“Golfinho invisível” com reduto no Paraná ganha iniciativa para ser salvo da extinção

Número de toninhas mortas acidentalmente em pesca é alarmante. Mudanças no Litoral também impactam

O México luta contra o tempo para evitar um legado trágico ao mundo. Desde a década de 1990, trabalha para reverter a extinção total da vaquinha do mar, o menor mamífero de que se tem notícia. Mas a velocidade das ações não tem acompanhado o ritmo do desastre. Segundo a ONG Sea Shepherd, estima-se que a espécie rara do boto tenha hoje, ao longo de todo golfo da Califórnia, menos de 20 indivíduos, o que levou os próprios cientistas a batizarem a campanha de preservação destes animais de “milagre”. É neste ponto quase irreversível que pesquisadores, entre eles da Universidade Federal do Paraná (UFPR), querem evitar de ver chegar a toninha, golfinho mais ameaçado do Brasil e que tem o Litoral do Paraná como um de seus principais endereços.

A prima brasileira da vaquinha do mar é considerada “vulnerável” pela Lista Internacional de Espécies Ameaçadas, mas, no Brasil, passou de “vulnerável” para “criticamente em perigo” em apenas dez anos. A consciência do desastre próximo, algo que já circula com velocidade máxima entre a comunidade científica há pelo menos uma década, deu partida a uma iniciativa para salvar a espécie da extinção. O Toninhathon – o hackathon da toninha – vai selecionar as melhores propostas de como garantir a conservação da espécie em paralelo à sustentabilidade da atividade pesqueira.

“O número de animais que vêm sendo encontrados mortos em praia é alarmante, o que nos preocupa muito principalmente porque nós sabemos que aqueles que chegam a encalhar não representam o total da mortalidade. Muitos acabam nem chegando à praia”, diz a coordenadora do Laboratório de Ecologia e Conservação (LEC) da UFPR, a bióloga Camila Domit.

O LEC e a Associação MarBrasil estão à frente da iniciativa, que ocorre oficialmente nos próximos dias 1, 2 e 3 de outubro, mas se antecipa em uma série de bate-papos on-line durante setembro. A ideia é dar visibilidade à relevância da toninha e embasar participantes e sugestões que contemplem um equilíbrio entre a pesca e a segurança dos mamíferos.

Por terem hábitos costeiros e viverem em ambientes com profundidades de até 50 metros, as toninhas têm nas redes uma de suas principais ameaças.  

E os números reiteram porque a ação é urgente. Por ano, cerca de 600 toninhas aparecem mortas nas praias de SP, PR e SC, mas a relação apontada pelos pesquisadores é que este número representa apenas de 5% a 30% do volume real da população morta acidentalmente na costa litorânea, elevando para aproximadamente 2 mil as perdas anuais. Uma proporção assustadora ao se considerar o censo ainda em vigor: entre o litoral paulista e catarinense, incluindo o Paraná, vivem em torno de 12 mil. Mais acima, entre Espírito Santo e Rio de Janeiro, 3 mil, e no Rio Grande do Sul, 20 mil. A sensibilidade extrema do mamífero às capturas são um elemento relevante para compreender o drama.

“Assim como a toninha, a tartaruga, por exemplo, também precisa respirar. Mas a tartaruga tem capacidade de diminuir o metabolismo e demora para entrar numa situação de estresse quando é capturada. Isso nos dá tempo, muitas vezes, de retirá-la, deixar descansar e ela pode sair viva. Para a toninha, não. Ela não consegue respirar quando entra em estresse muito forte, que é o que acontece com nós humanos”, explica a bióloga da UFPR. “O que nós temos que fazer é buscar mecanismos que impeçam que ela emale. O nosso desafio é achar formatos de reduzir algumas redes de pesca sem que o pescador tenha perdas econômicas”.

Para Domit, o principal impasse da iniciativa será tratar de uma espécie que, embora de extrema importância, ainda passa despercebida pela população. Por não ser tão conhecida, a toninha vem sendo chamada no país como o “golfinho invisível”, uma expressão que simula o tamanho do desafio que a sociedade tem pela frente.

“A toninha é como as mulheres na sociedade: elas têm uma grande importância, mas, muitas vezes, ainda não estão visíveis. Elas têm que se fazer ver dentro do processo de conservação. Não é só pescador que não sabe quem é a toninha, é a sociedade de maneira geral”, enfatiza.

No Paraná, um reduto e alguns percalços

Estudos vêm indicando que o efeito da pesca na comunidade de toninhas já atingiu o comportamento e a resistência da espécie. Não de agora, pesquisadores começaram a perceber ciclos de reprodução em indivíduos cada vez mais novos, o que a literatura ecológica indicar ser uma resposta à pressão pela sobrevivência, explica a bióloga da UFPR.

