiça, Família e Trabalho (Sejuf) está prestes a contratar uma nova instituição executora em regime de emergência, mas a medida levanta dúvidas.

A decisão é vista com receio, pois sugere que o governo não tem a intenção de concretizar edital de chamamento público para selecionar uma entidade substituta que siga tocando o programa. A formalização do processo para a contratar uma executora permanente foi a premissa usada pela secretaria para conseguir a aprovação do uso de R$ 1,6 milhão do caixa do Fundo para a Infância e Adolescência (FIA). O argumento era que, sem dinheiro no caixa, o programa precisava dos valores para ter de onde comprovar a fonte de recursos.

Além disso, fontes ouvidas pelo Plural apontam que a entidade cotada para assumir o PPCAAM – a Universidade Livre para a Eficiência Humana (Unilehu) – não tem experiência suficiente para tratar de crianças e adolescentes vítimas de ameaça de morte. Embora já mantenha outros termos de colaboração com o Estado, sem qualquer irregularidade, o foco da ONG são programas de inclusão de pessoas com deficiência no mercado de trabalho.

“É uma instituição que a gente conhece, que é de qualidade, mas que não tem nada a ver com proteção de testemunha”, salientou uma fonte. “O que se questiona é como foi escolhida e por que foi escolhida”.

Em seu site oficial, a entidade não cita serviços de proteção de vítimas. Na receita federal, as atividades listadas pela organização são de comércio varejista de suvenires, bijuterias e artesanatos; serviços de tradução, interpretação e similares; treinamento em desenvolvimento profissional e gerencial; atividades de associações de defesa de direitos sociais; e atividades de organizações associativas ligadas à cultura e à arte.

Em nota, a Sejuf também não relaciona familiaridade da organização com atividades de proteção a vítimas de ameaça. No entanto, a pasta defende não haver ainda definições sobre a nova condutora do PPCAAM no Paraná e que qualquer aprovação dependerá do atendimento aos requisitos necessários e posterior aprovação pela Procuradoria-Geral do Estado (PGE).

“Sobre a Unilehu as informações que obtivemos é que trata-se de uma pessoa jurídica de direito privado, sem fins lucrativos, que atua de forma preponderante na Assistência Social, de forma gratuita, continuada, permanente e planejada desenvolvendo serviços, programas e projetos socioassistenciais. Possui inscrição no CMAS – Conselho Municipal de Assistência Social de Curitiba desde o ano de 2012 e desde 2010 é registrada como entidade formadora – órgão executor pelo Ministério da Economia (ME) com o Protocolo de no. 23.58760012011/2020, com cursos aprovados em diversas modalidades e períodos, com foco no desenvolvimento de competências básicas e específicas para o mercado de trabalho”, diz o texto.

A reportagem apurou que, para contornar o impasse, a ONG deve absorver parte da equipe da antiga responsável pelo PPCAAM no Paraná, a Associação para Vida e Solidariedade (Avis). Logo após transferir o dinheiro da conta do programa, o diretor da Avis, Marino Galvão, dissolveu o corpo de funcionários, e alguns continuaram trabalhando em caráter voluntário para evitar a paralisação das atividades de proteção. Recentemente, uma das técnicas foi empregada diretamente pela Sejuf, segundo decreto publicado no Diário Oficial.

A Unilehu alegou que o contrato com o governo ainda não está fechado e, por isso, não quis ceder entrevista formal, mas confirmou que estuda a possibilidade de empregar antigos técnicos da Avis para garantir condições de atender as crianças e os adolescentes sob ameaça – especialidade que a organização disse que gostaria de acrescentar no seu rol de atividades.

Sobre ainda não ter apresentado um edital de termo de colaboração, o governo justificou ser legal a contratação de entidades com dispensa de chamamento público em casos relacionados a programas de proteção a pessoas ameaçadas. Ou seja, a pretensão, neste caso, seria não de uma contratação emergencial transitória, mas definitiva.

“Ademais, a dispensa de chamamento é um processo mais célere, impedindo a descontinuidade do programa. Lembrando que a entidade a ser contratada deverá atender os pré-requisitos do termo de referência e ser aprovada pela PGE – Procuradoria Geral do Estado”, acrescenta a pasta, que não explicou o porquê de ter escolhido a Unilehu para as tratativas.

Em investigação

Os R$ 580 mil retirados ilegalmente da conta do PPCAAM ainda não foram reembolsados. Devido a impedimentos burocráticos – muitos contratos supostamente ainda estão em nome da Avis –, o programa seguiria com pendências no pagamento de aluguéis dos abrigos das vítimas.

Questionada, a Sejuf não comentou sobre os atrasos, apesar de a regularização das contas ter sido um dos trabalhos atribuídos à comissão interna instaurada pela pasta – que ainda conduz uma sindicância averiguar eventuais falhas administrativas na condução do programa.

Há um mês, o governo comunicou ter pedido abertura de investigação contra Marino Galvão na Polícia Federal. O órgão foi acionado porque 80% da verba do programa vem da União. O caso também está em investigação na Polícia Civil, já que o ex-diretor da Avis disse ter mexido no dinheiro porque teria sido vítima do golpe do bilhete premiado. Na esfera legal, as providências ficaram sob responsabilidade da PGE.

Com a falta de clareza, sob o ponto de envolvidos diretamente com o programa, a cobrança por respostas passou a ser recorrente nas reuniões do Conselho Estadual dos Direitos da Criança e do Adolescente (Cedca). A intenção é que, até a resolução de todas as pontas soltas, o debate sobre o assunto vire pauta permanente nos encontros do grupo.

“Aparentemente, eles criaram uma forma de resolver, mas ainda está longe, longe, longe de termos todas as respostas”, rebateu uma fonte. “Eles estão atendendo, mas atendendo de modo precário; é um atendimento emergencial precário. O problema só vai ser resolvido a hora que tiver um edital, uma empresa com expertise na área e se tiver notícia desse dinheiro. Aí, sim, a gente vai começar a entender”.

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