Desamparadas, mulheres e crianças indígenas dormem nas ruas de Curitiba

Cerca de 30 Kaingangs de Rio das Cobras vieram a Curitiba para vender artesanato, mas encontraram a Casa de Passagem Indígena fechada

Desde o último sábado (4), cerca de 20 mulheres e 10 crianças indígenas estão tendo que viver nas ruas de Curitiba. O grupo originário de Rio das Cobras, a maior Terra Indígena (TI) do Paraná, localizada entre Espigão Alto do Iguaçu e Novas Laranjeiras, da etnia Kaingang viajou quase 400 km até a capital para vender o artesanato produzido pelas famílias, mas encontrou a Casa de Passagem Indígena (CAPAI) fechada. Agora, as indígenas passam as noites sob um toldo, próximo ao prédio do Bradesco, na Rua XV de Novembro.

Segundo a vice-presidente do Conselho Nacional de Mulheres Indígenas (CONAMI), Jovina Renh-Ga, que está no local auxiliando as indígenas, mais parentes devem chegar à cidade a partir desta quarta-feira (8) para contribuir na comercialização. Ela explica que, atualmente, como o comércio de cestas e balaios é a principal fonte de renda das famílias Kaingang, o grupo só conseguirá retornar à TI Rio das Cobras quando tudo for vendido.

Moradora da Aldeia Kakané Porã, no Campo de Santana, onde hoje vivem cerca de 40 famílias, Jovina conta que os povos originários convivem constantemente com o descaso do governo municipal. “Estou em Curitiba há mais de 30 anos e sempre foi assim. Ninguém quer ver indígenas aqui. O preconceito é muito grande. É muito triste. Nós somos seres humanos, cidadãos, mas onde a gente vai, somos sempre discriminados.”

Alvina Carneiro Luiz, de 27 anos, veio expor os produtos feitos manualmente com a mãe, a tia e os dois filhos. Ela diz que a ideia original era se estabelecer no município catarinense de Joinville, mas como foram expulsos, mudaram o destino para Curitiba. “A situação está muito ruim para nós, está chovendo muito e não conseguimos vender nada hoje”, relata.

Artesanatos produzidos pelas mulheres indígenas Kaingang. Foto: Jovina Renh-Ga

Em julho deste ano, o Plural noticiou uma situação semelhante em que a família de Cleverson Fykag Barão, de 21 anos, se deslocou para a capital paranaense com o objetivo de comercializar artesanato e também teve que passar dias desabrigada. Na época, a Fundação de Ação Social (FAS) informou que estava em tratativa com o Governo do Paraná para avaliar parceria para a contratação de uma Organização da Sociedade Civil (OSC) que assumiria o trabalho da Casa de Passagem.

Até agora, no entanto, a CAPAI, que foi inaugurada em 2015 como um centro de acolhimento e suporte para as pessoas indígenas que saem de suas aldeias em busca de renda com a venda de artesanatos, não retomou as atividades.

Procurada pela reportagem, a FAS afirmou que não há previsão para reabertura da Casa de Passagem pois existe a necessidade de cofinanciamento estadual e federal para tanto, uma vez que a gestão da unidade é compartilhada entre a FAS, o Governo do Estado e a Fundação Nacional do Índio (Funai).

Conforme a Fundação, as famílias Kaingang foram abordadas e agora as equipes da FAS estariam trabalhando para levantar informações sobre suas origens, onde têm permanecido desde que chegaram a Curitiba, quanto tempo pretendem permanecer na cidade, qual é a idade das crianças e quem são as responsáveis por cada unidade familiar.

“Com o levantamento finalizado, será dado o aporte necessário frente às demandas apresentadas, com abordagem social, atendimentos no Centro de Referência Especializado de Assistência Social (Creas), passagens de retorno para suas aldeias e orientações. Todos os indígenas têm acesso a acolhimento nos serviços já existentes no município”, diz a FAS, em nota.

O Plural entrou em contato com o Ministério Público do Paraná (MPPR), mas não obteve retorno até o fechamento desta reportagem.

Doações

Como a situação das mulheres e crianças Kaingang é precária, Jovina afirma que toda contribuição voluntária será bem-recebida. Atualmente, as famílias precisam principalmente de alimentos e materiais para se proteger do frio e da chuva.

Segundo a vice-presidente do CONAMI, até que consigam vender todos os itens, as mulheres passarão as noites na Rua XV de Novembro. “A gente tem que lutar para que as pessoas respeitem a gente, respeitem os primeiros habitantes do Brasil. Eu nunca vou desistir de estar sempre junto com os parentes, lutando. Eu fico muito triste com isso, mas vamos dar um jeito”, pontua Jovina.

Reportagem sob orientação de Rogerio Galindo

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4 comentários em “Desamparadas, mulheres e crianças indígenas dormem nas ruas de Curitiba”

  1. Gustavo Frederico

    Toda minha solidariedade com as mulheres e crianças Kaingang. E toda minha solidariedade com a nação Kaingang. Que um dia as terras voltem aos seus donos originários.

  2. O que impede a prefeitura de Curitiba de hospedar as artesãs indígenas em hotéis? Acontece em vários municípios, e é mais simples e eficiente usar a hospedagem que o município já licitou do que gerir uma casa de passagem

  3. VANDERLEI FRAGA SILVEIRA

    “Estou em Curitiba há mais de 30 anos e sempre foi assim. Ninguém quer ver indígenas aqui. O preconceito é muito grande. É muito triste. Nós somos seres humanos, cidadãos, mas onde a gente vai, somos sempre discriminados.”

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