Adiamento do vestibular da UFPR deixa estudantes sem perspectivas

Ainda que necessária, decisão e indefinição sobre nova data frustra alunos e professores

Diante do cenário incerto – e cada vez pior – causado pela pandemia da Covid-19, o futuro do vestibular de 2020 da Universidade Federal do Paraná (UFPR) segue desconhecido. A prova, que já havia sido adiada em outras duas ocasiões, foi postergada novamente. Dessa vez, no entanto, não há previsão de uma nova data, o que preocupa e prejudica estudantes e professores. 

Em nota divulgada na segunda-feira (15), a instituição anunciou que o atual contexto da pandemia em Curitiba não possibilita a realização das provas em segurança. Nesta terça-feira (30), a Capital registrou um número recorde de mortes em um único dia: foram 47 óbitos.

Procurada pelo Plural, a universidade afirmou que “a situação deve ser avaliada na segunda quinzena de abril, mas dependendo da situação da pandemia pode ser que a avaliação da nova data seja adiada”.

A angústia de ter um sonho adiado

“Não é exagero, a Federal é o sonho e o plano da minha vida”, conta a vestibulanda Nayara Carvalho, que deseja ingressar na instituição desde os 15 anos. Ao longo da vida escolar, Nayara mudou de ideia diversas vezes sobre a profissão que gostaria de seguir. Foi da área de Turismo para Arquitetura, depois para Engenharia Civil e desde 2018 a jovem estuda para Medicina. Porém, uma certeza ela sempre teve: independente do curso que escolhesse, ela o faria na UFPR. 

A estudante, hoje com 28 anos, relata que, por mais que o novo adiamento da prova tenha estendido sentimentos de ansiedade e frustração, Nayara já está familiarizada com a espera. “Faz 13 anos que eu tento entrar na Federal, que eu sonho com isso, e eu não consegui ainda. Então eu venho de uma angústia e de uma espera gigante”, afirma.

Mesmo com todas as dificuldades que acompanham a postergação do processo seletivo, Nayara entende que é uma medida necessária. “Eu sei que a gente tem que fazer vestibular, mas eu não quero que a vida de ninguém seja colocada em risco.”

São muitas informações e táticas para o estudo. Foto: Louize Lazzarim

Quem também almeja cursar Medicina na UFPR é Ana Luiza Habovski, de 20 anos. Em seu quarto ano de cursinho, Ana conta que, por se tratar de um objetivo que traçou há anos, é frustrante não ter uma perspectiva de data para realizar a prova. “Já perdi as contas de quantos planejamentos de estudo diferentes criei nesses últimos meses, já que o vestibular foi adiado duas vezes.”

Assim como Nayara, Ana acredita que por ser um momento delicado, todo cuidado e preocupação são extremamente necessários para conter o avanço da doença. No entanto, a jovem admite que lidar com a ansiedade causada por uma prova tão esperada junto das incertezas e medos provocados pelo contexto pandêmico é desgastante.

Apesar de tudo, Ana se esforça para equilibrar a rotina de estudos e a saúde mental, e segue esperançosa. “O adiamento do concurso foi uma medida indispensável, que apenas postergou os meus planos e não os cancelou. Pretendo continuar estudando até ver o meu nome na lista de aprovados.”

Lidando com a frustração

O sentimento que abarca a todos é a frustração. Maria Eduarda Magagnin, de 18 anos, relata que por mais que concorde com o adiamento do processo seletivo, ela se sente desmotivada e sem expectativas. “Estou perdida, não sei como me preparar e nem para o que vou me preparar.”

A aspirante à biomédica afirma que a espera pela prova fez com que ela reformulasse alguns dos seus objetivos. “São tantas incertezas que me dá um certo medo de me agarrar apenas em uma coisa. Tive que abrir espaço para outras possibilidades.”

“Estou perdida”, diz a futura biomédica. Foto: Arquivo Pessoal

O psicólogo e especialista em psicopedagogia Ivo Carraro explica que incertezas como as de Maria Eduarda são resultado direto das seguidas postergações das datas de realização do exame de vestibular.

Para o profissional, a insegurança, o medo e o afastamento social trazidos pela pandemia criam um estado emocional frustrante, de injustiça, de raiva e desconsideração nos jovens. “Essa é uma realidade da qual o estudante não tem controle e não depende dele tal definição. O vestibular será realizado, mas no seu devido tempo.” 

