Concurso da polícia traz milhares a Curitiba; busca de hospedagens tem armadilhas

Sites de busca ofertam vagas distantes e inexistentes, com valores muito acima dos cobrados pelos hotéis

O grande número de pessoas de fora que farão concurso para a Polícia Civil neste fim de semana em Curitiba e região, somado à pandemia, está causando uma inflação dos preços na hospedagem em hotéis e imóveis alugados por aplicativos. Além de raros, os lugares para quem vem de fora podem ficar muito mais caros também quando alugados por plataformas virtuais, conforme verificou o Plural.

Dos 106 mil inscritos no concurso da Polícia Civil do Paraná (PCPR), 55% vêm de outros Estados e farão as provas no dia 21 de fevereiro em Curitiba e Região Metropolitana (RMC). Isso significa cerca de 58 mil pessoas vindo para a cidade. Muitas fazem a busca por um lugar para ficar em sites e aplicativos, que prometem uma negociação mais prática. Mas `Pas vezes isso resulta em problemas.

Alguns lugares divulgados como sendo em Curitiba ficam a mais de 100 quilômetros de distância. Outros quartos ofertados já não estão mais disponíveis nos hotéis para a data da prova. O valor das diárias também sobe nos site de busca: de R$ 150 para R$ 7 mil.

Os resultados foram levantados na tarde do dia 18 de fevereiro. Informações acerca de algumas acomodações disponíveis em cada site mudaram no decorrer do desenvolvimento desta reportagem.

No site Booking.com, por exemplo, na data selecionada, 96% das opções de estadia para Curitiba estão indisponíveis. Constam 15 opções vagas, porém, quatro delas não estão realmente localizadas na Capital. Elas são, na verdade, em Guaratuba, Penha e Ilha do Mel – mais de 100 quilômetros distantes.

No site, existem 11 hospedagens disponíveis em Curitiba na data da prova da PCPR. A diária mais barata aparece como R$ 840,00 mais R$ 84,00 de impostos e taxas, mas na hora de reservar o valor sobe para R$ 1.785,00 mais R$ 179,00 em impostos e taxas. Assim, a opção mais em conta sairia por R$ 1.193,00.

Opção 1 de hospedagem para Curitiba, na verdade, fica em Guaratuba/PR. Foto: Reprodução/Booking.com
Opção 2 de hospedagem para Curitiba, na verdade, fica na Ilha do Mel/PR. Foto: Reprodução/Booking.com
Opção 3 de hospedagem para Curitiba, na verdade, fica na Ilha do Mel/PR. Foto: Reprodução/Booking.com
Opção 4 de hospedagem para Curitiba, na verdade, fica em Penha/PR. Foto: Reprodução/Booking.com

Ao buscar por acomodações na Região Metropolitana de Curitiba (RMC), 97% estão indisponíveis pelo Booking.com. No site, constam 15 acomodações disponíveis para o dia 20 de fevereiro, sendo 12 hotéis os mesmos que apareciam na busca por hospedagens em Curitiba. Duas das opções, no entanto, não ficam nem na Grande Curitiba. Uma delas fica em Ribeirão Amarelo – mais de 70 quilômetros distante da Capital – e outra em Morretes – 70 quilômetros distante.

Opção de hospedagem na Região Metropolitana de Curitiba, na verdade fica em Morretes/PR. Foto: Reprodução/Booking.com
Opção de hospedagem na Região Metropolitana de Curitiba que na verdade fica em Ribeirão Amarelo/PR. Foto: Reprodução/Booking.com

Uma das hospedagens realmente está localizada na RMC. O apartamento fica em São José dos Pinhais, porém, para ficar lá, seria necessário desembolsar um total de R$ 8.999,00.

Apartamento disponível em São José dos Pinhais/PR. Foto: Reprodução/Booking.com

Ao ser procurada pelo Plural, a equipe do Booking.com afirmou que ao fazer a pesquisa de acomodação em Curitiba para os dias 20 e 21 de fevereiro apareceram resultados na Capital. A empresa solicitou imagens da pesquisa feita pelo Plural para confirmar os dados, mas até o fechamento da reportagem não houve retorno.

