Brecha em vacinação de autônomos da Saúde chega ao Ministério Público

Critério é baseado em lista enviada por conselhos de classe, mas muitos não estão na linha de frente da Covid-19

No mesmo dia em que o Governo do Paraná propôs tornar Educação atividade essencial para agilizar a volta às aulas, mas sem garantir vacina aos docentes, a Prefeitura de Curitiba começou uma nova etapa de imunização que tem gerado debates e críticas. A fase iniciada nesta quarta-feira (3) dá vez a 14 mil profissionais de Saúde vinculados a 10 categorias, que atuam como autônomos ou em consultórios particulares. Mas a falta de um filtro capaz de selecionar apenas os trabalhadores realmente expostos à Covid-19 virou objeto de questionamento do Ministério Público do Paraná (MPPR) – já que a oferta de doses segue restrita em todo o país.

Diante do caso, até mesmo um ex-diretor de Saúde da Capital protocolou denúncia no órgão, sugerindo interdição momentânea das aplicações até a resolução do impasse. As divergências giram em torno do método adotado pela Prefeitura para selecionar a nova etapa de vacinados.

O Plano Municipal prevê para este momento, além de médicos, enfermeiros e farmacêuticos independentes, trabalhadores com registros ativos nos conselhos regional ou federal de Odontologia, Fisioterapia, Fonoaudiologia, Psicologia, Nutrição, Medicina Veterinária e Educação Física.

Para diminuir o universo, que chegaria a 31 mil pessoas, a Prefeitura limitou as doses para trabalhadores com 40 anos ou mais. Mas apesar do esquema de prioridades ser voltado para profissionais em atuação na área da Saúde, nenhuma outra exigência foi feita aos grupos a não ser a comprovação de registro ativo junto ao órgão da respectiva categoria.

A falta critérios fez o MPPR cobrar explicações da administração municipal – que defende estar amparada no plano do Governo Federal.

A Promotoria de Proteção à Saúde de Curitiba que saber por que a Prefeitura decidiu inserir, neste momento, todos os profissionais de Saúde autônomos, usando como base apenas a listagem enviada pelos conselhos de classe e desconsiderando, assim, o fato de muitos não estarem na linha de frente do combate à pandemia. Para o órgão, abriu-se brecha para que o município imunize profissionais que, embora mantenham registro ativo, não trabalham em contato direto com pacientes.

A Secretaria Municipal da Saúde (SMS) também precisa justificar o porquê da inclusão destes trabalhadores e não dos demais profissionais expostos nos mesmos ambientes e com o mesmo risco – como profissionais técnicos, por exemplo; e de que maneira estes aspectos serão fiscalizados para não ferir a equidade na vacinação.

Em nota, o Ministério Público afirmou que o pedido de informação corre no âmbito de procedimento já em trâmite na Promotoria de Justiça, a partir do qual foi enviada recomendação sobre a aplicação das vacinas em Curitiba.

Critérios epidemiológicos

Deve ser incorporada ainda ao mesmo procedimento denúncia feita nesta quinta-feira (4) pelo ex-diretor do Centro de Epidemiologia de Curitiba, Moacir Gerolomo. À frente do departamento à época da pandemia da gripe suína, causada pelo vírus H1N1, entre 2009 e 2010, o médico afirma ter acionado o MPPR por considerar a incorporação de profissionais só por registro de conselho um crime conta a Saúde Pública e contra os idosos.

Embora já estejam sendo vacinados em grandes capitais como São Paulo, Rio de Janeiro e Bahia, moradores de Curitiba com riscos de complicação por causa da idade só começarão a ser atendidos pela campanha municipal a partir de semana que vem, com os acamados à frente.

“Cada dose que vai para um profissional de 40 anos que está atrás de uma mesa de escritório, sem risco nenhum, é um idoso que não está sendo vacinado e que corre o risco de se infectar e morrer”, contesta o médico, que defende a aplicação de critérios epidemiológicos para a organização da campanha e interrupção da distribuição das doses a este grupo até que o impasse seja resolvido.

A denúncia, diz ele, não é apenas contra gestores federais, estaduais e municipais – que definem e executam os planos –, mas também contra os conselhos e os respectivos profissionais que não têm alta exposição comprovada, mas irão se vacinar.

“O fato de ter o registro ativo em um conselho de classe não significa que a pessoa está exercendo a profissão. Eu, por exemplo, sou aposentado, nem atuei na linha de frente, e o site do CRM me colocou na lista para tomar a vacina. Me recusei e vou esperar a minha vez, que são dos idosos acima de 80 anos. Acho que [o trabalhador que não está na área da Saúde e vai ser vacinado nesta etapa] é cumplice porque, no momento em que ele diz que é profissional de Saúde, ele tem que saber o que é a pandemia. Aí um funcionário que tem a carteira do CRO [Conselho Regional de Odontologia], mas trabalha com Botox e vai lá e se vacina, para mim está furando a fila”, completa.

O exemplo citado pelo médico partiu de uma denúncia enviada ao Plural, a partir de imagens da profissional recebendo a vacina, compartilhadas nas redes sociais. A reportagem confirmou que a cirurgiã-dentista tem registro ativo no Conselho Regional de Odontologia do Paraná, mas atua uma clínica de estética.

