Conselheira que gritou “Lula livre” é exonerada

Aline Castro foi dispensada na sexta. Rosana Kloester, cuja liminar caiu em fevereiro, segue no Conselho

Na última sexta-feira, dia 21, Aline Castro acompanhava o caso de mais uma família vulnerável a serviço do Conselho Tutelar do Boa Vista. Era uma mãe preta acusada de negligência, coisa doída demais para outra mulher que sente na pele as marcas do racismo. Foi durante esse atendimento que ela recebeu uma ligação da Fundação de Ação Social de Curitiba (FAS), seguida de um e-mail com o comunicado: “A partir de hoje você não presta mais serviços como conselheira tutelar”. Depois da notícia, ela tentou fechar os encaminhamentos da ocorrência, mas conta que mal conseguia parar de pé.

Durante os 14 meses de mandato que Aline exerceu, foram dezenas de atendimentos densos, dentro e fora do Conselho Tutelar. “A minha comunidade, que votou em mim, me procura para todo tipo de demanda”, fala a conselheira eleita com 339 votos, segunda mais votada em 2019. Para dar conta, só mesmo com acompanhamento psicológico, coisa que ela teve que providenciar por fora. “Conselheiro tutelar não tem nem plano de saúde, que dirá psicológico. E isso, nesse cargo, é essencial, ao menos pra quem tem um pouco de humanidade.”

Nos últimos tempos, ela e outra conselheira que vive situação semelhante, Rosana Kloester, receberam apoio de muita gente. Luiz Inácio Lula da Silva, movimentos sociais e colegas de trabalho se manifestaram lamentando a situação; mas depois que ela foi exonerada, o abatimento se instalou. Desde aquela ligação, ela confessa que está difícil levantar da cama. “Foi tudo muito humilhante, desde o começo, sabe? Três julgamentos… Se pudessem, teriam me amarrado no tronco pra algumas chibatadas. Preta bocuda. Preta fujona.”

Histórico

O Plural acompanha o desdobramento do caso desde o início. Aline Castro e Rosana Kloester tiveram um vídeo privado vazado. Elas comemoravam as eleições do Conselho Tutelar gritando “Lula livre” (na época o ex-presidente estava preso em Curitiba) e diziam “vocês estão fodidos” – referindo-se a abusadores, tipo de público com o qual conselheiras precisam lidar durante o mandato. 

De lá pra cá, muita coisa aconteceu, mas para encurtar a história, elas foram cassadas pelo Conselho Municipal dos Direitos da Criança e do Adolescente (Comtiba). O motivo? O vídeo teria revelado “Inidoneidade moral”. Ambas tiveram de recorrer à Justiça para que pudessem se manter nos respectivos cargos até recentemente, quando as duas liminares caíram.

Por decisão do desembargador Luiz Taro Oyama, a liminar de Rosana caiu no começo de fevereiro. A liminar de Aline caiu mais tarde, no fim de abril, também por decisão de Oyama. Menos de um mês depois, o Comtiba reorganizou o resultado das eleições para exonerá-la. No documento, Rosana segue no quadro de conselheiros “sub judice”. 

Comtiba reorganiza a eleição. Foto: reprodução

A reportagem quis entender a diferença no tratamento mas a FAS se resumiu a dizer que foram “processos judiciais separados” e que “naturalmente a decisão judicial é proferida em tempos e juízes diferentes”, embora, como já mencionamos, ambas as liminares tenham caído por decisão de Oyama – a de Rosana dois meses antes.

A equipe jurídica de Aline e Rosana também não entendeu o movimento do Comtiba. Perguntamos se a nova decisão podia ter a ver com uma leitura diferenciada das condutas de ambas, mas o advogado Felipe Lopes respondeu que isso nunca foi objeto de discussão no Judiciário nem no administrativo: “Participei de todos os julgamentos e nunca se procurou individualizar conduta.”

Próximos passos

Na Justiça, a luta continua. “Vamos até o Supremo Tribunal Federal. Eu só sossego quando não tiver mais onde recorrer”, garante Aline.

A defesa quer entender por que Oyama só cassou as liminares com base na vagueza do conceito de idoneidade moral. “Esse não é o nosso único argumento pra afastar a cassação. Elas não podiam ser cassadas se a idoneidade moral já havia sido aferida durante o processo classificatório. A elegibilidade delas até poderia ser julgada para um próximo mandato, não para o atual. É uma regra eleitoral, mas ele foi omisso quanto a isso. Os nosso embargos de declaração foram no sentido de pedir um posicionamento – e recentemente a promotoria disse que ele precisa se manifestar”, finaliza Lopes.

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12 comentários em “Conselheira que gritou “Lula livre” é exonerada”

  1. Os exageros de poder… porque não utilizam tanta capacidade para exigir orçamento digno para investir em todas as situações que afetam os direitos das crianças e adolescentes… Cadê o investimento do município de Curitiba, em serviço de excelência nos CRAS e CREAS com concursos públicos para admitir profissionais da Assistência Social para acompanhar os territórios mais economicamente vulneráveis e fazer chegar para as comunidades a inclusão digna no atendimento das mais variadas necessidades de um povo q avança para extrema pobreza e todas as variáveis resultantes dos sofrimentos humanos?
    Que o município também receba um olhar jurídico para tudo que vem negligenciando para a prioridade absoluta que o ECA prega para o cuidado com a infância e juventude e deixe de perseguições parciais que desviam o olhar para o que precisa realmente ser exigido juridicamente do poder público.

