Vereadores de Curitiba decidem apoiar castração química de estupradores

Especialistas avaliam que matéria viola direitos fundamentais e é inconstitucional

Os vereadores da Câmara Municipal de Curitiba (CMC) estão apoiando a castração química de pessoas condenadas por crime de estupro no Brasil. Em votação simbólica, os parlamentares aprovaram uma moção de apoio feita pelo vereador Thiago Ferro (PSC), ao projeto de lei do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP), em tramitação no Congresso Nacional.

A matéria foi colocada em votação na parte final da sessão desta quarta-feira (19). Apenas as vereadoras Professora Josete (PT) e Maria Letícia (PV) votaram de maneira contrária a moção. O projeto 4233/2020 apresentado na Câmara dos Deputados condiciona a progressão da pena do condenado à adoção voluntária da castração pelo crime de estupro.

Dentre os parlamentares que se manifestaram favoráveis à proposta de Eduardo Bolsonaro estão Noemia Rocha (MDB) e Rogério Campos (PSD). O projeto foi proposto originalmente pelo então deputado Jair Bolsonaro (sem partido), e agora foi adaptado pelo seu filho, que tenta conseguir assinaturas para que a matéria tramite em regime de urgência.

Para o vereador Thiago Ferro, autor da moção de apoio, a violência sexual é um problema real e crônico no Brasil. O parlamentar que atos como esses deixam sequelas por toda uma vida, não apenas físicas, mas também sequelas mentais e psicológicas. Ferro afirma saber que a castração não é a solução, mas sim um aperfeiçoamento do sistema para que haja menos reincidência de estupro no país.

A vereadora Maria Letícia, médica de formação e legista concursada, é militante da causa e acompanha a situação de pessoas que foram vítima de violência. Segundo ela, a discussão sobre castração deve ser antes de tudo médica; havendo consenso, o debate poderia migrar para outras esferas. A parlamentar reforçou que não há consenso científico sobre o uso do método e acredita que não se deve aplicá-lo de maneira ampla.

“Castração tira impulso, mas não o estímulo, o homem vai continuar estuprando. O agressor mesmo sob a ação do hormônio ainda pode estuprar”, disse a vereadora, que ainda classificou como bizarra a proposição do deputado Eduardo Bolsonaro.

Inconstitucional

De acordo com a especialista em Direito Constitucional e professora da Universidade Federal do Paraná (UFPR) Eneida Desiree Salgado, embora o projeto especifique que o tratamento de castração é uma opção dos condenados, a questão é vinculada a uma possível progressão de pena, que é um direito separado. “A alegação de que o tratamento é voluntário é questionável”, diz a especialista.

Eneida argumenta que o procedimento de castração deve ser reversível, pois se for de caráter perpétuo, estaria violando a Constituição Brasileira. Além disso, a advogada afirma que o projeto viola a dignidade da pessoa humana e não apresenta estudos suficientes sobre a eficácia do método e sobre seus efeitos colaterais. A especialista informou que há estudos mostrando que o método traz resultados adversos, como uma maior agressividade.

Em relação ao estupro, a advogada destaca que o maior problema não está exatamente no desejo sexual, mas sim no desejo de poder envolvido em determinada situação. “Sempre que formos falar da ideia de um crime sexual, é possível ver que há uma relação de poder, como em estupros realizados com instrumentos”, diz Eneida.

Segundo ela, não é o desejo físico ou biológico que vai fazer com que diminua o estupro, já que há a violência com elementos de poder. Para Eneida, o projeto é inconstitucional por não comprovar eficácia do método, pela sua possível irreversibilidade e por ofensas a direitos fundamentais. “Com um viés mais aberto, a questão do que causa o crime de estupro é violência, não é exatamente desejo”, diz.

Prática degradante

De acordo com a professora das matérias de Direto Constitucional e de Direito e Gênero da FAE, Julia Gitirana, a inserção da palavra “voluntária” no projeto do deputado Eduardo Bolsonaro é utilizada para “disfarçar” a inconstitucionalidade da proposta.

A advogada reforça que a Constituição Federal veda qualquer prática degradante, de tratamento desumano e práticas de tortura. A normativa está prevista no Art 5, inciso III e diz que “ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante”.

De acordo com a especialista, o tratamento não é parte da pena, mas sim um requisito para liberdade condicional e a progressão de regime. No caso, a Lei de Execuções Penais e o Código Penal Brasileiro exigem um tempo de cumprimento de pena somado ao bom comportamento do condenado. Para Julia, a castração não deve ser considerada nesse processo. “Tratamento químico está inovando com uma violação da integridade física da pessoa condenada”, diz.

A advogada acredita que o projeto tem várias lacunas e não leva em conta o fato de que a Constituição Federal veda que o Estado interfira de maneira coercitiva nos direitos sexuais das pessoas. Segundo ela, a CF não autoriza a violação da integridade física do acusado. A especialista alerta que o projeto pode também criar precedentes de práticas abusivas do próprio poder judiciário.

Por fim, Julia sustenta que o ordenamento jurídico só compreende três formas de pena autorizada. São elas: a privativa de liberdade, a restritiva de direito e a medida de segurança. A especialista atesta que a castratação química não entra em nenhum desses itens.

Estupro contra menor

O projeto foi apresentado pelo deputado federal Eduardo Bolsonaro pouco tempo depois da repercussão nacional de um estupro de uma menina de dez anos no Espírito Santo. A polícia conseguiu prender o tio da garota alguns dias depois em Minas Gerais. O caso causou revolta em todo o país. A menina não denunciava os abusos pot temer que o tio matasse seu avô.

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