Como enfrentar a pandemia com um filho com autismo

Mudança de rotina, interrupção de terapias e educação à distancia são as principais queixas das famílias de pessoas com autismo durante isolamento social

Abril é um mês de comemorações para a família de Gabriel. Há sete anos, ele a mãe, Adriana Czelusniak, celebram o dia 2 de abril – Dia Mundial da Conscientização sobre o Autismo – com uma caminhada organizada no Parque Barigui. E há 15 anos, todo dia 11 de abril, Gabriel festeja seu aniversário rodeado de amigos e familiares. Este último, no entanto, foi atípico. Pela primeira vez em sete anos, não houve evento público em alusão ao autismo e Gabriel passou o aniversário em casa, com um bolo improvisado pela mãe e os parabéns cantados por videochamada.

Apesar das mudanças causadas pela pandemia do coronavírus, o início do período de isolamento social foi tranquilo na casa de Adriana, que se viu com tempo de curtir o filho. “A gente ficou em casa assistindo bastante série e filme e até fazendo umas receitas na cozinha. Foi bacana, porque foi uma forma de conversar com ele sobre vários temas interessantes. No dia a dia, a gente não tinha essa oportunidade. A rotina de quem tem autismo é muito corrida. Além da escola, existe uma agenda de terapias que precisa ser cumprida”, explica ela, que é voluntária e ex-presidente da Associação União de Pais pelo Autismo (Uppa). Adriana é também a idealizadora do movimento Vivendo a Inclusão, que promove sessões de cinema e encontros de famílias.

A tranquilidade acabou quando a escola retomou as aulas. Com a modalidade de Ensino à Distância (EaD), Adriana se viu muito ansiosa. “Conversei com a pedagoga. Desabafei mesmo, chorei. Estava muito complicado acompanhar as lições, era muita coisa. Acabava uma aula, já começava a outra e ele não tinha terminado as atividades anteriores.”

Com o tempo, muita conversa e meditação, Adriana percebeu que estava cobrando demais do filho, e de si mesma. Deu mais autonomia para Gabriel nos estudos e se colocou disponível para ajudar quando ele precisasse. 

Gabriel comemorou seu aniversário no isolamento. Foto: Arquivo Pessoal

A psicóloga e mestre em psicologia Yanne Ribeiro conta que o EAD tem sido uma queixa frequente dos pais de jovens com autismo. Os motivos são a dificuldade das crianças em focar e aprender com aulas em vídeo, sem o suporte direto do professor, e a dos pais em dar conta das demandas usuais e de ensino dos filhos ao mesmo tempo. “De certa forma, é o que acontece com crianças típicas, mas no caso deles é ainda mais sério, porque muitas vezes precisam de mais auxílio”, ressalta a profissional.

Adaptação e informação

Para Daniela Kozelinski, mãe da menina Laura, de 10 anos, o início do isolamento foi o período mais difícil.  “A gente foi tomado por uma grande ansiedade, mas como passar do tempo, com adaptações na rotina, as coisas foram ficando mais tranquilas”, afirma a mãe.

A escola implementou rapidamente o EaD, com aulas ao vivo nas primeiras semanas e, em sequência, a adoção de aulas gravadas. O barulho das aulas ao vivo incomodava a menina. Com as gravações, mais curtas, ela consegue manter melhor a atenção.

Na escola, Laura tinha uma tutora que auxiliava na sala e a professora fazia a adaptação necessária. Ainda assim, Daniela participava ativamente dos estudos da filha. “O ensino em casa já acontecia, mas agora está mais intenso, temos que acompanhar mais de perto. Leio os materiais antes, assisto aula com ela e tento explicar de uma forma que entenda”, diz a mãe. “Mas pra chegar até aqui,  foram anos de prática. Sete anos atrás, a gente não teria essa estrutura. Estudamos bastante, fomos atrás de informação, seminários, cursos. Estamos sempre lendo, nos mantendo conectados com outras famílias, trocando informação e criando essa rede de apoio que é super importante e nesse momento está sendo mais importante ainda”, conclui Daniela.

Quebra da rotina

De forma geral, pessoas com autismo não lidam bem com alterações na rotina, ainda mais quando o rompimento é intenso e brusco. Suelem Schepainski, mãe de Brayan e de Ana, de 6 e 12 anos, diz que o isolamento domiciliar tem sido um desafio desde o primeiro dia. “Está muito difícil mesmo, pois saiu da rotina. O Brayan toma uns 15 banhos por dia, anda de um lado para o outro, sem rumo, pula no sofá, entra em crise de choro sem motivo aparente. Está impaciente, resistente em fazer algumas tarefas. Quer sair a todo tempo, comer a toda hora. Está totalmente desregulado. Ele não entende o fato de estar em casa”, lamenta Suelem.

O menino, que tem autismo moderado verbal com ecolalia, consegue falar, mas não põe sentido nas palavras. Como tem dificuldade de verbalizar o que sente ou precisa, e não entende o que está acontecendo, tem crises de choro e instabilidade emocional com frequência. Brayan sofre, também, de convulsões e ataxias motoras sem diagnóstico, o que deixa a família ainda mais apreensiva com a eventual necessidade de atendimento hospitalar e exposição ao coronavírus.

