Ônibus caro perde passageiros para apps, bicicleta e até para caminhada

Redução no número de passageiros transportados é maior em 2019. Índice cai todos os anos e fatores vão de tarifa elevada a transportes alternativos

“Com R$ 0,80 a mais eu vou mais rápido, sentada, com ar-condicionado, tranquila, sem ter que andar; saio da porta de casa e desço no portão da empresa. Compensa bem mais.” Quem diz isso é a consultora de vendas Luastel Neves, que só usa o transporte coletivo quando o orçamento aperta. Como ela, quase 20 mil curitibanos deixaram se locomover de ônibus apenas no primeiro semestre de 2019, em comparação com o mesmo período do ano passado. A redução representa 2,7% do total de usuários e pode ser explicada pelo custo e qualidade do serviço, pela falta de integração com a Região Metropolitana e também pela inserção de novas opções de transporte, como os aplicativos por celular – que tiveram sua regulamentação ampliada recentemente pelo prefeito Rafael Greca.

A queda no número de passageiros nos ônibus se refere aos pagantes em dias úteis. O levantamento, realizado pela diretoria de operações do transporte coletivo da Urbanização de Curitiba (Urbs), a pedido do Plural, aponta que, no primeiro semestre 2018, a Rede Integrada de Transporte (RIT) registrou 718.135 mil usuários – uma queda de 1,14% se comparada com o mesmo período de 2017. Nos primeiros seis meses deste ano, o número de pessoas usando ônibus na capital caiu para 698.749 mil passageiros, uma diminuição de 2,7% em comparação com 2018.

Os dados refletem as novas formas de mobilidade urbana, como os aplicativos por celular. Regularizados por aqui em 2017, mas já atuantes desde o início de 2016, eles são uma das opções mais buscadas para quem quer fugir do ônibus. As Administradoras de Tecnologia em Transporte Compartilhado (ATTCs) não divulgam números mas, segundo a Urbs, existem na cidade 12 mil motoristas cadastrados para esse tipo de serviço. Taxistas são três mil.

“O aplicativo retira a pessoa que precisa percorrer um pequeno trecho. Como ele virou ocupação de muitos que perderam o trabalho, permite que se faça uma viagem de R$ 6 ao invés de pagar R$ 4,50 no ônibus, sem ter que ir até o ponto. Mesmo nos bairros periféricos, em cinco minutos ele está na sua porta. Então, se torna um bom transporte para o usuário, com preço pequeno em relação ao ônibus, qualidade e individualidade. Você viaja sozinho, com motorista particular”, avalia a doutora em sociologia Maria Tarcisa Silva Bega, professora de sociologia urbana na Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Segundo ela, o padrão do usuário dos aplicativos não é o de uso majoritário do ônibus. “Nas linhas de expresso, nas estações tubos, aqueles idosos que saem e em vez de caminhar duas quadras, esperar no tubo, chamam o Uber. Esse é um padrão de uso.”

A pesquisadora destaca que “se olharmos a mobilidade urbana pelo núcleo da classe média, ela realmente está usando o patinete, o patins, a bicicleta de grife, o aplicativo. Mas os pobres precisam andar de bicicleta ou a pé. Tudo isso diminui o uso do transporte coletivo”.

Como explicar

Os motivos para a diminuição no uso do ônibus, percebe Maria Tarcisa, estão relacionados ao custo do transporte e às campanhas por formas alternativas e sustentáveis de locomoção. “Há toda uma campanha para se trabalhar os modais integrados, especialmente na universidade, onde tivemos que construir bicicletários, e eles são cheios. Mas isso não porque nossos alunos querem uma cultura urbana, mas porque o transporte coletivo é caro e a bicicleta te traz a mobilidade para deixar de usar o ônibus.”

A socióloga urbana ressalta ainda o aumento no número de pessoas que se locomovem a pé.  “Ninguém parece estar olhando que as pessoas estão andando mais a pé, pois elas não têm dinheiro para pegar ônibus. Então, a diminuição do uso do ônibus está associada ao empobrecimento da população, que busca formas alternativas de locomoção. Eles passaram a andar a pé e de bicicleta como alternativa para não pagar o transporte coletivo”, diz. “Afinal, quem é que tem ao menos R$ 9 para pagar todos os dias, isso se só pegar uma linha pois nem todas são integradas, especialmente com a Região Metropolitana. É ou pagar a passagem, ou comer.”

