Violentos com vulneráveis e opositores, bolsonaristas poupam o governo até de dar explicações

Apoiadores do presidente estimulam atos violentos contra os mais fracos ou adversários políticos. Para suspeitas envolvendo a administração federal, não cobram nem as investigações previstas em lei

As ameaças de morte feitas por três deputados ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva na semana retrasada não são mais surpresa na política brasileira. Desde a eleição de 2018, os apoiadores de Jair Bolsonaro defendem abertamente práticas como assassinato e tortura, sem sofrerem nenhum tipo de punição. Quatro anos depois, o ímpeto por justiçamento continua, mas se mostra bem seletivo.

Os bolsonaristas só consideram a lei “muito branda” quando os alvos são opositores ou os mais vulneráveis. Tentam justificar ações ilegais, como espancamentos e execuções, contra os que consideram “bandidos”. Já para os escândalos envolvendo o governo ou os familiares do presidente, os apoiadores de Bolsonaro não cobram nem explicações, quanto mais a abertura de investigações previstas em lei.

Um exemplo foi o escândalo que levou à demissão do ministro da Educação, Milton Ribeiro, flagrado em áudio dizendo que pastores evangélicos intermediam a liberação de recursos da pasta “a pedido do presidente”. Implacáveis com adversários políticos ou gente sem poder político ou econômico, como professores, artistas ou ativistas, os bolsonaristas se calaram diante do maior escândalo já envolvendo o MEC. A vontade de “meter bala” e “baixar o cacete” deu lugar a outras denúncias (na maior parte das vezes vazias ou requentadas), a teorias conspiratórias ou à comemoração de datas cívicas.

Não importa nem se o alvo está vivo ou morto. Um vereador de Curitiba tem predileção por atacar a vereadora Marielle Franco, assassinada no Rio em 2018. Atacar alguém que não está aqui para se defender pode não ser crime, mas autores desse tipo de ataque costumam ser qualificados com um conhecido adjetivo que denota ausência de coragem.

No começo de abril, a deputada federal Carla Zambelli (União-SP), o deputado estadual do Paraná Coronel Lee (PSL) e o deputado estadual de Minas Gerais Junio Amaral (PL) ameaçaram Lula de morte. As ameaças foram motivadas por uma fala de Lula em que o-ex-presidente pede para a militância pressionar os deputados. Para os bolsonaristas, Lula quer “invadir as casas” dos parlamentares. Zambelli prometeu “mete chumbo”. Lee disse que mandaria “a turma de Lula” para o inferno. Armando uma pistola, Amaral disse que Lula seria “bem recebido” em sua casa em Contagem (MG).

Junio Amaral: pistola (Reprodução)
Lee. Foto: Alep.
Zambelli: chumbo (Reprodução)

Código Penal

Ignorar denúncias e criticar adversários sempre fez parte do jogo político, mas no caso dos apoiadores de Bolsonaro há duas diferenças. A primeira é que eles se apresentam como pessoas que não fazem parte do que consideram o corrompido mundo político. Na prática, agem como os demais ao blindar o governo que apoiam.

A segunda diferença é que muitos deles, em sua atuação política nas redes sociais, incorrem (ou já incorreram) em práticas que poderiam ser consideradas como de incitação ao crime. O próprio Bolsonaro, em campanha no Acre, prometeu “fuzilar a petralhada”. Incitação à violência não é garantida pelo direito à livre expressão. Defender o fechamento de um tribunal com armas na mão e sugerir o espancamento de juízes são práticas criminosas. Injúria, calúnia e difamação têm penas previstas no Código Penal.

“A liberdade de expressão, como qualquer outro direito, não está assegurada sem limites. Não estão abarcados discursos de ódio ou que preguem a eliminação de pessoas. O Código Penal contempla o delito de incitação ao crime.”

Bruno Milanez, advogado criminalista
Bolsonaro em campanha no Acre em 2018: “fuzilar a petralhada” (Reprodução)

A imunidade parlamentar, explicou ao Plural o criminalista Bruno Milanez, não dá a ocupantes de cargos públicos o direito de incentivar atos violentos. “O parlamentar tem foro privilegiado e imunidade, mas o texto constitucional contempla as manifestações relacionadas ao exercício do cargo. Quando ele xinga alguém ou quando diz que uma pessoa deveria ser espancada, estaria fora do âmbito.” Vereadores não têm foro privilegiado.