Custos e riscos

Na busca por uma acomodação no Booking.com para o fim de semana do concurso, um morador do interior de São Paulo, que prefere não se identificar, conta que hotéis que normalmente cobram R$ 100 a diária, no dia da prova estão cobrando mais de R$ 4 mil. “É uma afronta aos comandos legais do código de defesa do consumidor, que proíbe tal abuso. E esse abuso não é só em relação aos candidatos do concurso, mas a qualquer cidadão que precise deste serviço na data em questão”, afirma. 

O homem, que optou por não realizar o exame por conta da pandemia, visto que “será inevitável o encontro de diversas pessoas vindo de todo o país, não só no local de prova, mas também em hotéis, restaurantes e transportes”, relata que soube de diversas pessoas que, mesmo testando positivo para a Covid, irão fazer a prova. 

“Entraria com uma liminar para a banca me colocar numa sala isolada. E jogaria o princípio da perda de uma chance! Por que eu não tive culpa de pegar, mas quero fazer a prova que por meses estudei…”, afirma uma mulher no Instagram. 

“Gente, mas com certeza eu iria, mesmo testando positivo, são anos de preparação, noites estudando, se eu estiver positivo e bem eu pego minha máscara e vou pra guerra”, relata outra pessoa nas redes sociais.

Oferta e procura

Segundo o presidente da Associação Brasileira da Indústria de Hotéis do Paraná (ABIH-PR), Paulo Iglesias, os preços dos hotéis seguem a regra de oferta e procura, quanto maior a procura maior o preço. “Isso é uma prática normal no mundo inteiro. Tem evento ou algum congresso em que a cidade vai ficar lotada, os hotéis aumentam os valores, ainda mais agora que está todo mundo precisando.” Ele explica que não existe um preço máximo a se cobrar e que “cada hotel precifica como quer”.

Paulo entende que a pouca disponibilidade de vagas nesse momento se dá por dois motivos: primeiro por conta do contexto da pandemia, em que os hotéis devem manter lotação máxima de 50%; segundo por grande parte dos candidatos terem feito a reserva nos hotéis com meses de antecedência, assim que saiu o edital da prova.

Preços elevados

No site do Airbnb a maioria das estadias disponíveis para a data solicitada (20/21 de fevereiro) são apartamentos, casas ou quartos para aluguel. Os únicos hotéis que constam como disponíveis ficam no Centro de Curitiba e suas diárias custam R$ 7 mil.

Hotel Granville 4Soul, em Curitiba, tem diária de R$ 7 mil para a data solicitada. Foto: Reprodução/Airbnb
Hotel Roochelle, em Curitiba, tem diária de R$ 7 mil para o fim de semana do concurso. Foto: Reprodução/Airbnb

Entretanto, em contato com o Hotel Roochelle, foi informado que todas as vagas para a data do concurso já estão esgotadas. De acordo com a hospedagem, o quarto ofertado pelo Airbnb pelo valor de R$ 7 mil decorreu de um erro do próprio site de busca. No Roochelle, o custo das diárias individuais para o fim de semana do concurso gira em torno de R$ 229,00. Após o contato da reportagem, o anúncio no Airbnb foi retirado do ar.

Já o Hotel Grandville diz não ter parceria com o Airbnb e nem conhecimento de que um quarto seu estava sendo ofertado pelo site de busca. “Nem temos cadastro no Airbnb. Nunca venderíamos um quarto nesse valor também.” O Grandville também está com todas as vagas esgotadas para a data da prova. Segundo a equipe do hotel, o mesmo quarto que está sendo anunciado no Airbnb por R$ 7 mil foi ofertado, para data da prova da PCPR, por R$ 150,00.

