“É muito desgastante ouvir as últimas palavras e receber o último olhar de alguém”

Em depoimentos emocionados, profissionais fazem raio-x da Saúde em Curitiba

Nesta quinta-feira (1), em conferência realizada nas redes sociais da Câmara Municipal de Curitiba, agentes da Saúde fizeram falas emocionadas sobre o colapso nas redes de atendimento da Cidade. Representantes de sindicatos de médicos e enfermeiros, especialistas em infectologia e vereadores falaram da falta de estrutura dos locais de atendimento e da pouca valorização dos trabalhadores da Saúde.

Atualmente, os 513 leitos exclusivos para Covid-19 na Capital estão ocupados. Nas UPAS, que foram transformadas em mini-hospitais pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), pessoas fazem fila na espera por leitos de UTI e se aglomeram em cadeiras para receberem oxigênio, já que não tem macas suficientes para todos. Em conjunto, profissionais sobrecarregados, adoecidos física e mentalmente, se revezam para tentar minimizar a dor dos pacientes e familiares.

Outra preocupação, é o baixo estoque de medicamentos, que já faz com que os hospitais precisem emprestar sedativos para intubação. “Temos uma grande preocupação em relação ao oxigênio e fármacos necessários para a ventilação e sedação dos pacientes”, afirmou o médico Roberto Yosida, representante do Conselho Regional de Medicina (CRM). “Sabemos de alguns locais onde já falta esse tipo de medicamento. É muito desgastante ouvir as últimas palavras e receber o último olhar de alguém”, disse ele.

A médica Cláudia Paola, dirigente do Sindicato dos Médicos do Paraná (Simepar), lembrou que a falta de equipamentos e infraestrutura também abala mentalmente os profissionais da Saúde. “Estar lá no último momento de um paciente e saber que poderia fazer melhor se tivesse mais recursos e equipamentos, gera angústia”, ressaltou. “Eu sou psiquiatra, atendo colegas da linha de frente e muitos estão com depressão.”

Ela ainda afirmou que o problema na Saúde pública em Curitiba se revelava antes da pandemia e agora a situação ficou em evidência. “Quando a pandemia chegou, Curitiba já passava por um momento de desvalorização dos profissionais de Saúde, com corte de direitos, ameaça da terceirização, de perder o vínculo de emprego e adoecer sem nenhum suporte.”

Além disso, a médica reforçou a falta de valorização dos profissionais. “Médicos têm se sentido pouco reconhecidos, têm palmas nas janelas, mas não veem a valorização do seu trabalho pelo seu empregador.”

“Foi o pior março da nossa geração”

O presidente da Sociedade Brasileira de Infectologia, Clóvis Arns da Cunha, disse que o último mês de março teve os piores números já registrados. “Março foi o pior março da nossa geração. Quase 62 mil pessoas morreram vítimas da Covid no Brasil. Antes disso, o pior dado era de julho de 2020, quando 30 mil morreram. Em 35 anos de profissão, jamais pensei que passaria por isso.”

O infectologista também falou sobre os perigos dos tratamentos precoces feitos com Hidróxido Cloroquina e Ivermectina. “Nenhuma sociedade médica científica, que representam médicos que atendem pacientes com Covid ou especialistas nas doenças que a Covid causa, recomenda o uso desses remédios”, disse. “Quando afirmamos isso, sofremos agressões nas redes sociais.”

Enquanto isso, algumas pessoas que assistiam a conferência pelo Youtube fizeram fortes críticas à fala do especialista, o chamando inclusive de “comunista”. Algumas postagens em defesa do tratamento precoce, vieram da conta do vereador Ezequias Barros (PMB), que afirmou que os medicamentos já foram testados e existem comprovações.

No Youtube, vereador defende o uso do “Kit Covid”

O médico garantiu que a Sociedade Brasileira de Infectologistas é formada por mais de mil especialistas de todo país e que existe um grupo, com cerca de 100 médicos, que atualizam diariamente as leituras científicas referentes a estudos sobre a Covid. “Vamos esquecer o tratamento precoce e vamos focar em duas coisas: vacinação em massa e medidas preventivas”, concluiu Clóvis.

“Agradecemos pelos aplausos na janela, mas precisamos de valorização”

Para Rita Franz, presidenta do Conselho Regional de Enfermagem do Paraná (Coren/PR), a desvalorização dos profissionais tem sido uma das principais reclamações da categoria. “Não temos reconhecimento financeiro e nem social, por isso temos sofrido uma fragilidade física e emocional. Somos 30 mil profissionais de enfermagem no município de Curitiba e, pasmem, nem todos estão vacinados.” Rita disse que a valorização deve ser salarial. “Agradecemos pelos aplausos na janela, mas precisamos de valorização e de um salário justo.”

Já a enfermeira Raquel Padilha, presidenta do Sindicato dos Servidores Municipais de Enfermagem de Curitiba (Sismec) destacou que a categoria sofre com a exaustão mental por serem os mais próximos diariamente dos pacientes. “Todos os profissionais estão exaustos, mas na enfermagem tudo isso se acentua, devido ao longo período que passamos próximos ao pacientes”, afirmou. “Acabamos conhecendo a vida do paciente, suas dificuldades, seus anseios e seus planos para o futuro e muitas vezes temos visto que eles não retornam para o seu lar.”

Raquel também contou, que nas últimas semanas, o principal problema tem sido os familiares dos profissionais que estão se contaminando. “Nas duas últimas semanas, encontramos muitos profissionais positivando pela segunda vez, mesmo vacinados. Eles não têm ficado com quadro grave, o que acontece é que a família acaba se contaminando”, disse. “Muitos têm perdido mãe, pai, filho, esposa.”

Para concluir, Raquel destacou as principais demandas. “Faltam EPIs, recursos humanos, medicação, espaço e sobram paciente, dor, óbito e tristeza.”

A conferência foi uma inciativa do mandado do vereador Dalton Borba (PDT) e também estiveram presentes a vereadora Professora Josete (PT) e o vereador Marcos Vieira (PDT).

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