“Foi um crime não informar malefícios do amianto”, diz procuradora

Exposição à fibra mata ao ano 100 mil pessoas, segundo dados da OIT

“Se vier um revés, nós estamos falando em aumentar o número de pessoas adoecidas e mortas. É um desastre do ponto de vista da saúde pública”, alerta a procuradora do Ministério Público do Trabalho (MPT), Margaret Matos de Carvalho, sobre uma possível retomada da exploração do amianto no país. A extração é proibida pelo Supremo Tribunal Federal (STF) desde 2017. Uma comissão do Senado, contudo, busca sensibilizar o Judiciário a liberar a retirada do mineral para exportação. Segundo a Organização Internacional do Trabalho (OIT), a fibra mineral mata cerca de 100 mil pessoas ao ano no mundo.

Apesar do lobby, a procuradora, no entanto, está descrente de que o Senado consiga reverter a decisão do STF. Uma das principais autoridades na luta contra a exploração do mineral no país, Margaret é coordenadora executiva do Observatório do Amianto, projeto de iniciativa do MPT que reúne mais mais sete organizações governamentais e não governamentais na assistência e apoio aos expostos à fibra cancerígena.

Segundo levantamento do observatório, ao menos 12 mil pessoas trabalharam nas empresas paranaenses diretamente em contato com o amianto nos últimos trinta anos. De acordo com a procuradora do MPT, em entrevista ao Plural, o principal desafio agora é entrar em contato com cada um desses trabalhadores para dar assistência especializada.

O que representaria para a saúde pública e direito do trabalhador uma retomada da exploração do amianto no Brasil?

O Brasil demorou demais para tomar uma iniciativa. A Organização Mundial da Saúde (OMS), desde 2005 tem conclamado os países a banir o amianto. O que autorizava o Brasil a usar o amianto era um acordo da Organização Internacional do Trabalho (OIT). Mesmo este acordo deixava bem claro que uma vez que o país tivesse tecnologias não cancerígenas deveria banir o uso do amianto. O Ministério da Saúde e o extinto Ministério do Trabalho desde 1990 reconhecem a existência de fibras alternativas. Mas só em 2017 é que foi feito algo.

Ou seja, nós temos alternativas há bastante tempo, usadas inclusive pela própria Eternit. A mineradora Sama, do município de Minaçu (GO), é uma subsidiária da Eternit. Então o que a empresa quer é continuar explorando o amianto, e isso vai fazer com que aqueles trabalhadores da região que estão há muito tempo expostos ao amianto fiquem ainda mais tempo em contato com uma fibra que desencadeia uma doença que pode levar até 50 anos para se manifestar o organismo.

https://www.plural.jor.br/no-brasil-amianto-mata-quatro-vezes-mais-que-ha-vinte-anos/

Certamente não estamos falando do interesse do trabalhador. Quanto mais tempo for gasto para banir totalmente a exploração do amianto, mineral reconhecidamente cancerígeno, mais trabalhadores ficarão expostos. Com isso, a curva em que apresentará um pico de adoecimento, tendo em vista que há um retardo em a exposição e a manifestação das doenças, será jogada para frente. É lá que viveremos uma crise sanitária em decorrência da exposição do amianto. Assim, é fundamental que mesmo a exploração para exportação seja proibida.

Não acredito que esse movimento do Senado vai mudar o entendimento do STF. Mas aí fica um ponto que acho que é importante que a gente passe a refletir. Se estamos preocupados com a saúde dos brasileiros expostos ao amianto, por qual motivo não estaremos preocupados com s pessoas que serão expostas em outros países. É porque elas moram em outro lugar que teremos que deixar de ser éticos?

Agora, se vier um revés, nós estamos falando em aumentar o número de pessoas adoecidas.  É um desastre do ponto de vista da saúde pública, dos custos para o SUS, que arca com um tratamento caro de um câncer agressivo, com uma média de sobrevida de um ano para o doente depois de diagnosticado com mesotelioma. Se for asbestose, aí estamos falando de uma morte lenta e dolorosa. E tem ainda as famílias, que ficarão sem seus entes queridos. Além disso, tem o impacto na previdência, pois a indústria não fica responsável.

O Paraná era um maiores produtores de materiais com amianto. O que anos de exploração deixaram de impacto por aqui?

