Agora Greca culpa os negacionistas. Será?

Greca tenta se afastar do presidente Bolsonaro, mas o que diz o seu histórico no tratamento da pandemia em Curitiba?

“Nós temos esperança de que o Brasil avance. E que, invocando o santo do dia, que é São José, o Anjo do Senhor nos livre da mão de Herodes. Quem é Herodes? Herodes é aquele rei ímpio que matou os inocentes. São José salvou Jesus de ser morto por Herodes. Nós Invocamos a proteção de Deus para que nenhum inocente mais seja morto.”

Este é o prefeito de Curitiba, Rafael Greca, em uma fala à imprensa e à população, transmitida pelas suas redes sociais no dia 19 de março de 2021. No dia anterior, a Capital do Paraná havia chegado a um marco: todos os seus leitos exclusivos para Covid-19 na rede pública e na rede privada de saúde estavam lotados.

“É preciso que todos que advogam pelo negacionismo da pandemia, a liberdade econômica, o direito de ir e vir ponham na cabeça uma verdade inexorável, a maior privação da liberdade é a morte.”

Greca foi ainda mais longe. Falou do kit Covid, o coquetel de remédios indicados como suposto tratamento precoce para a doença, mas que a ciência já demonstrou não servirem para nada.

“Todo mundo tem que por na cabeça que o vírus mata. Que lombriga não é vírus, portanto ivermectina não cura, só faz mal pro rim. Que cloroquina não é vírus. Cloroquina não mata vírus, senão Manaus estaria imune pela malária”.

O alvo do prefeito são as pessoas que apostam no tal “tratamento precoce” para negar a gravidade da pandemia, que está em seu momento mais dramático em todo Brasil”. Com o discurso, Greca se afasta do presidente Bolsonaro e se coloca como alguém que fez o possível para evitar a tragédia em andamento na cidade.

O sistema de saúde do país inteiro está em colapso, segundo a Fiocruz. Há risco de falta de medicamentos usados na intubação de pacientes e de oxigênio. O colapso nacional deixa Curitiba e todas as outras cidades do país sem alternativas. Questionada se pacientes da Capital seriam transferidos para outras cidades, a secretária municipal de Saúde, Márcia Huçulak, respondeu que não há para onde transferir, já que todo país está com leitos lotados.

Mas o que levou Curitiba a essa situação? Era inevitável chegar ao colapso?

Para entender isso, é importante voltar alguns meses no tempo, para outubro de 2020. Prestes a se reeleger prefeito, Rafael Greca manteve a cidade no alerta amarelo – mais brando – mesmo com o aumento do R0, o número de reprodução do vírus na cidade, depois de um período de queda. Para manter a pandemia sob controle é preciso manter o R0 abaixo de 0.

Curitiba foi pega de surpresa? Não é bem assim

Nas semanas seguintes o R0 subiu, como já indicava a tendência e estimulado pelo afrouxamento das medidas de redução de aglomerações. Mas a prefeitura só iria admitir isso em 20 de novembro, quando voltou a decretar Bandeira Laranja e anunciou o fechamento da UPA da Fazendinha para transformá-la em leitos clínicos de retaguarda para o Hospital do Idoso.

Já era tarde. Apesar das medidas tomadas pela prefeitura, Curitiba chegou no Natal com a média móvel de óbitos por Covid-19 em 20, e mais de 340 pessoas internadas em UTIs. Ali a cidade já havia começado a viver um novo normal: UPAs cheias, piora na qualidade do atendimento, leitos lotados, pacientes “internados” em UPAs e fila por um lugar nos hospitais.

Mesmo assim, em 17 de dezembro, a pretexto de atender ao aumento de vendas no comércio, Greca flexibilizou a Bandeira Laranja, permitindo a abertura de mercados, shoppings, restaurantes, igrejas e serviços não essenciais. Em 1º. de dezembro, Greca disse em entrevista à Rede TV que ia fazer o possível para evitar medidas extremas. “Nós temos na cabeça que este mês de dezembro é muito pesado para o comércio porque os donos de lojas têm que pagar três salários: o salário de novembro, o salário de dezembro e o décimo terceiro salário.”