Também já é notável – em decorrência do acúmulo de agrotóxicos nos rios que desaguam no mar – a concentração de resíduos químicos no tecido das toninhas, que, cada vez mais distante do habitat natural do extremo Sul, perdem a capacidade de estímulo às alterações do ambiente. É um fator que ajuda a ciência a afirmar que a captura acidental não é a única atividade responsável por jogar este tipo de golfinho para cada vez mais perto da extinção. Por viver muito próximo às praias, a espécie também sofre com as mudanças provocadas intencionalmente ao longo da região costeira.

Toninhas no Litoral do Paraná. Foto: Projeto Conservação da Toninha FMAII – MarBrasil e LEC/UFPR

O problema tem sinal vermelho no Paraná, um dos únicos raros lugares onde estes mamíferos podem ser encontrados vivendo em região estuariana. Além da Baía da Babitonga, em Santa Catarina, apenas o estuário da Baía de Paranaguá concentra uma população de toninhas no país: cerca de 100 animais são acompanhados desde lá, o que aumenta a relevância das ações de conservação – e degradação – do estado no contexto internacional.

Assim, o avanço da especulação urbana, da atividade portuária e dos indicadores de contaminação são acompanhados com preocupação por especialistas. Não menos preocupante é a supressão da vegetação nativa, essencial para a manutenção da cadeia alimentar de toda a vida aquática.

“Com toda certeza, vegetação de restinga, vegetação de manguezal, proteção de Mata Atlântica é essencial para a toninha porque elas se alimentam de peixes que usam essa região estuarina. Ou seja, ela depende da produtividade dessa região, assim como o pescador. E a alteração da vegetação causa alteração no aporte de nutrientes para o mar”, afirma Domit.

O alerta tem peso em se tratando de um tema que há pouco tempo virou polêmica no estado. Em janeiro de 2020, ainda antes da pandemia, decreto assinado pelo governador Ratinho Jr. permitiu a retirada de restinga – definida pelo Código Florestal como Área de Preservação Permanente (APP) – sem autorização do órgão ambiental. Sob pressão da comunidade científica e do Ministério Público, o texto foi revogado menos de dois meses depois pelo governador, que tem em obras prometidas para o litoral uma vitrine para a gestão. A um custo aproximado de R$ 513 milhões, o estado encampou a revitalização da Orla de Matinhos, com engorda da faixa de areia e implantação de estruturas marítimas e canais de macrodrenagem.

A corrida particular também tem pressa. Em Pontal do Paraná, o Grupo JCR aguarda aval para aportar R$ 1,5 bilhão na implantação de um porto polêmico no município. Planejado para movimentar 661 mil contêineres por ano a partir do 11º ano de operação, o Porto Pontal Paraná almeja ser o mais moderno terminal de contêineres das Américas, por onde passarão cargas secas, frigorificadas e também perigosas, como álcool e isqueiros. Isso quando acontecer. Em outubro do ano passado, o grupo foi alvo de uma operação da Polícia Federal, que identificou indícios de pagamento de propina para a concessão das licenças ambientais para a instalação do empreendimento.

Embora estas execuções estejam em áreas mais distantes do reduto das toninhas, possíveis impactos têm de ser acompanhados. Em muitos casos, mudanças que impactem na disponibilidade de alimentos, por exemplo, já são suficientes para aumentar os riscos que condenam vida longa às toninhas.

“A região do litoral do Paraná, temos que lembrar também, ainda não é totalmente atendida por tratamento de esgoto, então existe despejo de resíduos. Já teve casos de toninha que engoliu lixo. Mas acho que as maiores preocupações são mesmo com a perda de recursos alimentares por causa da degradação do nosso ambiente, algo que afeta a toninha e o pescador por causa da concentração de peixes em poucas áreas. Se o peixe concentra, o pescador tem que buscar nessa área, a toninha tem que buscar nessa área, e aí temos o aumento do risco por causa da interação”.

Toninhathon: quer participar?

As premiações do toninhathon incluem projetos nas categorias “redução da captura acidental”; “desenvolvimento sustentável” e “comunicação e governança participativa”. As propostas vencedoras têm perspectiva de serem encubadas e levadas para discussão com a comunidade pesqueira antes de efetiva implementação.

As inscrições, gratuitas, já podem ser feitas pelo site oficial do evento – que também como instituições de apoio o Instituto Federal do Paraná (IFPR), a Agência de Inovação da UFPR, Sebrae e o Centro de Estudos do Mar da UFPR. A data final é 1º de outubro. Podem se inscrever times de três a seis integrantes formados por pessoas com 15 anos ou mais. A proposta é reunir pessoas diversas com interesse em contribuir. Não precisa, portanto, estar vinculado a alguma instituição ou universidade ou ser pescador.

No site do evento estão disponíveis os detalhes da programação e o regulamento. O calendário da série de bate-papos que antecede pode ser encontrado nos perfis @lecufpr e @associaçãomarbrasil.

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