Doses estão controladas em todo o país. Foto: Ricardo Marajó/SMCS

Plano Nacional

Os conselhos regionais de Medicina Veterinária e Psicologia confirmaram ter enviado à Prefeitura de Curitiba a lista de todos os profissionais cadastrados: 3.060 e 2.864, respectivamente.

A entidade que representa os psicólogos (CRP) – categoria com atendimento on-line regulamentado durante pandemia da Covid-19 – falou ainda que chegou a questionar sobre a existência de outros parâmetros para a composição do documento.

Em ofício destinado à Secretaria Municipal de Saúde no dia 14 de janeiro, o CRP-PR solicitou mais informações sobre os critérios, por considerar que todos profissionais da área são “da Saúde”, mas nem todos atuam na linha de frente da Covid-19. A resposta à demanda foi de que a categoria completa está contemplada na 1ª fase, de acordo com as diretrizes do Ministério da Saúde.

Está no Plano Nacional de Vacinação, inclusive,  a justificativa da Prefeitura para o esquema de vacinação dos autônomos. Apesar de servir como espelho, o documento do Governo Federal garante autonomia a Estados e Municípios para organizar subgrupos dentro do público macro estabelecido.

“Ressaltamos ainda que o cronograma municipal está em plena consonância com o Plano Estadual de imunização a fim de garantir total equidade da imunização regional”, diz a Prefeitura, em nota.

No texto, o Executivo defende ainda que as listas dos profissionais de Saúde pedidas aos conselhos levam em conta trabalhadores “com  registro ativo da profissão, e que, portanto, têm ou podem vir a ter contato com pacientes” e que “incluir outras categorias nessa fase por estarem indiretamente relacionados aos profissionais da Saúde fere a diretriz do Plano Nacional de Vacinação”.

O pedido de entrevista à Prefeitura não foi atendido.

Risco x exposição

O 44º informe da série dos boletins do coronavírus elaborada pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, aponta que, de longe, técnicos e auxiliares de enfermagem, médicos e enfermeiros, foram os profissionais mais afetados pela Covid-19 em 2020 em todo o país.

Dos óbitos por Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG) confirmados pelo Sars-Cov-2, 130 foram de técnico/auxiliar de enfermagem (33,3%); 82 de médicos (21 %) e 51 de enfermeiros (13,1%). Antes dos demais profissionais, aparecem ainda agentes comunitários e recepcionistas dos estabelecimentos de Saúde.

Durante todo o ano, a Covid-19 matou 18 dentistas, 8 médicos veterinários e 5 psicólogos. O menor registro foi entre profissionais de Educação Física, com uma morte confirmada. Em Curitiba, há 6.287 profissionais inscritos ativos no Conselho Regional de Educação Física (CREF) e que, portanto, constam na lista da Prefeitura.

O mesmo boletim do Ministério da Saúde mostra que idosos a partir de 60 anos, que ainda não começaram a ser vacinados na Capital, concentraram quase 75% das 191.552 mortes registradas no Brasil até a última semana de dezembro.  

Sobre o/a autor/a

7 comentários em “Brecha em vacinação de autônomos da Saúde chega ao Ministério Público”

  1. “A entidade que representa os psicólogos (CRP) – categoria com atendimento on-line regulamentado durante pandemia da Covid-19 –”
    Frase utilizada de maneira tendenciosa para colocar a população contra a categoria, como se nós que estamos nos CRAS, CREAS, e demais órgãos não estivéssemos expostos ao vírus… Psicólogo não é só consultório não.

  2. Absurdo… conselhos de classe com mais poder que o próprio estado… aqui nesse país de pessoas egocentricas vale o ditado : “farinha pouca, meu pirão primeiro”

  3. Perfeita a reportagem… achei sensacional a resposta do médico que disse que o profissional de saúde deve saber o que é uma pandemia… e se não está atuando na linha de frente está furando a fila…
    Ler esses relatos, dá um sopro de esperança ao ver que ainda temos pessoas que têm empatia e ética, principalmente num momento em que uma dose de vacina pode significar a vida ou a morte de uma pessoa….

  4. “O fato de ter o registro ativo em um conselho de classe não significa que a pessoa está exercendo a profissão. Eu, por exemplo, sou aposentado, nem atuei na linha de frente, e o site do CRM me colocou na lista para tomar a vacina. Me recusei e vou esperar a minha vez, que são dos idosos acima de 80 anos. Acho que [o trabalhador que não está na área da Saúde e vai ser vacinado nesta etapa] é cumplice porque, no momento em que ele diz que é profissional de Saúde, ele tem que saber o que é a pandemia. Aí um funcionário que tem a carteira do CRO [Conselho Regional de Odontologia], mas trabalha com Botox e vai lá e se vacina, para mim está furando a fila”, completa.
    Amei essa reposta!!!
    Vergonhoso não priorizar os idosos frente a profissionais que não estão na linha de frente.

    1. Que vergonha Sra Secretária de Saúde.Cadê a epidemiologia para basear estratégias anti Covid?
      Só pra relembrar: 75 por cento dos óbitos são de maiores de 60 anos, e um óbito entre 6287 profissionais de Educação Física.

  5. Minha vozinha de 85 anos ainda não recebeu a vacina, mas vi outros parentes que estão nos grupos acima citados recebendo vacina. Critérios ridículos.

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