A cidade manteve essa postura durante todo o mês de janeiro, quando aliviou ainda mais as parcas medidas de contenção da doença por conta de uma suposta melhora na situação. Mas acompanhando os números de novos casos e óbitos no período de outubro de 2020 a março de 2021, o que vemos é que, apesar de ter havido sim uma queda no número de casos, o novo patamar de casos e óbitos de meados de dezembro a meados de fevereiro ficou acima dos números registrados no primeiro pico da doença em Curitiba, de junho a agosto de 2020.

Ou seja, em nenhum momento entre o fim de novembro de 2020 e março de 2021 a situação da pandemia na cidade melhorou. Ela só teve uma desaceleração, mas manteve altos patamares de novos casos e óbitos, mantendo sob pressão um sistema de saúde que já estava no limite.

Somente de 23 de novembro de 2020 a 20 de março de 2021, um total de 1.827 curitibanos morreram de Covid-19, mais do que havia morrido até aquele momento. Do início da pandemia até 23 de novembro, 1.638 mortes por Covid-19 haviam sido confirmadas nos boletins da doença emitidos pela prefeitura.

Fevereiro

Revendo o que aconteceu em novembro e dezembro de 2020 em Curitiba, era de se imaginar que a prefeitura e sua secretaria de Saúde teriam aprendido a lição, não é mesmo? Pois bem. Não foi bem assim.

Em entrevista coletiva no último dia 19 de março, a secretária de Saúde, Márcia Huçulak, disse que a cidade foi surpreendida por uma nova cepa, que tem um comportamento diferente. “O vírus que a gente conhecia, os primeiros casos evoluíram de uma forma, com essa nova variante é outro tipo de abordagem, outro modelo de funcionamento. As pessoas têm nos criticado porque não perceberam antes.

A situação, porém, foi semelhante a de outubro de 2020. Já no fim de janeiro a prefeitura sabia que a variante P1 do coronavírus podia ter chegado na cidade. Também estava acompanhando o estrago feito pela pandemia em Manaus e as notícias de registros de novas cepas em todo país.

Huçulak também declarou, na mesma entrevista, ter sido surpreendida quando os 240 leitos abertos em UPAs foram instantaneamente ocupados, como se uma horda de pacientes tivesse aparecido de repente nas Unidades para serem atendidos. A realidade, porém, é mais simples. No dia 9 de março, quando anunciou a alteração em 7 UPAs, que foram transformadas em “hospitais Covid-19”, a secretária já sabia que o déficit de vagas para pacientes Covid-19 era de 279 leitos hospitalares.

A criação de leitos nas Unidades de Pronto Atendimento foi, portanto, mais uma manobra contábil de pacientes que já lotavam esses locais aguardando leitos em hospitais. E a situação só iria piorar.

No fim de janeiro também a tendência de baixa do R0 se inverteu. A partir do início de fevereiro já estava começando a ficar claro que a cidade vivia um aumento na transmissão do vírus. Mas a cidade só foi retomar as restrições a atividades não essenciais no dia 25 de fevereiro, quando o R0 já estava em 1,33.

Ou seja, durante quase 20 dias a cidade já estava vivendo uma nova onde de aumento de contaminação, mas demorou novamente a reagir. Além disso, nesse período, 52 leitos exclusivos Covid-19 foram desativados. Isso apesar da cidade já ter mais pessoas com Covid-19 internadas ou precisando de leitos do que a estrutura instalada desde o dia 24 de fevereiro.

Entre o dia 24 de fevereiro e 12 de março, quando Greca decretou Bandeira Vermelha na cidade, foram ativados 162 leitos Covid-19, mas mesmo assim a ocupação real da estrutura de saúde pública curitibana já estava 31% acima da capacidade. No entanto, ao contrário do que parecia ser, o “lockdown” de Greca acabou sendo equivalente a bandeira laranja já em vigor, com poucas alterações.

Ou seja, se houve queda no R0, ela foi resultado da Bandeira Laranja já em vigor. A própria prefeitura informou que a queda no movimento no transporte coletivo foi de 21%, pouco para quem precisa esvaziar rápido UPAs e hospitais.