Diante da ansiedade e do cansaço consequentes do contínuo esforço dedicado ao processo seletivo, Ivo relata que é preciso exercitar a paciência e não perder o foco. 

Louize Lazzarim, que sonha em cursar Jornalismo na UFPR desde pequena, conta que, para ela, o momento de maior preocupação foi durante o primeiro adiamento da prova. Diante do aumento expressivo do número de mortos e internados em decorrência do coronavírus, Louize percebeu que o vestibular adiado é o “menor dos problemas” acontecendo no Brasil nesse momento.

“Isso meio que me ‘acalmou’. E de qualquer forma a aula presencial não poderia voltar, não importa se a prova fosse agora ou depois. Não tem o que fazer, o jeito é realmente adiar o vestibular até o momento em que esteja seguro para todo mundo.”

Sem um cronograma fixo, a vestibulanda de 19 anos pretende continuar estudando e mantendo o foco até que uma nova data da prova seja definida.

“O jeito é realmente adiar”, avalia Louize. Foto: Arquivo Pessoal

Escolhas

O estudante de Direito Arthur Vaz, de 17 anos, decidiu ingressar em uma faculdade particular depois do primeiro adiamento da prova da UFPR, no final do ano passado. 

Embora cursar Direito na instituição pública fosse seu sonho, Arthur preferiu seguir com os estudos em outro lugar depois que recebeu a proposta de uma bolsa de estudos. “Acredito que fiz a escolha certa. Acho que eu estaria completamente perdido e sem chão agora”, afirma.

Para ele, o principal sentimento foi decepção. “A angústia, ansiedade, estresse e pressão se estenderam por meses. Eles [a UFPR] não estão adiando só uma prova, estão adiando a vida de muita gente.” 

Medida necessária

Para o professor de História Daniel Medeiros, embora o adiamento seja uma medida justificável e acertada, é preciso ponderar sobre a situação dos estudantes. “A UFPR, evidentemente, não podia expor 30 mil estudantes – mais todo um conjunto de pessoas que cuidariam do vestibular – nas condições em que vivemos. Por outro lado, nós temos uma situação que gera um sentimento de não saber o que fazer nos estudantes. São jovens que estão sem perspectiva”, avalia. 

Daniel, que atua há 38 anos na área da Educação, vê o alto nível de desmobilização dos alunos como a principal consequência dos consecutivos adiamentos da prova. “Acredito que isso esteja ocorrendo em um grau que certamente vai cobrar um preço. Nós perdemos muitos pelo caminho, muitos não se adaptaram ao ensino remoto, outros tiveram dificuldades. Eu creio que os efeitos desse vácuo a gente só vai saber quando tudo isso acabar.”

Mantendo um sistema de lives semanais para os alunos de 2020 e lecionando normalmente, de forma remota, para os alunos de 2021, Daniel aponta que hoje as escolas vivem “uma dupla realidade”. “Nós já temos os alunos que estão se preparando para o vestibular de 2021, e nós ainda temos os alunos que desejam realizar o vestibular de 2020. Se não há uma data nem prevista para o vestibular do ano passado, quando será o vestibular deste ano?”, questiona. 

De acordo com o educador, diante da atual situação da pandemia, talvez a atitude mais adequada, embora inédita, fosse o cancelamento do processo seletivo de 2020. Na visão de Daniel, o que realmente causa a aflição nos estudantes é a falta de perspectiva, a espera por uma data que nunca chega. “É uma decisão difícil, é lógico, frustrante para muitos, mas pelo menos seria uma decisão. Eu acho que uma decisão é sempre melhor do que uma espera.”

O professor considera que é preciso pensar em uma alternativa que diminua o sofrimento dos estudantes e que, além de preservar a saúde de todos, se preocupe com a “saúde da alma” desses jovens. E conclui com um questionamento: “A medida é justificável, mas fica uma pergunta no ar: considerando esse histórico de adiamentos desde outubro de 2020, não haveria uma alternativa? Essa alternativa não foi pensada? Porque pensar sempre no mesmo modelo considerando os tempos em que estamos vivendo?” 

O vestibular da UFPR, que conta com mais de 30 mil inscritos, é considerado o mais importante do Paraná e um dos maiores do Brasil.

Colaborou: Maria Cecília Zarpelon

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