O tema deixa margem para interpretações. Um parlamentar teria a liberdade de chamar o governo de “ladrão”, por exemplo, mesmo sem provas. “As manifestações públicas no sentido de desaprovar o adversário político, ou no sentido de tentar reduzir a importância do adversário, fazem parte do jogo democrático”, afirmou Bruno Milanez. “Os tribunais possuem orientações sobre o que ocorre no âmbito das discussões acaloradas. Mas há situações diferentes, fora do calor dos fatos.”

“Não passamos pano”

Um caso recente que mostra a tática de testar os limites da lei em ataques a adversários e recuar quando o escândalo atinge o próprio grupo político foi registrado no mês passado em Londrina. Antes da passagem do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva pela cidade, no dia 19, a vereadora bolsonarista Jessicão (PP) compartilhou um vídeo em que seu assessor pede para os opositores de Lula não deixarem o petista sair da cidade “numa boa”.

“Não vamos deixar esse vagabundo pisar aqui em Londrina e sair numa boa”, disse no vídeo o assessor de Jessicão, Pablo Simei, que prometeu divulgar a agenda de Lula na cidade (o PT não divulga a agenda por causa das constantes ameaças). “Qualquer novidade eu divulgo sim. Aqui nós não queremos esse vagabundo.”

Simei: “Qualquer novidade eu divulgo sim” (Reproduão)

Procurado pelo Plural, Pablo Simei disse que a intenção era jogar ovos em Lula (o que acabou não acontecendo). No vídeo, o assessor disse para manifestantes contrários ao petista comprarem ovos podres (depois corrigiu) — o que poderia ser considerado um ato falho diante da inflação sem controle no governo apoiado por ele: depois sopa de osso, só falta o brasileiro incorporar o ovo podre ao cardápio.

“Eu como cidadão, brasileiro, de bem, patriota, não posso deixar um vagabundo como esse ex-presidiário, pisar na cidade aonde (sic) eu moro, e não fazer o meu protesto contrario a ele e seus lacaios”, escreveu Simei. “Jogar ovo podre na cara deste ex-presidiário não chega nem perto ao que os lacaios seguidores dele fazem.”

Simei, para quem Lula é um “criminoso da pior espécie que existe” e um “lobisomem em pele de cordeiro”, se comprometeu a enviar ao Plural publicações de teor semelhante feitas por parlamentares de esquerda ou apoiadores do ex-presidente. Mais de uma semana após o contato, nada foi enviado.

A vereadora Jessicão Opressora (ou Jessica Ramos Moreno) endossou o conteúdo do vídeo. “Estranho seria se um assessor meu estivesse recepcionando o ex-presidiário, Lula, com um buquê de rosas na mão! Eu e minha equipe não passamos pano pra bandido”, escreveu no Twitter.

Na última semana, a vereadora fez postagens em defesa do deputado federal Daniel Silveira (União-RJ), preso no ano passado, entre outros motivos, por ter sugerido o espancamento de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF). Na semana passada, Silveira passou uma noite na Câmara dos Deputados por se recusar a usar tornozeleira eletrônica.

Jessicão e seu assessor devem julgar que nenhum brasileiro está autorizado a ligar dois pontos ou considerar a possibilidade de parte da extrema direita abandonar o discurso violento e partir para a ação — que seria facilitada caso o decreto presidencial que dispensa o rastreamento de munições estivesse em vigor, diga-se de passagem.

Para a vereadora, Silveira é perseguido em ataques à liberdade de expressão. Liberdade não exercida por ela para sequer cobrar explicações a respeito do escândalo no Ministério da Educação. Dez prefeitos já confirmaram que pastores pediam “ajuda financeira” para suas igrejas ao liberar recursos. Se ficar comprovado que os religiosos cobravam barras de ouro, como denunciou um prefeito, alguém em Londrina terá muito pano para passar no produto da propina.

Jessicão não quer oprimir os pastores do MEC (Reprdoução)

“Tá com dó leva pra casa”

Com mais de 314 mil votos, Sargento Fahur (PSD) foi o deputado federal mais votado no Paraná em 2018. Ficou conhecido como agente da Polícia Rodoviária Estadual que postava vídeos nas redes sociais e se aposentou em 2017. No ano passado foi chamado de “o homem que não tem medo de ninguém” em entrevista ao programa “Pânico”, da rádio Jovem Pan.