É preciso ainda lembrar que a população está envelhecendo e todos os maiores de 65 anos têm direito ao passe livre. “Essas pessoas estão andando de ônibus mas elas não estão pagando. A Urbs conta o número de pagadores, o que não inclui todos os idosos. Esse é um ponto que na demografia já estamos discutindo; na medida em que a população envelhece, vai impactar financeiramente no transporte.”

Outra questão a se considerar, alerta a professora, é a qualidade do transporte coletivo. “Acredito que a capacidade de transporte de passageiros nos veículos deveria ser olhada com atenção. Pelo menos, em horários de pico. Limpeza e manutenção também, principalmente, quando não é incomum encontrar baratas em ônibus ou veículos quebrados no meio do caminho”, aponta o jornalista Rafael Giuvanusi, que faz uso diário dos coletivos para ir ao trabalho.

Para ele, aplicativos só por comodidade, na hora da chuva, do atraso ou quando o transporte coletivo não opera. “Porém, dependendo do horário, prefiro pagar mais por uma corrida com taxa elevada do que ir andando até um ponto de ônibus, dependendo da região da cidade”, observa Giuvanusi, lembrando que não usa táxi há anos. “Só faço isso se estiver perto de um ponto e não tiver bateria no celular para pedir um carro pelo app.”

A segurança também foi o que levou a servidora pública Patrícia Disaró a abandonar os coletivos.  “Sempre escolho os aplicativos pela segurança. Só uso táxi se o app estiver inflacionado ou eu estiver com muita pressa pois é o dobro do preço e os motoristas de táxi muitas vezes são grosseiros”, diz ela, para quem a possibilidade de avaliação da corrida também pesa na escolha. “Dos táxis você reclama pelo 156 e creio que não resolve o problema. No aplicativo, sim.”

Aplicativos

Procuradas pelo Plural, das três administradoras de aplicativos regulamentadas em Curitiba, apenas a 99 respondeu. A empresa destaca que o app, além de ser uma oportunidade de geração de renda para os condutores curitibanos, oferece preços acessíveis e tecnologia. “Para a 99, a segurança de seus usuários é prioridade máxima, para isso, o aplicativo disponibiliza diversas ferramentas exclusivas, é o caso do rastreador de comentários e botão de emergência.”

Na avaliação da empresa, o aplicativo tem se mostrado uma alternativa viável ao carro próprio. “Essa tendência é confirmada por um estudo divulgado recentemente pela Fipe-USP. Ademais, a 99 é bastante utilizada de forma complementar ao transporte público. Cada vez mais, os passageiros têm usado a plataforma para percorrer o que é chamado de primeira ou última milha. Portanto, mesmo depois de um expressivo crescimento da categoria 99Pop em Curitiba, desde seu lançamento, isso não quer dizer que passageiros estão deixando de usar o transporte coletivo da cidade para usar o app”, acredita.   

Melhorias no transporte coletivo

A Urbs informou que, a partir de 2017, Curitiba passou a investir de forma consistente na renovação de sua frota de ônibus e a oferecer mais segurança e conforto aos usuários. “Já são 262 novos ônibus em circulação na cidade e, até o fim de 2020, serão 450. Os veículos novos já possuem câmeras de segurança internas. Também estão sendo consertadas e colocadas em funcionamento câmeras nas estações-tudo.”

Neste período, a prefeitura implantou sete faixas exclusivas para os coletivos e estuda criar mais trechos prioritários, com o intuito de agilizar o transporte de passageiros em horários de pico. Também está em construção, no bairro Tatuquara, o 24º terminal do município a fazer parte da Rede Integrada de Transporte (RIT). “Com área de 3,4 mil metros quadrados, o equipamento público fará a descentralização do transporte no extremo sul de Curitiba.”

A ampliação dos meios de venda de créditos para o cartão-transporte é outra ação evidenciada pela Urbs. “Trata-se do primeiro efeito prático para os usuários do processo de modernização do sistema, possível com a aprovação da bilhetagem eletrônica. A ampliação da rede de venda e carregamento de valores em cartão transporte facilita a vida dos usuários e deve reduzir significativamente a circulação de dinheiro nos ônibus, estações-tubo e terminais. Os usuários do sistema de transporte coletivo de Curitiba já podem comprar seus créditos via aplicativo. Recarga Pay e a Qiwi já disponibilizaram suas ferramentas para os sistemas Android e IOS, que permitem o abastecimento do cartão transporte a partir do telefone celular. Nos próximos dias, deve entrar em operação o sistema do Mercado Pago, a terceira empresa já credenciada pela Urbs para realizar a venda. O credenciamento continua aberto até 2021, de forma que outras companhias possam vir a trabalhar no setor, ampliando a oferta para os usuários.”

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