Final feliz: casal vítima de homofobia no Água Verde adota criança

João Pedro e Bruno terminaram um longo processo de adoção em maio

Dificilmente você vai encontrar um casal mais tranquilo para ter como vizinhos. Funcionários públicos, inteligentes, gentis, João e Bruno são do tipo que não incomoda ninguém. A não ser, óbvio, que você seja um homófobo.

Em 2017, depois de oito anos morando juntos, de mudança para um condomínio pequeno no Água Verde, os dois descobriram, de repente, que não eram bem-vindos. O caso virou notícia pela série de maldades que alguém (até hoje não identificado) cometeu contra o casal.

De início, parecia coincidência – ou coisa de algum pedreiro irritado com os donos da casa. Os futuros moradores iam ver a obra e a casa tinha alagado. Na outra semana, descobriam que a água estava suja (aparentemente alguém derramou óleo de motor na caixa d’água). Até que tudo ficou claro.

Em abril, uma vizinha saiu de casa e viu um rastro de panfletos sobre os dois. Alguém tinha começado uma campanha para evitar que eles se mudassem: gays não eram bem-vindos, dizia o folheto. A vizinha, que não concordava com aquilo, recolheu todo o material que pôde e avisou os dois.

“A gente nunca imaginou que isso fosse acontecer”, diz João, jornalista, hoje trabalhando no Tecpar. “Tanto que a gente jamais pensou que aquilo pudesse ser sabotagem. Foi um espanto.” E olhe que eles já estavam acostumados com preconceito. “Uma vizinha num outro prédio fazia o sinal da cruz quando passava pela gente na escada”, conta Bruno, que trabalha como técnico na UFPR.

Claro que a mágoa foi forte – sem falar no medo. Mas também houve o lado positivo: uma centena de pessoas compareceu a um evento na pracinha do bairro em desagravo ao casal, que afinal se mudou e jamais voltou a enfrentar problemas do tipo na região.

O que muita gente nem sabia na época é que o casal já pensava em dar o próximo passo que hoje, dois anos depois, se transformou em realidade. Naquela mesma casa onde os dois se sentiram ameaçados, hoje vivem três pessoas: o pequeno Daniel acaba de chegar para completar a família.

Dez anos de vida em comum

Bruno e João estão juntos há dez anos. Tiveram um namoro quando se conheceram. Depois decidiram ser só amigos. Mas a amizade não parava de aproximar os dois. Bruno diz que sabia o tempo todo aonde aquilo ia levar. Mas João, não. “Quando a gente foi morar junto, ainda como amigo, foi que eu pensei: espera, o que exatamente está acontecendo aqui”, conta, sorridente, João Pedro.

A amizade virou namoro. O namoro virou união estável. E como em tantos casais, veio a impressão de que faltava algo. Faltava um filho. E com o tempo amadureceu a ideia de entrar com o pedido de adoção.

Adoções por casais homoafetivos há muito tempo deixaram de ser um tabu para o Judiciário. A cada curso de novas turmas de adotantes em Curitiba há pelo menos um casal de gays ou lésbicas se candidatando – e os psicólogos, juízes e demais profissionais da Vara da Infância não fazem a menor distinção entre os adotantes.

A espera, porém, assim como na maior parte dos casos de adoção, foi longa. Neste ano, porém, João estava no trabalho e recebeu um telefonema informando que havia uma criança que tinha sido indicada para eles. O casal queria conhecer? Claro! E lá foram os dois ver o pequeno Daniel pela primeira vez.

O processo começou com uma aproximação. No caso de crianças que já entendem o que está acontecendo à sua volta, é preciso primeiro fazer com que elas se adaptem à situação. Por isso, os adotantes vão ao lar e aos poucos ganham a confiança da criança. Com o tempo, podem levá-la para passar uma noite e um fim de semana em casa, até que o relacionamento amadureça.

Daniel se afeiçoou aos dois e a juíza permitiu o início do estágio de convivência. Agora, no fim de maio, depois de meses com os três morando debaixo do mesmo teto, saiu a sentença que é o último documento do processo: Daniel, finalmente, passou a ser filho oficialmente do casal.

O menino, que está à beira de fazer dois anos, está se desenvolvendo bem. E a casa dos três, que de repente está cheia de brinquedos, passou por alguns ajustes para receber a criança.

A rotina também mudou. João tirou a licença paternidade de 20 dias. No caso de relacionamentos homoafetivos, o casal decide quem fica com a licença maior, de seis meses. No caso, o papel coube a Bruno, que se afastou da universidade para ficar o dia inteiro com o filho.

No dia 28 de maio, dois anos e um mês depois do momento mais triste da vida em família de João e Bruno, quando parecia que o mundo punha em perigo a felicidade deles, um post no Facebook anunciava que agora a família tinha oficialmente mais um membro. A foto da certidão de nascimento comprovava. A homofobia não havia vencido. Quem venceu foi o amor.

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