Ao ser procurado pelo Plural, o Airbnb informou “que está analisando os casos mencionados pela reportagem, e destaca que possui Termos de Serviço para anfitriões e hóspedes e que qualquer situação que desrespeite essas regras está sujeita às medidas cabíveis, que podem envolver remoção da plataforma. Além disso, o Airbnb informa que possui uma equipe de atendimento 24 horas, 7 dias por semana, em 11 idiomas, para dar suporte a hóspedes e anfitriões por meio da Central de Ajuda, que pode ser acionada para tirar dúvidas, comunicar eventuais incidentes em qualquer fase da estadia (do check-in ao check-out), ou mesmo para qualquer denúncia sobre quebra de regras da plataforma”.

Questões legais

O advogado Matheus Aguirra, especialista em Direito do Consumidor, afirma que, dependendo da escala, as lesões ao cliente podem ser consideradas crime. “Nesse caso, poderia configurar um tipo de estelionato, por exemplo. Não costumamos ver repercussões penais para esse tipo de coisa, mas na esfera cível é cabido um processo por propaganda enganosa. A hora que você faz a reserva é como um contrato. Você contratou aquilo, não tem como alterar depois.”

O profissional explica que, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor (CDC), a empresa é responsável por todo anúncio e oferta que coloca no site, mesmo que seja um marketplace, como é o caso dos sites de busca Airbnb e Booking.com.

Para ele, o caso do Airbnb poderia ser um golpe, em que um terceiro cadastrou a hospedagem de forma fraudulenta para receber o valor da diária, ou uma falha do próprio hotel que cadastrou errado. Porém, seria passível de processo, tanto em face do hotel quanto da plataforma de busca. “As empresas não querem assumir responsabilidade, falam que elas são só uma plataforma que conecta as pessoas e a responsabilidade é de quem está cadastrando os dados lá. Via de regra, as empresas são responsáveis pelo o que colocam na plataforma delas,” afirma.

O advogado esclarece que, por lei, o consumidor tem direito ao valor pago e tudo o que tiver de prejuízo causado por não ter se hospedado naquele lugar – por exemplo, alimentação e deslocamento. Além disso, a pessoa pode ser ressarcida por dano moral, que varia conforme o nível de estresse sofrido. “A pessoa já passou por uma situação super estressante, está no limite dela concorrendo com 106 mil pessoas e passa por isso no dia anterior à prova, qual a chance de ela chegar no concurso preparada e equilibrada?” questiona.

Como prevenção, às pessoas que buscam por uma acomodação nesses sites, o advogado recomenda que elas procurem pela “pegada digital” da acomodação. “Se é uma hospedagem nova que ninguém nunca avaliou, que não tem esse histórico de confiabilidade, é melhor ficar alerta. Se for um hotel grande que não tem nenhuma avaliação, fica mais alerta ainda.”

Em casos de casas e apartamentos, Matheus recomenda que o consumidor tente confirmar as informações com o anunciante pelo chat do site.

Claudia Silvano, coordenadora do Procon-PR, explica que, caso o consumidor pague um valor informado erroneamente no site de busca por hospedagem, ele pode fazer uma reclamação para o órgão e pedir a devolução do valor em dobro, visto que foi uma cobrança indevida. 

Covid-19

De acordo com a Secretaria Municipal de Saúde, das 106 mil pessoas inscritas no concurso, 55% vêm de outros estados e 45% são do Paraná. Por conta desse grande contingente de pessoas que estará na Capital para a prova, a Secretaria alerta para a necessidade do comprimento das regras sanitárias de combate à Covid-19.

“Hotéis e resorts devem funcionar com até 50% da sua capacidade. O uso de máscaras é obrigatório em Curitiba. Os estabelecimentos devem controlar a lotação observando a capacidade máxima de uma pessoa a cada nove metros quadrados. Também cabe a eles organizar as filas respeitando a distância de 1,5 metro entre as pessoas.”

O órgão ressalta o cuidado com o aparecimento de sintomas de doenças respiratórias, principalmente para candidatos vindos da região amazônica, “que tem maior circulação da nova variante do coronavírus. Indícios apontam para a maior transmissibilidade dessa variante e o isolamento imediato é essencial”.

A variante do coronavírus já foi detectada no Paraná, com quatro dos cinco casos registrados em Curitiba.

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

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