De acordo com psicóloga Yanne, acordar, dormir e se alimentar sempre nos mesmos horários é uma forma de tentar estruturar uma rotina durante o isolamento. Ter um horário e um local da casa específicos para as atividades da escola também pode ajudar.

Foi o que fez a família de Laura. Após o almoço, a menina faz as atividades da escola. Às quintas-feiras, a terapia online. Nos finais de semana, procuram fazer coisas que não fariam durante a semana, como um almoço especial ou um churrasco, já que Laura estava habituada a ir à casa dos avós nesses dias. De segunda a sexta é uma rotina, sábado e domingo, outra, como ela estava acostumada. 

Interrupção das terapias

O isolamento social, em si, não costuma ser um problema para as pessoas com autismo. Ficar em casa e em contato com a tecnologia é mais confortável que conviver com pessoas e entender as regras sociais. Parece bom, mas sem contato com os desafios e a rotina de suporte profissional, o desenvolvimento das habilidades sociais fica prejudicado. A maior preocupação das famílias é que os avanços duramente conquistados nesse campo sejam perdidos com a interrupção das terapias. 

Adriana recorda que muitas pessoas estão sem os atendimentos terapêuticos, como psicomotricidade, terapia ocupacional e fonoaudiologia, desde que as medidas para conter a pandemia foram impostas.  

Além da questão burocrática, os atendimentos on-line nem sempre são viáveis. Segundo Yanne Ribeiro, o autismo abarca um espectro que vai de crianças com quadros muito graves até as muito semelhantes às neurotípicas. Isso faz com que os atendimentos prestados sejam diferentes, mesmo antes da pandemia.

“Com as crianças mais graves, por exemplo, seria inviável fazer atendimento online, porque precisam de uma série de recursos para manter o engajamento. As alternativas são orientar periodicamente, no formato online, a família ou um acompanhante terapêutico para que continuem a estimulação, ainda que de forma adaptada. Por outro lado, atendo adolescentes leves, que estariam do outro lado do espectro, antes chamados de Aspergers. Para eles, o atendimento online está funcionando muito bem”, percebe a psicóloga. 

Nem a orientação, nem o atendimento online substituem a terapia presencial, mas são alternativas melhores do que a ausência de estimulação. “É difícil prever o impacto da interrupção temporária porque varia muito de criança para criança, dependendo das habilidades já aprendidas. Mas, na grande maioria dos casos é esperada uma regressão diante da interrupção”, avalia a profissional.

“Minha sugestão é manter a calma, porque esse ano está sendo atípico pra todo mundo, então, não adianta esperar que daremos conta de todos os prejuízos. Mais válido é buscar orientações com os profissionais para ir estimulando na medida do possível, lembrando que temos um possível. E isso vale para as crianças que já estão tendo que lidar com uma série de mudanças e para os pais e cuidadores também”, reforça a psicóloga.

Isolamento domiciliar fez Gabriel se interessar por culinária. Foto: Arquivo Pessoal

A mãe Daniela percebe que o impacto da interrupção das terapias presenciais de Laura foi, de fato, atenuado com o atendimento online. “Ver e conversar com os terapeutas, mesmo que pela tela do celular, já fez uma grande diferença. A gente continua apenas com uma terapia. Não tenho segurança ainda de ir até eles ou eles virem até aqui, com tudo o que está acontecendo. Como já são sete anos nessa vida de terapias, a gente acaba aprendendo muita coisa. Então vou fazendo com ela em casa. Levar no terapeuta é ótimo, maravilhoso, ajuda um monte. Só que quando você volta para casa, você tem que continuar. Você é o principal terapeuta do seu filho”, acredita Daniela.

Estar em contato, ainda que à distância, com grupos de apoio e outras famílias, também tem feito diferença. “Essa quarentena não está sendo fácil para ninguém, para nenhuma mãe. Se uma criança dita ‘normal’ já tem várias dificuldades, imagina uma com autismo. Ter uma rede de apoio é essencial, porque a gente não é eterno. Poder contar com outras pessoas é importante”, destaca.

“Hoje tenho a minha família, o grupo de mães, em que uma sempre está disposta a ouvir a outra sem julgamentos. E o que é o mais importante: tentar fazer com que os terapeutas, a professora, a tutora, a diarista, o vizinho, todo mundo seja amigo e te entenda, principalmente nesses momentos”, conclui Daniela.

Em Curitiba, pais e cuidadores de pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem tirar dúvidas pelo TeleTea (41-3262-0579). É um canal de teleatendimento da Secretaria Municipal de Saúde que oferece escuta, acolhimento e orientações a familiares de pessoas com autismo que estão em isolamento domiciliar. Quem quiser mais informações sobre a Uppa (@uppaautismo) e o movimento Vivendo a Inclusão (@vivendoainclusao) pode entrar em contato com os grupos pelas redes sociais.

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