Tratamento precoce

Ao culpar os negacionistas, Greca criticou duramente o uso de ivermecticina e da cloroquina. A prefeitura, no entanto, pediu e recebeu do Ministério da Saúde 11 mil comprimidos de disfofato de cloroquina (3 mil solicitados pela Secretaria Municipal e 8 mil pela Secretaria de Estado da Saúde).

Oficialmente, a SMS tem um protocolo de prescrição de cloroquina no qual não recomenda o uso do remédio, mas estabelece critérios que autorizam a prescrição e entrega do medicamento na Rede Pública curitibana com a apresentação de prescrição médica em duas vias, o número total de comprimidos para todo tratamento, a assinatura de um termo de ciência e consentimento e a anotação do CPF do paciente.

A prefeitura também investiu recursos públicos num antibiótico sem eficácia comprovada contra Covid-19, como relatou o Plural.

Curitiba investe em antibiótico sem eficácia contra Covid-19

Perguntas sem respostas

Enquanto acha culpados para a crise da Covid em Curitiba, Greca evita de responder a perguntas relevantes sobre a pandemia. A principal delas é qual o papel do transporte coletivo na transmissão do vírus. Mesmo com medidas mais restritivas em vigor, os ônibus da cidade continuam a circular cheios em horários de pico, o que a restrição (e não o escalonamento) do horário de funcionamento do comércio não fez muito para ajudar a reduzir.

A secretária Márcia Huçulak já afirmou inúmeras vezes ter dados que comprovam que o risco de contrair a doença dentro de um ônibus não seria relevante. No entanto, o Plural já solicitou os dados à prefeitura inúmeras vezes, sem sucesso. Também não há publicações em revistas científicas que tratem de análises científicas a respeito do transporte coletivo de Curitiba e o coronavírus.

A cidade também está atualmente com um índice de resultados positivos em exames PCR-RT de 42%, o que é, claro, resultado do aumento de casos, mas também sinal de que os testes estão sendo feitos quase que só em pacientes com sintomas. Como os dados sobre casos ativos e o R0 são calculados a partir dos casos confirmados, ambos podem estar subestimados, como alertou o próprio secretário de saúde, Beto Preto, mascarando a situação real da cidade.

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2 comentários em “Agora Greca culpa os negacionistas. Será?”

  1. Leonildo Andrade de Santana

    Em Curitiba da Santa Luz dos Pinhais, dos pinheiros sei lá oq q esse prefeito boca mole fala, não creio em nada. Estamos com um prefeito irresponsavel, a hora q vê a coisa complica, pula do barco bolsonazo q ta afundando, tipico de quem ja afundou uma NAU kkkkk.
    E ademas, de ratos e betos pretos no estado tambem estamos maus….

  2. Parcialmente ele tem razão! Afinal, ele foi um negacionista.
    Vamos relembrar… me maio do ano passado, ele surfava e enchia o peito pra afirmar que a cidade estava tranquila, mesmo o número de casos de óbitos terem subido 700% de SRARGs… claro que era covid mas…
    Em ato continuo, sitiou-se no seu sítio (trocadilho) e dela deixou a secretária de saúde apenas para repassar números.
    Mesmo sabendo o caos em Manaus e também no RS, ele (prefeito) o que fez? Testagem em massa, identificou bairros com mais incidência de casos e aplicou politica pública, montou hospitais de campanha, reabriu UPAs fechadas por ele no inicio do governo, contratou profissionais, comprou vacinas para a população, determinou que 100% da frota de ônibus circulasse em Curitiba, Atuou como líder, orientando a população a medidas preventivas (uso de máscaras), distribuiu álcool gel para a população, executou parceria pública privada com empresas locais para ações de contenção da disseminação do vírus?
    E olha que (ainda) não tenho formação na área de politicas publicas e ações…
    Por fim, que atitudes governamentais tomou durante a primeira gestão do seu governo? Não vale citar asfaltamento de ruas e tentativa de entregar as empresas de transporte 200milhões de reais.
    O prefeito, seguindo o exemplo do seu ídolo (não vamos esquecer que ele navegou na onda Bolsonaro), prefere culpar de forma genérica as pessoas, o vento, a chuva…

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