Afinal, universidades do PR serão obrigadas a deixar de cobrar o “passaporte da vacina”?

Projeto que proíbe esquema vacinal como condição para frequentar espaços no Paraná avança. Medida é comum entre universidades

A maioria das universidades públicas do Paraná que cobra hoje o esquema vacinal completo contra a covid-19 de seus alunos, professores e servidores deve manter a medida neste primeiro momento – caso o projeto que veda a exigência vire lei. Embora possam causar conflitos jurídicos, as decisões se amparam na prerrogativa constitucional que garante às instituições de ensino superior autonomia de gestão e também entram na esfera do debate entre direitos coletivos e individuais.

A proposta já foi aprovada por grande maioria dos deputados nas discussões iniciais e volta para última votação no plenário da Assembleia Legislativa (Alep) na semana que vem. Por causa de um substitutivo, a análise se prolongou. Em resumo, a iniciativa veda espaços públicos ou privados do Paraná de cobrarem a imunização completa de quem circula nestes locais, como uma forma de assegurar a “plena liberdade e o direito de ir e vir”. Há um destaque específico para escolas e universidades. Os autores dizem ver “autoritarismo” na medida.

“O contexto atual de enfrentamento da pandemia é que algumas instituições ensino – ressalto, algumas –
públicas e particulares cobram que seus alunos ou visitantes (como nos anfiteatros ou locais de formatura de alunos, hospitais e clínicas universitárias, etc.) usem máscaras e apresentem comprovante de vacinação contra o novo coronavirus. Trata-se de importante dimensão, pois impor à maioria da população que atualmente se vacinou e comprova sua vacinação sem qualquer problema ou constrangimento, apenas por um questão de defesa ideológica, é sim autoritarismo, por que não dizer a verdade, impede a livre exercício da administração de escolas públicas e particulares [sic]”, diz parte da justificativa do PL.

Tão logo tenha apreciação concluída entre os deputados, o texto seguirá para sanção do governador Ratinho Jr. (PSD), apoiador da causa. O líder do governo já garantiu a validação.

Mas boa parte da comunidade universitária do estado não deve abrir mão das decisões já tomadas a respeito do tema sem considerar realidades internas. E no entendimento de especialistas da área do Direito da Saúde, elas podem buscar respaldo caso decidam seguir com a obrigatoriedade. Ou seja, não é determinante que a futura lei seja uma garantia de trabalhadores e alunos não vacinados.

Para as instituições federais, a situação é mais óbvia. O Supremo Tribunal Federal (STF) sustentou em plenário decisão do ministro Ricardo Lewandowski que reiterou o direito das universidades ligadas à União de exigirem comprovante de vacina para o retorno às atividades presenciais.

A Universidade Federal do Paraná (UFPR), a maior do estado, já adiantou que a obrigatoriedade decidida pelo Conselho Universitário seguirá valendo.

A afirmação segue postura adotada pela universidade em relação às máscaras. No fim de março, a UFPR comunicou a manutenção da exigência do uso do acessório em ambientes fechados após o governo Ratinho Jr. liberar a circulação sem o equipamento de proteção em todo o Paraná.

A Universidade Tecnológica Federal (UTFPR) também não vai mudar, por ora, a decisão de seu conselho de exigir comprovante de vacinação para acesso às dependências da instituição.

Em declaração à reportagem na quarta-feira (6), o reitor, Marcos Schiefler Filho, observou que qualquer mudança nos protocolos internos precisa ser discutida antes com os demais campi da universidade.

“Neste sentido, e entendendo que a decisão pelo comprovante vacinal está alinhado à grande maioria das universidades federais, vamos decidir sobre esse assunto após consultamos nossa comissão sanitária e, posteriormente, nosso colegiado, com a representatividade de cada um dos 13 campi”, disse.

No Instituto Federal (IFPR), a Comissão Central de Controle do Contágio por Covid-19 está revisando o Protocolo de Cuidados, que, nos próximos dias, poderá ser atualizado. A mudança principal, segundo o IFPR, será em relação ao uso de máscaras, mas “a questão da exigência do passaporte da vacina também poderá ser revista”, esclarece a direção do instituto.

