Acesso a procedimentos de esterilização é burocrático, sobretudo para mulheres

Projeto no Congresso acaba com a obrigatoriedade da autorização de maridos e esposas para esterilização voluntária

A contadora Jaqueline Martins Niedzwiedz, 30 anos, é mãe de dois meninos de 4 e 13 anos. Atualmente mora em Colombo, mas à época do nascimento do mais novo residia em Curitiba.

Ela já havia decidido antes da vinda do mais novo que não queria mais filhos. Métodos contraceptivos causaram problemas de saúde. Na família havia histórico de trombose provocado por pílulas e a solução foi usar o DIU.

Em 2017, porém, ela retirou o dispositivo, que estava provocando cólicas. A ideia era passar um tempo sem o DIU para diminuir as dores. Neste meio tempo, engravidou.

Ainda durante a gestação, ela procurou uma Unidade Básica de Saúde (UBS) e pediu para que durante o parto fosse feita também a cirurgia de laqueadura. Ouviu que não era possível e somente depois do nascimento do filho conseguiu encaminhamento para um consulta com uma ginecologista.

“Durante a consulta, ela [a médica] tentava me impedir de qualquer jeito e sempre perguntava o que o meu marido pensava disso.”

Jaqueline Martins Niedzwiedz, contadora.

Jaqueline não era casada e cumpria os requisitos vigentes para a operação – mais de 25 anos e dois filhos vivos.

No mês passado, a Câmara dos Deputados aprovou projeto de lei (PL) que diminui de 25 para 21 anos a idade mínima a partir da qual é autorizada a esterilização voluntária, permitindo ainda sua realização na mulher logo após o parto.

O texto aprovado foi o apresentado pela deputada federal Carmen Zanotto (Cidadania-SC), que excluiu também a necessidade de autorização do marido ou da esposa para esterilização durante a união conjugal. O original era da deputada federal Soraya Santos (PL0RJ) e não previa a exclusão do consentimento.

Na Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) tramita na Comissão de Saúde Pública o Projeto 479/2021, da deputada Mabel Canto (PSC). A proposição prevê que toda pessoa que tenha 25 ano ou mais, ainda que sem filhos, possa decidir realizar esterilização voluntária.

Ainda, o projeto quer garantir à gestante o poder de solicitar a realização de laqueadura durante o parto cesariano, como desejava Jaqueline. “Eu acabei tendo um parto normal induzido, mas tinha pedido para fazer durante a cesárea e não disseram que eu teria que me recuperar da cirurgia antes de solicitar isso”, lamenta.

Patriarcado

“É uma escolha minha, sobre o meu corpo”, defende a contadora. A frase foi dita na primeira consulta com o médico responsável pela cirurgia, que demonstrou preocupação sobre a decisão de Jaqueline, sobretudo pelo fato de ela poder se casar no futuro.

“Mesmo que eu fosse me casar, uma pessoa do futuro não pode decidir o que eu faço com meu corpo. E se mudar de ideia eu posso fazer fertilização in vitro”, critica.

Para a médica ginecologista Luiza Sviesk Sprung, que é professora na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUC-PR), existe uma cultura patriarcal que interfere no acesso à cirurgia de laqueadura.

“Se a mulher cumpre os requisitos legais, está em plena consciência e lúcida, não tem porque não realizar o procedimento. Até hoje nenhuma paciente se arrependeu de ter feito a cirurgia, mas já atendi mulheres que se arrependeram de ter filhos não planejados.”

Luiza Sviesk Sprung, médica ginecologista e professora da PUC-PR.

De acordo com Luiza, a cirurgia de ligadura das trompas é complexa, mas segura. O pós-operatório é mais longo que a vasectomia – procedimento de esterilização feita em homens – e pode durar até 2 meses dependendo da técnica utilizada.

Período de reflexão

Depois de realizar exames Jaqueline ainda demorou alguns dias para finalmente passar pela cirurgia. A demora não foi falta de organização: chama-se período de reflexão.

“São 60 dias para que a paciente pense se realmente está decidida a fazer a esterilização”, esclarece a médica.

Uma das principais preocupações é sobre a irreversibilidade. A ligadura das trompas pode ser refeita, mas a literatura médica indica que em apenas 10% dos casos a reversão permite uma gestação.

Apesar disso, a maioria das pacientes que chegam aos consultórios já ponderaram todas as questões acerca da esterilização. “Assim como eu, todas as mulheres que eu conversei e converso já estão muito esclarecidas quando tomam essa decisão. Acho que deveria ser menos burocrático”, diz Jaqueline.

A proposta (PL 7364/14) será enviada ao Senado e, se aprovada, segue para ser sancionada e entram em vigor 180 dias depois.

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1 comentário em “Acesso a procedimentos de esterilização é burocrático, sobretudo para mulheres”

  1. Danielle Lorenzi

    Excelente reflexão! Gostaria apenas de sugerir uma correção nos pré-requisitos legais para esterilização, pois o texto da lei cita 25 anos ou dois filhos vivos.

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