Fahur tem 101 mil inscritos no YouTube e 626 mil seguidores no Twitter, onde mantém fixado um discurso feito em 2019 na Câmara. “Se tapa e pescoção em vagabundo desse cadeia, eu mereço sair daqui preso e pegar prisão perpétua, porque já arrebentei muitos desses vagabundos no cacete, na bala”. Para ele, “lugar de vagabundo é no mármore do inferno” e mortes de suspeitos não devem ser investigadas. “Não tem que investigar nada não. Tem que arquivar e acabou.”

Duas postagens feitas no dia 17 de fevereiro deste ano poderiam ser interpretadas como incentivo a atos violentos. Em uma, ele sugere que um professor da rede estadual de Roraima tome “um cacete” por supostamente dizer que “quem rouba está trabalhando” (segundo o jornal Gazeta do Povo). Na outra, sugere novamente o “cacete”, dessa vez para um religioso suspeito de abusar de crianças no Mato Grosso.

Fahur: política do “cacete” para professor (Reprodução)

Em nota, Sargento Fahur (ou Gilson Cardoso Fahur) disse que “ser bandido é uma escolha” que traz consequências. “Uma delas é a sentença prisional, como também o possível óbito devido à livre e espontânea vontade de estar em enfrentamento com a polícia por circunstâncias no mínimo questionáveis. Atuei por 35 anos como policial militar e ainda não entendo o porquê de tanto espanto quanto a este posicionamento. Eu posso dizer com propriedade sobre as barbaridades que este tipo de gente é capaz de cometer.”

Sim, a possível (e mais provável) consequência de entrar em confronto com a polícia é a morte. Entrar em confronto com a polícia é crime, o que independe de qualquer circunstância anterior, questionável ou não. Mas não consta que o professor de Roraima tenha cometido algum crime. Se tivesse, “cacete” não faz parte do Código Penal. Já o padre a que se refere a outra postagem foi solto com a imposição de medidas cautelares. Ele ainda não foi julgado.

Bolsonarista raiz, Fahur finalizou a nota enviada ao Plural com a já conhecida recomendação: “Se alguém estiver com dó, é só levar pra casa”. Recomendação que não precisaria ser feita a Frederick Wassef, advogado de Jair e Flávio Bolsonaro, que levou para casa um foragido da Justiça ligado à família apoiada por Fahur, sem qualquer pedido de esclarecimento por parte do deputado. Fabrício Queiroz, ex-assessor de Flávio e apontado como operador das rachadinhas (ou peculato) na Assembleia Legislativa do Rio, foi preso em junho de 2020 em uma casa de Frederick Wassef em Atibaia (SP).

Queiroz faz churrasco em Atibaia, em foto enviada à família em 2019: alguém levou pra casa mesmo (Reprodução)

Risco nas eleições

O resultado da naturalização de discursos violentos em um cenário eleitoral polarizado e radicalizado como o brasileiro é imprevisível, pois ninguém sabe no que ovos podres fora de controle podem se transformar. O policial civil e vereador em Porto Alegre Leone Radde (PT), que criou um grupo para monitorar discursos de ódio nas redes sociais, não se mostra otimista.

“Tenho certeza que teremos atentados durante a eleição deste ano. Ou logo depois, dependendo do resultado.”

Leonel Radde, policial civil e vereador em Porto Alegre

Radde encaminha à polícia postagens racistas ou que contenham ameaças. Uma pessoa já foi presa. Além de ameaças, ele recebe fotos de armas, vídeos feitos por supremacistas brancos norte-americanos (um deles mostra uma mulher negra enforcada) e avisos de que outras pessoas serão assassinadas.

Há duas semanas, alguém avisou que o vereador e o ex-presidente Lula serão mortos antes da eleição deste ano. Em outra mensagem, a data das mortes foi marcada para o dia 31 de outubro. Outros alvos seriam a deputada federal Maria do Rosário (PT-RS) e o ativista LGBTQIA+ Antônio Isuperio.

Algumas das ameaças recebidas por Leonel Radde (Reprodução)

O vereador recomenda que pessoas que se sentirem ofendidas ou ameaçadas procurem a polícia ou Ministério Público. Ou que denunciem seus autores nas redes sociais. “Muitas vezes o melhor efeito é atingido com a exposição nas redes. Os autores podem sofrer algum tipo desgaste no ambiente de trabalho ou de estudo”.

Mas é bom pensar duas vezes antes de divulgar mensagens que incentivem a violência. No caso de postagens feitas por candidatos, as eleições de 2018 provaram que o efeito pode ser o contrário e que o autor pode ganhar um cargo em alguma casa de leis ou em algum governo por aí.

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