Compagás ignorou decisão interna para financiar evento em Dubai, do qual não participou

Comitê deliberou inicialmente por não patrocinar a iniciativa. Estatal disse que palavra final foi da diretoria

A estatal paranaense de distribuição de gás, a Compagás, ignorou decisão interna da empresa ao decidir investir dinheiro no evento organizado exclusivamente para empresários, muitos do setor privado, na Expo Dubai, feira da qual participou uma ampla delegação do estado, inclusive representantes do governo. Em reunião, membros do comitê de patrocínio da Compagás concluíram que não haveria “retorno institucional em se apoiar o evento no atual contexto da Companhia”, prestes a ser privatizada.

Contrariando decisão específica – já que o aporte ocorreu a título de patrocínio –, a empresa decidiu repassar à iniciativa R$ 50 mil, mesmo sem nenhum representante da empresa ter viajado para participar do evento.

A feira ocorreu entre os dias 10 e 17 de outubro em Dubai, considerada uma das cidades mais luxuosas e, portanto, caras do mundo. Pelo menos R$ 381 mil de dinheiro público foi usado para o esquema montado exclusivamente para os empresários paranaenses, batizado de “Paraná Business Experience” e organizado pela Paraná Metrologia, Oscip que tem cadastro na Receita Federal para atividades relacionadas análises técnicas e pesquisas científicas.

A reunião do comitê que decidiu por contraindicar o patrocínio ocorreu cerca de um mês antes, no dia 9 de setembro, e a deliberação consta em ata anexada ao contrato que garantiu o repasse à Paraná Metrologia.

A ata do encontro aponta participação de seis servidoras: três assessoras de comunicação institucional e as demais, representantes das áreas de gerência de planejamento e meio ambiente; coordenadoria de vendas urbana e coordenadoria de relacionamento industrial e GNV.

Na ocasião, discutiu-se o aporte a cinco projetos. Apenas dois deles, de menor valor e do ramo da gastronomia, foram vistos como alinhados às propostas institucionais da Compagás. A cota sugerida foi de R$ 26 mil e R$ 15 mil, respectivamente, para cada um deles.

Mudança de rumo

O evento em Dubai, mais caro de todos os discutidos, não recebeu o aval do grupo. No entanto, a empresa confirmou transferência de R$ 50 mil ao evento. A validação veio de parecer técnico assinado por uma das servidoras integrantes do comitê de patrocínio – o mesmo que deliberou pela não aprovação inicial de apoio ao projeto de Dubai. Com base no documento, a equipe jurídica reiterou a legalidade do aporte.

Em nota, a empresa disse que deliberação do comitê de patrocínio é, na verdade, uma “opinião” que corresponde a apenas uma das fases do processo. “Porém, de acordo com normativa interna, a decisão final cabe à Diretoria da empresa”, afirmou. A presidência da Compagás é do executivo Rafael Lamastra Jr., que entre 2008 e 2017 trabalhou como diretor do Grupo Massa, empresa de comunicação que pertence à família do governador Ratinho Jr. (PSD).

Embora inicialmente os membros do comitê não tenham vislumbrado aproveitamento institucional na participação, a Compagás respondeu ainda que “o apoio ao evento representou não somente um reforço quanto à capacidade de infraestrutura do Estado, mas principalmente como uma forma de reforçar a imagem corporativa da empresa frente à grandes investidores estrangeiros e atrair novos negócios para a Companhia”. Trata-se de mesmo teor da justificativa presente no contrato firmado com a Paraná Metrologia.

“Esta participação também foi um momento para expor oportunidades de suprimento de gás natural para o Paraná, em especial pelo modal liquefeito (GNL)”, diz o texto, ainda que nenhum representante da empresa tenha viajado à Dubai.

O parecer técnico, também anexado ao contrato, mostra ainda que, para ter a compra da cota aprovada, a Compagás definiu que o segmento patrocinado estava relacionado com a atividade da companhia. No documento também se confirma a inexistência de possibilidade de reunião comercial com entidades ou empresas do interesse da empresa. A observação que justificou a ausência do requisito alegou se tratar de “encontros e reuniões com grandes investidores mundiais sobre o potencial do Estado do Paraná como um todo, incluindo a Compagás como responsável pela distribuição do gás natural do Estado, mas não se trata de uma reunião comercial específica da Compagás”.

O termo concluiu, por fim, como adequado às contrapartidas o valor de repasse definido.

Em troca dos R$ 50 mil, à estatal foi prometida a inserção da logomarca da empresa em vídeo institucional do evento, no painel oficial de logos, na programação da agenda oficial e citação do nome da companhia nos discursos de abertura, além da entrega do relatório de prestação de contas.

Empresa de economia mista, com 51% das ações pertencentes à Copel, a Compagás está na lista das privatizações do estado. Sua venda está prevista para o primeiro semestre de 2022. Será a segunda grande venda da Copel desde que Ratinho Jr. assumiu o governo. Em novembro do ano passado, a companhia se desfez de sua subsidiária de telecomunicação, a Copel Telecom.

Dinheiro público em Dubai

O evento organizado em Dubai, nos Emirados Árabes, para empresários paranaenses teve uso de recursos públicos. Pelo menos R$ 381 mil foram aportados por empresas públicas a título de patrocínio, em cotas “prata”, “bronze” e “cobre”, classificação dada de acordo com o montante disponibilizado. O valor pode ser maior, considerando que nem a Oscip nem o governo, que assinaram um memorando em comum para viabilizar a iniciativa, informaram quanto de recurso público bancou a realização

O montante repassado pela Compagás, de R$ 50 mil, encaixou-se como cota de “cobre”. Quanto maior o aporte, maior a contrapartida oferecida pela Oscip – basicamente serviços institucionais e de marketing.

Além da Compagás, a Copel e Portos Paraná, também ligadas ao governo do estado, financiaram parte da iniciativa. A Sanepar, cujos representantes receberam no evento internacional de Dubai um certificado do Instituto de Tecnologia do Paraná (Tecpar), que fica Curitiba, também teria sido uma das patrocinadoras. Embora não tenha sido dada nenhuma publicidade oficial aos repasses, a empresa não negou que tenha transferido verba para a organização do evento, batizado pelo governo do estado como “Paraná Business Experience”.

A estrutura paga com recurso público também foi usado por empresários do setor privado que viajaram à Dubai. Todos, em tese, fizeram aporte. Mas a Paraná Metrologia – c não informou quanto de dinheiro público foi usado para viabilizar a iniciativa, alegando proteção contratual.

Os custos iniciais estimados para a organização foram de R$ 6 milhões, incluindo desde a logística da viagem até produção e edição de material de marketing e confecção de “brindes” – para o qual seriam separados mais de R$ 50 mil. Somente para locação de salas de reunião, com direito a equipes de bastidor e intérpretes, foram orçados aproximadamente R$ 800 mil.

Tanto a gestão de Ratinho Jr. quanto a Paraná metrologia negaram que houve transferência de dinheiro do governo do Paraná ao evento, e que o apoio do estado foi apenas institucional. No entanto, o Paraná Business Experiente teve lançamento oficial no Palácio Iguaçu, em setembro.

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1 comentário em “Compagás ignorou decisão interna para financiar evento em Dubai, do qual não participou”

  1. Claro que a empresa não está se importando com o que sabem e pensam os seus funcionários. E nunca investiu de forma seria nos seus funcionários. Prefere gastar em publicidade remota pra tentar pegar um bom preço de venda quando for a leilão de privatização. Tem que privalizar mesmo. Chega de enganar o cidadão paranaense e seus colaboradores.

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