No Acordo de Paris, firmado entre 195 países em 2015, o Brasil se comprometeu a reduzir para 3,9 mil km2 o desmatamento na Amazônia em 2019. A previsão hoje, porém, é de que a destruição da maior reserva de biodiversidade do mundo chegue a 10 mil km2 neste ano. Quem afirma é o doutor em Física e cientista brasileiro, Ricardo Galvão, ex-diretor do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe). Exonerado por Bolsonaro por divulgar dados alarmantes sobre o problema, em julho, o professor da Universidade de São Paulo (Usp) reafirma a necessidade de ações eficazes contra grileiros que promovem queimadas, vendem madeira ilegal e invadem terras indígenas.
Em Curitiba, para uma palestra na Universidade Federal do Paraná (UFPR), realizada pelo Programa de Pós-graduação em Física, Galvão lembrou que em 2018 o avanço no desmatamento atingiu 7,5 mil km2. “Este ano, de janeiro a agosto, o desmatamento já foi o dobro do que o mesmo período do ano passado”, garante. Apesar dos dados estarem disponíveis ao Instituto Brasileiro do Meio Ambiente (Ibama), e de serem emitidos 1,8 mil alertas somente em julho, não houve ações efetivas. “Foram 15 alertas diários e o governo não fez nada.”
Ele conta que o Sistema de Detecção do Desmatamento na Amazônia Legal em Tempo Real (Deter) foi criado no governo Lula, a pedido da então ministra do Meio Ambiente Marina Silva. Usando o sistema do Inpe, ela baixou a taxa de desmatamento de 27 mil km2 em 2004 para 4,5 mil km2 em 2012. “Simplesmente atuando em cima dos alertas, que agora o governo diz que não serve pra nada e que é preciso implantar outro. É esse o sistema que o ministro Ricardo Salles quer substituir pela empresa Planet”, alerta Galvão.
Quando Dilma assumiu, destaca ele, as ações do Ibama pra coibir o desmatamento “arrefeceram e aí em 2018 ficou em 7,5 mil km2 e esse ano esperamos próximo de 10 mil km2”.
Com 20% dos 5,5 milhões de km2 da Amazônia já destruídos, o temor dos cientistas é de que a derrubada da mata chegue a 40%, o que levaria a uma irreversível transformação da floresta em savana. “A maior parte do desmatamento é em terras não destinadas, onde fazem grilagem. Não há queimada espontânea pois o solo é muito úmido. Os desmatadores são muito poderosos e têm maquinários para isso, mas o governo mandou proibir queimar estas máquinas”, lamenta.
De acordo com o físico, a redução na fiscalização e o discurso incitante de Bolsonaro vão contra dados científicos de um sistema (Prodes) que fornece dados oficiais ao governo federal desde 1988, com 95% de margem de acerto. “Um presidente atacar o próprio órgão é uma falta de civilidade republicana, uma idiotice total.”
As críticas se estendem ao ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles, que “desmantelou completamente o Ibama, tirou chefe de suas unidades regionais, colocou restrições a atuações de fiscais, mandou mensagens bens claras que as fiscalizações iam diminuir. Isso é o mais preocupante.”
Para o ex-diretor, sua demissão do Inpe prova a falta de diálogo que sempre houve no atual governo. “Enviei vários ofícios, tentei reunião entre eles e a comunidade científica, mas me disseram que não poderiam ouvi-la pois estaria aparelhada com a esquerda.”
Apesar de sua tumultuada saída, Ricardo Galvão diz que não sofreu ameaças, nem mesmo à sua carreira acadêmica. Pelo contrário, chegou a receber convites de trabalho na Itália, Portugal e França onde lhe prometeram até asilo político. Mas sair do país, para ele, seria uma derrota.
Futuro do INPE
O novo diretor interino do Inpe, Darcton Policarpo Damião, é um oficial da reserva da Aeronáutica, com mestrado em Observação da Terra e doutorado sobre Ocupação Sustentável. “Então, é uma pessoa da área e não acredito que ele fará qualquer coisa para impedir o progresso em nossa área, mesmo porque, a atenção sobre o Inpe é tão grande que qualquer retrocesso seria escandaloso”, avalia Galvão.
Segundo ele, toda polêmica envolvendo a divulgação dos dados sobre o desmatamento na Amazônia fez com que o Inpe ficasse mais conhecido. “Antes, ninguém sabia o que o Inpe fazia, agora todo mundo sabe sobre a Amazônia, sabe falar sobre satélite, sobre sensoriamento remoto. Pensei que não mais de um mês, toda essa atenção ia decair, mas não, cada vez mais pessoas mandam mensagens, perguntando como estou e o que está acontecendo no Inpe”, ressalta ele, revelando que tem “uns 680 emails para responder”.
Em sua análise, nos governos anteriores, mesmo com crise, havia consideração pela ciência e tecnologia. “Mas não é o que demonstra o atual presidente.”
A única forma de resistir, também aos ataques contra a ciência e a tecnologia nas universidades, “é nos manifestando, fazendo mobilização, saindo às ruas, indo à imprensa. Todos que têm algum poder de formação de opinião pública tem que atuar”, conclui, aplaudido em pé pelo auditório lotado.