  2. JENNY KETHLYN DE QUADROS

    Aline, sei o quanto você lutou para chegar lá, ser mulher, negra, mãe solo, não te exime de ter liberdade de expressão, infelizmente é mais uma barreira que a vida te obriga a enfrentar, mas saiba que estamos ao seu lado, tenha força, não permita se adoecer por esse tipo de gente, eu sinto muito, muito mesmo que esteja passando por isso e tenho certeza que a comunidade que precisa de ajuda, sente muito a sua falta. Um abraço virtual cheio de energia positiva.

  3. Eu pensando cá, se palavrões fossem o suficiente para constatar idoneidade . Como ficaria as constatações sobre aquela reunião presidencial com os ministros em Abril de 2020?! E tbm tinha eleitos, mas eram homens cis hétero brancos. Pensamento engraçado esse meu! ?

  4. Maria do Carmo Manente

    A escravidão ,hoje ,é passado. Há necessidade urgente de rever comportamentos anti-sociais. Punir, resgatar o povo que dentro da nossa miscigenação representa mais da metade da população. Certo está o governo petista em resgatar importante parcela da nossa sociedade. Não as Arbitrariedades!!!! Não!!!

  5. Mulher honesta ELEITA sendo exonerada, cadê advogado do Lula pra defender essa mulher pelamor. Ela merece uma indenização por essa sacanagem.

  6. Marcos Antonio Teixeira

    Pazzuello em cima do carro de som desrespeitando as regras sanitárias pode. E isso pra ficar em um só exemplo. Manifestação de uma conselheira não pode.
    O país todo caminha a passos largos pra contra a democracia.

  7. Uma aberração essa justiça. Apoiaremos a conselheira Aline, pois ela foi eleita e não foi com qualquer quantidade de votos. Essa tentativa de calar sua voz, não passará!

  8. Essa é a cidade em que membros do MPF, PF sao vazados pelas mensagens da Spoofing, colocam outdoor em nome de un laranja e ninguém faz nada. Uma juíza escreve em sentença que “é ladrão pq é preto” e ninguém faz nada. Mas uma conselheira tutelar QUE TRABALHA POR SEUS ELEITORES é punida por video pessoal. Haja dois pesos e duas medidas. Fica bem feio.

    1. Leonildo Santana

      Perfeito comentário, Curitiba está muito longe da propaganda de cidade modelo, titulo q o Lener catapultou por abrir uma rua só pra ônibus, fazer o jardim botânico e coleta sepleteiva de lixo. Esqueceram de reciclar parte de curitibanos que se comportam como verdadeiros lixos humanos.

    2. Ao escrever uma matéria tem que se levar as versões de ambos os lados, de quem diz e ou de quem responde por algo!
      Como pode só escrever uma versão. Se o jornal ou a Jornalista vissem toda a situação desde o primeiro julgamento, veriam que nunca foi por “LULA LIVRE” e sim por palavrões e exemplos que conflitam com uma postura ética de um conselheiro. Podiam gritar “lula livre”, “lula solto”, “LULA LULA”, (mesmo que um conselheiro não possa ter partido, nunca foi por isso). “
      “Vocês estão fodidos” – (referindo-se a abusadores? agora é fácil mudar o direcionamento da frase para abusadores porque antes era para o conselho e suas administrações), entre outros palavrões que foram ditos.
      Se pegarem os documentos da audiência da cassação vão ver que o que está sendo julgado são essas falas e postura, não os posicionamentos políticos ou a raça, gênero ou situação financeira.
      Nunca foi por ser mulher, negra, mãe solteira entre outras situações.
      “ao falar, assumimos as consequências”

      1. Rosiane Correia de Freitas

        Roberto, fui a única jornalista a acompanhar toda eleição para o Conselho Tutelar. Tenho e li toda documentação do processo contra elas dentro do Conselho Municipal e na Justiça. Também conheço o processo eleitoral daquele ano em detalhes (até porque fui eu que dei em primeira mão as irregularidades que levaram ao cancelamento da primeira votação, entre outras coisas). Não há nenhum dispositivo nem nas regras da eleição, nem na legislação pertinente que justifique a cassação por um declaração feita privadamente (o vídeo não foi publicado pela autora, portanto é privado), nem por declaração pública. A definição de idoneidade prevista estabelece critérios objetivos, o que quer dizer ausência de processos e condenações judiciais, por exemplo.
        Ou seja, na audiência de cassação (nas duas, pq houveram duas. E em ambas eu estava lá na medida em que me foi permitido ficar) a discussão sobre os termos usados não tinha qualquer respaldo na legislação.
        Além disso, você está equivocado quando diz que conselheiro não pode ter partido. A legislação estabelece que a eleição para conselheiro não pode ter participação de partidos. Mas é perfeitamente possível ser afiliado a partido. A Aline, inclusive, era filiada ao PT (não sei se ainda é), assim como a Rosana.
        Então quando estamos afirmando que a motivação é subjetiva é porque nós de fato analisamos todos os fatores e é essa conclusão a qual chegamos com base nos fatos. Isso inclusive está documentando (inclusive com trechos dos documentos) em muitas matérias que fizemos a respeito.
        Att,
        Rosiane

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