Em meio ao asfalto tortuoso da Rua Juraci Sabastiana de Lima, no Jardim das Flores em Colombo, uma estreita rua sem saída desemboca nos números 375, 381 e 383. Ali, em meio ao concreto e à grama que faz as vezes de calçada, pode-se ver a copa das árvores que margeiam o rio Atuba. Em uma dessas casas, à margem do rio, mora o vendedor de frutas Diego Saldanha.
Casado e pai de dois meninos, Diego tem uma rotina – inicialmente – comum. O sustento para a família vem das frutas que compra na Ceasa e revende no sinaleiro próximo ao Shopping Barigui, em Curitiba, e do brechó de sua esposa, montado na própria casa da família. Nas horas vagas, o vendedor se dedica a uma atividade pouco usual: tomar conta da ecobarreira que criou, há pouco mais de dois anos, para recolher o lixo flutuante que polui o rio Atuba.
O Atuba nasce da bacia do Alto Iguaçu e divide Curitiba de Colombo, na região metropolitana. Os 14 barris, unidos por uma rede de proteção, se destacam em meio à corrente caudalosa do rio. Os resíduos sólidos que param na barreira acabam mais próximos à margem da casa de Diego, e finalmente recebem um destino adequado. “É uma iniciativa bem simples, mas eficaz”, relata o ativista, que já retirou mais de duas toneladas de lixo das águas.
Desde janeiro de 2017, dia sim, dia não, Diego coleta os resíduos acumulados e os separa. Depois, a maior parte do material vai para a escola de um dos filhos, que vende os recicláveis e aplica a renda extra em melhorias como pintura do parquinho, livros para a biblioteca etc.
Há cerca de um mês, buscando tornar o empreendimento “lixo zero”, Diego conseguiu uma parceria com uma empresa em Blumenau (SC). Os rejeitos da escola, como isopor, sacolas plásticas e roupas, são recolhidos e voltam em forma de produtos: potinhos de ração, placas de efeito 3D para decoração e tijolos ecológicos. A ideia é que o ambientalista possa vender esses itens e reverter a renda para a manutenção da barreira.
“Não são valores altos, mas eu desembolso por conta”, comenta. A maior parte dos gastos vem das palestras voluntárias, que exigem transporte, por exemplo. Com a barreira, os custos maiores são para a compra de sacos, para comportar os resíduos e eventuais reparos. “As pessoas me perguntam se não quero ganhar dinheiro com isso. Claro que dinheiro é bom e bem-vindo, mas o foco é que a ideia se espalhe”, ressalta o vendedor.
Uma história de afeto
Há 30 anos a família de Diego mora no terreno, que pertencia ao avô. Na mesma rua, em casas vizinhas, moram também a irmã e os pais. “Tenho uma identidade muito grande com o rio, foi nele que aprendi a nadar e a pescar. Quando criança era meu parque de diversões”, relembra ao se lamentar sobre como, com o passar dos anos, o quantidade de lixo flutuando no Atuba passou a ser um incômodo.
“Minha maior motivação é mostrar para os meus filhos que eles podem crescer com uma consciência melhor”, diz. Diego entendia que uma solução por meio do poder público levaria tempo, ou talvez não chegasse a acontecer. Era durante as chuvas, quando o lixo das ruas acabava sendo arrastado para o rio – ponto mais baixo da região – que ele mais se incomodava.
A ação começou despretensiosa, era o jeito de fazer alguma coisa. A Internet acabou sendo uma grande aliada, tanto para pesquisar possíveis soluções, quanto para divulgar o trabalho, que viralizou por conta de um vídeo. “Não vou dizer que com a barreira aqui eu vou deixar o rio limpo, mas tem inspirado muitas pessoas”, comemora. Pelo menos outras dez cidades em todo o país já adotaram a ideia inspiradas pela ação.
Interessado pelas questões do meio ambiente desde menino, Diego não para: seu mais recente projeto é uma fossa ecológica, que trata o esgoto dos banheiros das casas da família. O ativista também já organizou ações no bairro plantando árvores, e chegou a fazer lixeiras coletivas, tentando conscientizar a vizinhança.
Educação ambiental e reconhecimento
Com a propagação do projeto, veio a mídia, e com ela a atenção de escolas da região, que passaram a solicitar visitas e palestras. Diego organizou um espécie de “Museu do Lixo”em que exibe os itens retirados das águas do Atuba. Há de tudo: muito plástico, garrafas e mais garrafas pet; embalagens de todo tipo; bonecas; bolas (volta e meia um vizinho bate à porta, procurando pelo brinquedo perdido de alguma criança); latas de tinta; roupas, e até mesmo aparelhos de televisão e carcaças de máquina de lavar. Um pequeno experimento, brincando com a ideia de filtros, também ajuda a ensinar para as crianças a importância de preservar a vegetação na beira dos rios.
A ação atraiu outras atenções também: no Rio de Janeiro, o projeto foi convidado a participar do prêmio Lixo Zero, sagrando-se vencedor; a barreira conta ainda com um reconhecimento do Ibama, uma menção honrosa da Assembleia Legislativa do Paraná e do Palácio do Iguaçu. “Já veio bastante político aqui, mas não recebo político em período eleitoral”, alerta Diego, que já conversou com o prefeito de Curitiba, Rafael Greca (DEM), mas alega nunca ter recebido atenção do município de Colombo. “Imagine uma barreira dessas a cada cinco quilômetros de rio, ia ajudar com os problemas de enchente da cidade”, lamenta.
Para o ativista, que mesmo depois de dois anos e meio ainda busca divulgar sua iniciativa, a mudança é possível, mas é preciso consciência e ação: “Acredito que é possível mudar, mas para isso é preciso atitude. Veja as pessoas reclamarem, mas não fazerem nada”, finaliza.