Brasil vacinou 81 milhões em quatro meses … em 2010

A pandemia do vírus H1N1 durou 14 meses e terminou com a vacinação de 80% dos grupos prioritários

A campanha nacional de vacinação previa um público prioritário de 91 milhões de pessoas entre bebês de seis meses a dois anos, adultos de 20 a 39 anos, gestantes, trabalhadores da saúde e portadores de doenças crônicas. A meta era conseguir vacinar 80% desse público. E, sim, o país conseguiu, em quatro meses.

Quando? Em 2010, quando o país enfrentou o H1N1, variação do vírus da gripe que ficou conhecida como gripe suína.

A pandemia atual, de Covid-19, é algo sem precedentes. Mas há outros eventos para os quais podemos olhar para entender o que é possível fazer. Em 2009, muito embora o H1N1 não tenha provocado lockdowns nem fechamento total das escolas, foi declarada pandemia global pela Organização Mundial de Saúde (OMS) em junho de 2009.

Naquela ocasião, a OMS identificou uma nova variação do vírus da gripe que estava causando um surto no México e se espalhou para mais países. Em 2009, a doença provocada pelo vírus H1N1 provocou pouco mais de dois mil óbitos no Brasil, principalmente entre adultos com doenças crônicas e gestantes. Na época, uma grande crise nacional.

Em 2010, quando uma vacina da gripe já pronta para imunizar também contra o vírus H1N1 ficou disponível, o Ministério da Saúde brasileiro adquiriu dos laboratórios Glaxo SmithKline (GSK), Sanofi Pasteur/Butantan e Novartis, um total de 112,9 milhões de doses da vacina monovalente influenza pandêmica (H1N1) 2009.

A vacina, diferente da do coronavírus, era aplicada em dose única em adultos. A meta estabelecida então pelo Ministério era de vacinação de pelo menos 80% de 91 milhões de pessoas dos grupos prioritários. A campanha começou em março de 2010, com a distribuição das primeiras doses e o escalonamento da aplicação por grupo prioritário.

Quatro meses depois, a meta era atingida. Em 17 de junho, o então ministro da Saúde, José Gomes Temporão, anunciou que a cobertura vacinal de 80% dos grupos prioritários já estava garantida.

Para o então vice-prefeito de Curitiba e secretário de Saúde, Luciano Ducci (PSD), foi uma situação “diferente, mas que é um exemplo do funcionamento da estrutura do SUS”. “Esta [crise do coronavírus] é uma situação sem precedentes. Mas dá para traçar paralelos”, completa.

Na ocasião, Curitiba foi uma das cidades mais atingidas pela pandemia no país. O início das aulas nas escolas da cidade após as férias de julho foi adiado. “A prevenção [da H1N1] era muito parecida com agora, com higienização das mãos, álcool gel, ambiente ventilado. Havia um trabalho muito grande de conscientização”, lembra.

Mas para Ducci o principal ativo do Sistema Único de Saúde, das secretarias de Saúde e do Ministério na época eram os servidores públicos de carreira. “Há uma equipe técnica muito preparada, experiente. Em Curitiba então sempre tivemos a tradição de ter secretários da área. Mesmo assim, trocava o secretário, a equipe técnica permanecia”, conta.

Em 2010, assim como agora, uma das servidoras públicas da Secretaria Municipal de Saúde envolvidas na estratégia de combate à pandemia era a médica infectologista Marion Burger. Hoje é ela que acompanhava a atual secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, nas lives de divulgação dos dados da pandemia de Covid-19 em Curitiba.

O próprio Ducci – que é médico – era funcionário de carreira do município quando se tornou secretário, depois vice-prefeito e prefeito de Curitiba.

No contexto atual, Ducci – que hoje é deputado federal pelo Paraná – diz que parte da estrutura do Ministério da Saúde e das equipes de servidores de carreira “foi desmontada”. “Tivemos um desmonte. A equipe é despreparada, sem formação técnica. O Ministério tinha uma equipe muito boa de servidores, especializada. Agora quem conduz não conhece nada”, critica.

Para o ex-prefeito é difícil de avaliar a estratégia nas cidades hoje porque “não tem vacina”. Na pandemia de H1N1 o processo de disponibilização da vacina foi mais simples porque já existiam vacinas contra a gripe. Só foi necessário acrescentar a variante. Mesmo assim, foram 14 meses de emergência sanitária em todo o mundo.

Grande adesão

Por outro lado, em 2020, “o governo não entrou no fundo global para aquisição da vacina, tentou sair da OMS. Desde maio que se discute a vacina e o governo não se organizou”, aponta. “Tiveram nove, dez meses e não fizeram nada. Ficaram tirando sarro dos chineses, não sabiam que é de lá [da China] que vêm os insumos”, diz.

Lá em 2010, quando a vacina chegou, os insumos já estavam todos garantidos, a estrutura logística, o cronograma e organização da vacinação estavam prontas nas cidades.

Na primeira fase, foram vacinados indígenas e profissionais de saúde. Foram três milhões de pessoas vacinadas em duas semanas. Na segunda fase, foi a vez de gestantes, crianças de 6 meses a 2 anos e adultos com doenças crônicas. A vacinação das crianças e dos adultos também foi concluída em duas semanas, num total de 17 milhões de imunizações. Por fim, outros 68 milhões de brasileiros foram vacinados no período de dois meses e meio.

Em Curitiba, para atingir o percentual de cobertura vacinal necessário, o então secretário da saúde estabeleceu pontos de vacinação nas Unidades de Saúde, mas também em supermercados, terminais de ônibus e outros locais públicos com grande circulação de pessoas.

Nas fases 1 e 2, Curitiba aplicou 293.921 doses, e atingiu cobertura vacinal em idosos de 96,3% e em 90,4% dos profissionais de saúde da cidade. Desde então, o país realiza todos os anos uma campanha de vacinação para a gripe entre os grupos prioritários.

“Na realidade, o país já faz campanhas de vacinação constantes. São milhares de doses aplicadas”, explica. Para Ducci, o dia da vacina “é sempre um dia de festa para a saúde. “A gente abria todas as Unidades, tinha uma mobilização e uma grande adesão da população”, lembra.

Hoje, parte das vacinas usadas na campanha nacional contra a gripe vem justamente do Instituto Butantan, que produz a Vacina Influenza Sazonal Trivalente (fragmentada e inativada) para o Sistema Único de Saúde.

Ducci lamenta que atualmente a situação seja bem diferente. “Há essa promoção de tratamento ineficaz. Uma comunicação pouco consistente”, aponta. Não há mais aquele tom de festa e de mobilização comuns às campanhas de vacinação anteriores. “O preço disso todos nós vamos pagar”, conclui.

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