A cada 10 centavos a mais no preço da gasolina, transporte de Curitiba ganha 5 mil passageiros

Estudo da PUCPR mostra que gasolina mais cara empurra passageiros ao sistema

Nem frio, nem calor, nem mais ou menos automóveis nas ruas. O que atrai passageiros ao transporte público de Curitiba é o aumento no preço da gasolina, revela estudo desenvolvido na Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR). A pesquisa mostrou que a cada R$ 0,10 a mais jogados sobre o preço do combustível, os ônibus da capital ganham 5 mil novos usuários.

“Outros critérios continuam tendo seu peso, mas eles acabam sendo deixados de lado em função do fator financeiro”, afirma o professor Luis André Fumagalli, do Programa de Pós-Graduação em Gestão Urbana (PPGTU) da PUCPR. Os resultados encontrados por Fumagalli são frutos de pesquisa de pós-doutorado conduzida por mais de três anos sob orientação do docente Denis Alcides Rezende, do Grupo de Pesquisas em Cidade Digital Estratégica da universidade. Os achados foram publicados na revista acadêmica Sustainability.

O estudo partiu da tentativa de tentar compreender quais os possíveis fatores por trás da míngua do sistema de transporte da capital. Entre 2013 e 2019, a quantidade de usuários caiu de aproximadamente 2,4 milhões para 1,3 milhões por dia – encolhimento expressivo para um modelo que chegou a ser referência internacional.

Para as investigações, foram observados os dados mensais referentes às linhas expressas do BRT [Bus Rapid Transport], os biarticulados Santa Cândida-Capão Raso; Centenário-Campo Comprido; Circular Sul; Boqueirão e Circular Sul, que concentram 30% do total de usuários do sistema. Os quantitativos foram submetidos a modelo matemático criado especificamente para analisar uma relação causal entre o comportamento do transporte – o porquê da diminuição – e as diferentes variáveis aplicadas.

Os pesquisadores integraram aos cálculos fatores como precipitação atmosférica, temperatura média, preço da tarifa, número de automóveis e motocicletas registradas, bicicletas adquiridas, quilometragem de ciclovias nas rotas e índice de incidência de crime dentro dos ônibus e das estações-tubo das linhas.

Observou-se, por exemplo, que relatos de assaltas nas estações provocavam uma migração dos usuários para estações próximas, um indicativo da alta dependência do sistema e um movimento que conseguiu ser inibido com a implantação de câmeras de segurança nos pontos e dentro dos ônibus.

Nenhum dos elementos, no entanto, revelou condutas tão significativas quanto as que se configuravam na retaguarda das altas no valor da gasolina.

“O resultado confirmou a hipótese de que, com combustível mais caro, o usuário deixa principalmente o carro (ou a moto em proporção bem menor) em casa e se muda para o transporte público. Cada aumento de R$ 0,10 no preço do combustível faz com que o número de passageiros mensais cresça em torno de 5.000 nas seis linhas de BRT estudadas. É importante notar que essa substituição não é definitiva, pois os passageiros ainda têm carro (ou moto) e podem usá-lo de volta se o preço do combustível cair”, diz parte do estudo, que deve se replicar em novas análises daqui pra frente.

Embora os pesquisadores tenham coletados dados mais recentes – em um período de ascensão desequilibrada do valor cobrado nas bombas –, os cálculos englobaram informações acumuladas até 2019. De acordo com Fumagalli, a inclusão de uma base dos anos 2020 e 2021 poderiam criar uma distorção inapropriada para avaliação, uma vez que a pandemia do coronavírus esvaziou extraordinariamente os coletivos de praticamente todo o mundo.

Em Curitiba, foram, até agora, três aportes milionários feitos pela gestão do prefeito Rafael Greca com a justificativa de minimizar o impacto causado pelos momentos mais graves da crise sanitária. Com a necessidade de distanciamento, 107,4 milhões de pessoas usaram os ônibus da cidade durante 2020, 47% menos do que no ano anterior.

O desequilíbrio mexeu nas fórmulas e deixou na mesa uma conta difícil de fechar. O que os passageiros da capital paranaense pagam nas catracas é menor que a tarifa técnica – custo real por cada passageiro do sistema. Por isso, há sempre uma disparidade bancada pelo poder público diante da essencialidade do serviço. Em fins de 2021, a diferença entre o valor pago e o valor real descontrolou e chegou a R$ 3,61 – considerando a passagem a R$ 4,50 e a tarifa técnica, no ápice, a R$ 8,11. Hoje, com passagem reajustada como a mais cara entre as capitais do país, a R$ 5,50, e tarifa técnica R$ 6,26, a diferença caiu para R$ 0,75.

Conforme o pesquisador da PUCPR, apesar da sensibilidade do equilíbrio do sistema, a metodologia e os achados da pesquisa por ele elaborada podem ser um recurso de planejamento para o sistema e também para outras franjas da infraestrutura do município – já que o transporte está vinculado a várias delas.   

“O estudo mostra também, entre outras coisas, como viabilizar o transporte público. Nós temos que os usuários de bicicleta, por exemplo, eles normalmente usam a bicicleta para trechos curtos. Então você pode pensar que quando tem uma pessoa que deixa de ir de ônibus e passa a ir de bicicleta é bacana, é sustentável, ambientalmente desejável, mas quando ele sai do ônibus o custo fica mais caro para quem mora mais longe, para quem está na ponta do transporte não pode ir de bicicleta e, normalmente, não tem recurso financeiro para ir para o carro ou para a moto”, afirma o docente, que também integra o Conselho Municipal do Transporte de Curitiba.

Segundo Fumagalli, se por um lado a alta no preço da gasolina é um fator de engajamento para o transporte público da capital, por outro, a superlotação ainda é uma ineficiência a ser driblada.

O dilema, ao lado do confisco dos créditos do cartão-transporte, foi um dos que mais chamou a atenção de órgãos fiscalizadores nos últimos anos. Com a pandemia em curso e o custeio do sistema em curva de crescimento acelerado, menos ônibus foram colocados nas ruas. O modelo causou superlotações repreensíveis no horário de pico, um perigo para os usuários ainda sob os números expressivos de casos de coronavírus na cidade.

Em abril do ano passado, durante a maior onda de casos na cidade, o Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) chegou a comunicar a prefeitura sobre o problema. A notificação foi dada no mesmo dia em que um decreto aumentou para 70% a capacidade máxima dos carros, em uma terceira rodada de inspeções.

Até fins do ano passado, já diante das altas históricas do preço da gasolina no Brasil, a previsão da prefeitura era de que o fluxo de passageiros retornasse a 80% do total. A expectativa, assim, era manter uma frota mais modesta circulando pelas ruas. A pesquisa, no entanto, mostra que o caminho é o contrário.

“O que a gente pode pensar em termos de administração no transporte urbano é o número de carros nos horários de pico e quais são os outros elementos que podem trazer mais segurança, mais conforto e mais confiabilidade em relação ao que o sistema oferece”.

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