De qualquer forma, nenhuma decisão das universidades pode ser tomada sem passar por seus respectivos conselhos universitários. Por isso, até novas determinações destes órgãos internos, não há mudanças à vista.

O mesmo ocorre dentro das universidades estaduais.

A Universidade Estadual de Maringá (UEM) informou ao Plural que permanece válida a apresentação do comprovante de esquema vacinal completo contra a covid-19 e que “qualquer mudança deverá ser deliberada pelo Conselho de Ensino, Pesquisa e Extensão (CEP)”.

Em Ponta Grossa, a UEPG disse que não há previsão de inclusão do tema na pauta do Conselho da Universidade. Já a Unespar, que tem campus em Curitiba, vai voltar a deliberar a questão quando a lei por oficialmente publicada pelo governo do estado.

Na UEL, de Londrina, a maior entre as estaduais, a cobrança do chamado passaporte da vacina não foi adotado.

Liberados?

Apesar de não estarem contempladas pelo posicionamento recente do STF, as universidades estaduais também podem buscar medidas legais caso entendam ser necessário manter a cobrança do esquema vacinal como parte de seus protocolos sanitários internos.

Na avaliação da advogada Fernanda Schaefer, especialista em Direito Médico e da Saúde, um dos principais pontos a ser observado é o efeito ainda válido de legislações que reconhecem o atual período como de emergência de saúde pública provocada pelo coronavírus.

“Nós ainda estamos vivenciando o período de emergência sanitária estabelecido por lei. Esse período ainda existe, embora os dados epidemiológicos reflitam uma queda no número de contaminados, de mortes e de internações. Então, enquanto nós tivermos a vigência desta lei, não podemos ter outras a contrariando”, diz a advogada. “E o próprio STF, em outras manifestações, já afirmou que, embora a vacina não seja obrigatória, é possível estabelecer outras medidas restritivas, que é o que as universidades federais e estaduais fizeram. Estabeleceram, não vou dizer para obrigar, mas para incentivar que as pessoas façam a adesão à vacina”.

Neste caso, especificamente, Schaefer pondera que deveria prevalecer o entendimento da cobrança da vacinação como um instrumento de proteção da coletividade. A partir do momento em que a legislação deixa de, segundo ela, renunciar à saúde coletiva, cria-se outra fragilidade possível de ser discutida nas instâncias da Justiça.

Na última segunda-feira (4), quando os deputados começaram a discutir o PL, parlamentares da oposição adiantaram que vão levar o tema à Justiça se houver sanção. A promessa é de questionar a constitucionalidade da norma diante dos possíveis prejuízos ao exercício da racionalidade coletiva.

“A saúde, enquanto direito individual e coletivo, é irrenunciável. Eu não posso ter uma norma flexibilizando a saúde coletiva em nome de liberdades individuais. Me parece, em primeira análise, que é plenamente possível questionar a constitucionalidade de uma norma que veda o passaporte vacinal justamente porque essas normas trazem consigo essa renuncia à saúde coletiva”, acrescenta a profissional.

O advogado e professor de Direito da Universidade Positivo Gabriel Schulman, também especialista em Direito da Saúde, reconhece ainda na prerrogativa da autonomia universitária outra possível garantia às instituições estaduais que porventura venham a manter a cobrança de seus alunos, professores e funcionários.

Mas segundo ele, assim como as universidades têm autonomia para estabelecer esse tipo de exigência, o o aluno também poderá ter o direito de discutir legalmente a razoabilidade da cobrança.

“Em princípio, a primazia é da autonomia universitária. A gente não pode atribuir ao aluno uma avaliação que depende de um risco que a universidade conhece. A universidade sabe quantas pessoas frequentam, quantos casos houve. Vamos imaginar que semana que vem tem um surto numa universidade. Ela não vai poder exigir a máscara? Para mim não faz sentido. A autonomia universitária, sendo exercida sem abusos, é o que faz sentido”, pondera o advogado.

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