A pandemia para as pessoas com deficiência visual

Cegos ou com baixa visão, eles relatam os desafios do ensino e das ruas com o risco do coronavírus

Com a visão comprometida, o tato é um dos principais sentidos utilizados por pessoas com deficiência visual. É pelo toque que eles se localizam, encontram objetos, fazem rastreamento e se locomovem. O contato físico se faz necessário sempre. E é justamente isto que os deixa mais expostos à Covid-19.

“Tem coisas que são inevitáveis. Para uma pessoa cega não tem muita escolha, não tem como resolver isso”, relata Ênio Rodrigues da Rosa, que é cego e diretor do Instituto Paranaense de Cegos (IPC), sobre os riscos da pandemia para as pessoas com deficiência visual. Eles são diagnosticadas por três diferentes graus: baixa visão (leve, moderada ou profunda), visão próximo à cegueira e cegueira.

Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2010 Curitiba registrava sete mil pessoas cegas e 36 mil com baixa visão. O número atual é incerto. “A gente já tentou levantar isso junto à Fundação de Ação Social (FAS) e à Secretaria Municipal de Saúde, mas são dados incompletos e inconsistentes”, conta Ênio.

Segundo o diretor, a pandemia os coloca diante de situações que uma pessoa com boa visão evitaria. “Eu moro no décimo terceiro andar de um prédio. Quando chego no elevador, tenho que fazer rastreamento de tato. Uma pessoa que enxerga, aperta direto o botão que quer, diferente de mim, que tenho que passar a mão no painel todo para poder localizar o botão.”

“Tem pessoas cegas isoladas desde o início da pandemia, e pessoas cegas, como eu, que precisam sair para o trabalho. Há uma exposição maior, evidentemente, mas tem situações que não tem como escapar. A gente aumenta os cuidados, usa máscara, álcool em gel, lava as mãos, mesmo assim a gente acaba mais exposto”, avalia o diretor do IPC.

Educação e adaptação

Alunos e professores tiveram que se adaptar às aulas on-line. Para os mestres e estudantes com deficiência visual os desafios são ainda maiores. “Para uma pessoa deficiente acessar aulas e tarefas, precisa de equipamentos apropriados, internet, conhecimento de tecnologia, o que nem todos possuem. Tem estudantes, por exemplo, que estão perdendo visão agora, ou que perderam há pouco tempo e que ainda estão no processo de aprendizagem de aplicativos específicos para pessoas cegas. É um trabalho redobrado, tanto dos professores quanto dos estudantes”, observa Ênio Rosa.

“Uma coisa é você vir para a escola, alguém te leva, tem toda uma estrutura, os professores estão ali, um ambiente preparado há muito tempo para lidar com tudo aquilo. Outra, é a sala ou o quarto da casa virar uma sala de aula”, ressalta o profissional.

Ana Paula Vieira de Oliveira é professora do Instituto Paranaense de Cegos (IPC) e faz a intermediação entre as plataformas de ensino e os alunos com deficiência visual. Ela conta que trabalha com o computador, celular e internet próprios, e que não houve nenhuma ajuda do Estado. “O trabalho está bem mais puxado pois não temos o contato com os alunos. Precisamos ligar, ficar conversando, tentar resolver as questões, explicar o conteúdo, tudo por telefone. Alguns dos alunos não dominam a informática, então mesmo que alguns tenham celular ou computador, muitos não conseguem acessar a plataforma. Acessamos com a conta deles, baixamos os materiais, adaptamos e mandamos para eles. Então, está bem difícil, bem mais trabalhoso do que seria no contato, na escola.”

Ana Paula em atividade com os alunos cegos. Foto: Arquivo pessoal

A professora lembra que as aulas são disponibilizadas pela Rede Estadual de Ensino. “A gente tem acesso a esse material e passamos para os estudantes. Pegamos as aulas que já existem e acessibilizamos para os alunos, explicamos, fazemos o exercício junto quando precisa. Essa mediação entre o material e o conteúdo dos professores da escola comum e o estudante cego, somos nós que fazemos.”

Ana Paula também trabalha no IPC que, além de cursos voltados a pessoas com deficiência visual, oferece atendimento educacional especializado e gratuito. “Eu tenho baixa visão, mas até consigo me virar bem. Vejo os estudantes que são cegos, sem nós, eles não conseguiriam fazer. Essa mediação professor/estudante é fundamental, pois a maioria deles não dá conta sozinho, precisa desse apoio. Em maior ou menor grau, mas precisa desse apoio.”

“Os professores ajudam demais”

Júlio César Lourenço tem baixa visão profunda, é estudante da Educação de Jovens e Adultos (EJA) e faz cursos no IPC. “De uma hora para outra, a gente deixou de fazer as coisas do dia a dia. Eu ia até o Centro estudar, tinha uma rotina. Na aula presencial é melhor, você tem um aprendizado melhor. Faz dois anos que estou fazendo reabilitação no IPC, então tem muita coisa que eu não conheço no braile, por exemplo.”

Ele conta que a teoria é mais fácil. “Na prática eu não conheço, não sei como monta as contas, por exemplo, nas atividades. Agora eu estou estudando Física, tem muito cálculo e eu não sei como monta a conta, então a professora tem que me explicar. Os professores me ajudam demais.”

Júlio diz que as aulas presenciais são melhores, principalmente pela estrutura e pelo braile. “Lendo algo físico, você tem mais facilidade em aprender. Agora, só na fala, só na explicação, fica meio difícil.”

Colaborou: Matheus Koga

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