As empresas pararam. Tinha uma fábrica em Curitiba, São José dos Pinhais, Colombo, Londrina e Ponta Grossa. A última empresa que deixou de usar o amianto foi a Eternit, em Colombo. Mas temos um passivo ambiental e de saúde de trabalhadores muito grande em Curitiba e região em decorrência disso.

Nós estamos em um esforço no Ministério Público do Trabalho, junto ao Observatório do Amianto e com as Secretarias de Saúde dos municípios de identificar os trabalhadores que foram expostos à fibra. Conseguimos a listagem dos últimos trinta anos dos expostos das três empresas que atuaram na RMC. Passa de 12 mil pessoas diretamente expostas.

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Se contar os familiares, podemos multiplicar isso por quatro, segundo estimativa do IBGE. Temos inclusive relato de pessoas da família que nunca puseram os pés nas fábricas, mas que morreram por doenças relacionadas ao amianto.

Não estamos considerando neste número quem trabalha com construção civil, que certamente também está em condições similares, e quem vive nas imediações das fábricas, que também deve ser considerado como grupo de risco.

E qual é o papel que o observatório tem se proposto a fazer em meio a este cenário?

Atuar na conscientização, na realização de panfletagens nas portas das fábricas sobre os riscos, na fiscalização do acompanhamento e responsabilização das empresa. O trabalhador tem medo de adoecer e não quer saber dessas informações. Ele sempre trabalhou apenas com as informações que as empresas liberavam. Neste aspecto, elas foram criminosas escondendo dos trabalhadores, até hoje, o fato de que o amianto pode causar doenças como câncer, pneumoconiose e pulmão de pedra.

É um desafio convencer a buscar ajuda médica. Não são raras as vezes em que trabalhadores, uma vez adoecidos, foram pressionados pelas empresas a fazer acordos extrajudiciais. Existem ainda os que mudaram de endereço para não ser achados. Temos tido dificuldade de conseguir contato com os trabalhadores que foram para outros estados. Cabe ressaltar que é um trabalho aqui do Paraná, não é um programa nacional do Ministério da Saúde, como deveria ser.

https://www.plural.jor.br/amianto-a-luta-por-direitos-e-pela-vida/

Mas quando identificamos o trabalhador, damos uma série de atendimentos de saúde e orientações. O observatório conseguiu um ambulatório que funciona no Hospital Erasto Gaertner, pago pelo SUS. Lá, qualquer trabalhador que foi exposto ao amianto e que quiser fazer esse acompanhamento passa por uma consulta. Nela o médico vai verificar se o trabalhador tem algum tipo de sintoma. Se for detectado algum um prenúncio de câncer, ele segue em tratamento no hospital. Se for pneumoconiose, segue para tratamento no Hospital de Clínicas. Caso não apresente sintomas, fica em acompanhamento no Hospital do Trabalhador pelo período de trinta anos.

Como o lapso entre a exposição e o aparecimento dos sintomas pode durar décadas, como fica mostrar a causalidade?

Não é fácil fazer o nexo causal. Tanto que tivemos uma capacitação há dois anos com médicos que vieram do Hospital de Clínicas da USP, especializados no tema. Mas agora, ao menos em Londrina e em Curitiba, conseguimos fazer o diagnóstico nos ambulatórios.

O médico do plano de saúde, da rede privada ou ainda da rede pública no postinho não está  capacitado para fazer isso. É por esse motivo que estamos alertando aos trabalhadores expostos que busquem acompanhamento no ambulatório do amianto. Lá, quem atende são pessoas com conhecimento para poder realizar o diagnóstico e estabelecer o nexo causal.

Hoje o trabalhador que for ao ambulatório no Hospital Erasto Gaertner, além de ter um acompanhamento especializado, consegue o nexo causal se estiver adoecido. O que é muito importante, pois aí já se emite o aviso de acidente de trabalho, e se inicia um tratamento médico.

Em caso de câncer, que a gente saber que não tem cura quando é em decorrência do amianto, ao menos começa-se um tratamento antecipado para conseguir uma dignidade de vida e amenizar os efeitos da doença, que é muito agressiva e que mata rapidamente depois de diagnosticada. Começa-se também um trabalho com a família, para dar um ambiente de suporte, criar uma rede de apoio e de conforto para esse trabalhador.

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