Amianto: a luta por direitos e pela vida

Observatório do Amianto tenta aliviar problemas de saúde dos expostos ao material

Ainda que o Senado e o Supremo Tribunal Federal (STF) não venham jamais a reverter o banimento do amianto no Brasil (veja reportagem sobre isso aqui), o país terá de conviver por muitos anos com os estragos já causados pelo mineral na saúde dos trabalhadores e das pessoas expostas às doenças que ele causa.

Para lidar com os casos de doenças graves, como o mesotelioma (câncer causado pelo amianto) e a asbestose, o Ministério Público do Trabalho (MPT), a Secretaria de Saúde de municípios da Grande Curitiba e a Associação Paranaense dos Expostos ao Amianto (Aprea) fizeram uma parceria e criaram o Observatório do Amianto.

A ideia é agilizar o fluxo de atendimento na saúde pública aos expostos, que serão encaminhados, posteriormente, a instituições hospitalares especializadas. Segundo o planejamento, o check-up inicial fica a cargo do Hospital do Trabalhador. A partir daí, os pacientes com câncer devem fazer acompanhamento no Erasto Gaertner, enquanto que as doenças crônicas são tratadas no Hospital de Clínicas da Universidade Federal do Paraná (UFPR).

Manter esse fluxo funcionando, no entanto, não é uma tarefa fácil. É aí que entra o trabalho da Aprea, que há muito tempo luta pelos direitos e pela vida dos expostos. O presidente da Associação, Herbert Fruehauf, tem conhecimento de causa: ele passou quatro anos atuando na área de manutenção mecânica industrial de uma fábrica de telhas na região de Curitiba.

Herbert, hoje com 60 anos, ficou exposto ao amianto entre 1995 e 1999. Ele só notou que havia algo errado com a sua saúde em 2004, durante um exame admissional para outro emprego. “Esse foi o primeiro alerta de que eu poderia ter uma contaminação no pulmão. Nessa época, eu sentia um pouco de falta de ar, mas algo que até então era considerado normal. Eu fiz a investigação e o laudo concluiu, após o exame radiológico, que era por causa do amianto”, conta.

O presidente descobriu que a fibra havia se fixado na pleura, membrana que reveste o pulmão, e causado asbestose. “A coisa não muda mais, é um caso muito crítico e cruel. Não tem cura e eu terei que conviver com isso até o dia que Deus permitir”.

Não bastasse o mal que o amianto lhe causou, ele precisou enfrentar uma jornada árdua entre a suspeita da doença, a comprovação oficial e a concessão da aposentadoria por invalidez acidentária, que só aconteceu em 2007. “Eu só consegui tudo isso em São Paulo, onde obtive a assinatura do nexo causal. Aqui no Paraná, infelizmente, essas coisas estão engatinhando”, declara.

No Paraná, os obstáculos são maiores

Para obter indenização, aposentadoria ou acompanhamento médico bancado pela empresa, o exposto precisa provar que teve a saúde afetada pelo amianto. Em São Paulo, primeiro estado que baniu o uso da fibra, esse processo é mais flexível e agilizado, diferente do que ocorre no Paraná.

“Aqui tudo tem que ser via SUS [Sistema Único de Saúde] e unidade de saúde. Então nós dependemos do suporte das prefeituras de Curitiba, São José dos Pinhais e Colombo, cidades onde atuam as três fábricas que usavam o amianto como matéria-prima. Além disso, necessitamos da ajuda dos médicos, que na maioria das vezes têm receio de assinar os laudos, porque preferem não se comprometer com a presença nas audiências trabalhistas”, diz Herbert.

De acordo com ele, questões como essas são responsáveis pela lentidão do sistema judiciário. “Nós temos processos correndo há mais de 11 anos, sem conclusão. Sabemos de casos de mesotelioma em que a pessoa morreu sem nem fazer o diagnóstico final. Enquanto a saúde pública não se inserir na totalidade e facilitar o trâmite, não teremos como ajudar os afetados ou criar um histórico, com números que mostrem quantas pessoas tiveram problemas por causa da exposição”.

Entre as ações da Aprea para mudar essa realidade, estão uma ampla campanha em parceria com o Ministério Público do Trabalho para divulgar os perigos do amianto, lançada em 2017, e a realização de frequentes reuniões com o poder público. Herbert comentou que as prefeituras, porém, alegam falta de recursos e limites no orçamento. “Nós não vamos parar a luta por aí. Sabemos que as demandas vão além dos municípios e pretendemos marcar novos encontros com as autoridades para garantir um caminho mais definitivo que leve a um acompanhamento médico e judicial de qualidade”, conclui.

Campanha que ultrapassa divisas e fronteiras

O movimento social que busca dar visibilidade à causa dos expostos ao amianto ganhou força nacional. Hoje, ele está presente em estados como o Paraná, Rio de Janeiro, Minas Gerais, Bahia e São Paulo.

O vice-presidente da Aprea, Eliezer João de Souza, de 77 anos, conta que a mobilização teve início em Osasco (SP), onde uma conquista importante deu esperança para os ativistas. “Na época, nós conseguimos que trabalhadores aposentados de uma fábrica recebessem 50% a mais no salário que ganhavam, originado da contaminação. Isso foi há cerca de 16 anos”.

Eliezer e Herbert: luta de quem sabe bem o que é o problema. Foto: Marina Sequinel/Plural

Assim como Herbert, Eliezer também sofreu com as consequências de ser exposto ao amianto na indústria onde trabalhava, em São Paulo. Ele atuou na área de acabamento dos materiais produzidos com a fibra, aspirando o pó por 13 anos – de 1968 a 1981.

“As minhas condições de trabalho eram um inferno, eu ficava exposto da hora que entrava até a que saía. Muitos anos depois, descobri um nódulo na pleura, que surgiu por causa do amianto. Eu passei por uma cirurgia para a retirada dele em 2000. Se não tivesse feito o procedimento, poderia ter desenvolvido o mesotelioma e aí seria o fim. Vários colegas meus morreram por causa disso. Se o câncer aparecer, você já pode encomendar a missa de sétimo dia”, desabafa.

O máximo que uma pessoa acompanhada pela Aprea viveu com a doença, segundo Eliezer, foi um ano e dois meses. Um dos próprios fundadores da Associação, Aldo Vincentin, faleceu em decorrência do mesotelioma em 2008, aos 66 anos, apenas três meses após o diagnóstico.

“A preocupação não é só com os funcionários das fábricas, mas também com a população que teve contato com o amianto sem nem saber o que é isso. Muitos já morreram e estão morrendo. Existem cidades em que não há advogado, médico, nem nada que dê apoio a essas pessoas e isso é algo que precisamos mudar”, fala o vice-presidente.

Mais adiante, a ideia é pensar a nível internacional. As associações pelo Brasil pretendem lutar pelo fim da exportação do amianto, para que o material banido no país não vá para o exterior e cause todo o sofrimento vivenciado pelos expostos brasileiros.

Quem está no grupo de risco ou conhece alguém que se encaixa nesse perfil deve procurar atendimento no Observatório do Amianto, por meio do e-mail [email protected] ou pelo telefone (41) 3095-7595. Para mais informações, clique aqui: http://www.observatoriodoamianto.com.br/.

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