Prefeitura quer subsidiar empresas de ônibus de Curitiba

Justificativa do projeto é manter maior frota funcionando para evitar aglomerações entre passageiros

Já está na Câmara de Vereadores de Curitiba o projeto de lei da prefeitura que “institui o regime emergencial de operação e custeio do transporte coletivo” da cidade. O plano é adequar a frota ao enfrentamento da pandemia do coronavírus enquanto se assegura, por 90 dias, “o equilíbrio econômico-financeiro do sistema de transporte”.

Segundo o prefeito Rafael Greca (DEM), a verba servirá para “blindar a cidade dos efeitos econômicos deletérios da pandemia”. Em uma entrevista à CNN, ele disse que dos R$ 500 milhões destinados ao enfrentamento da doença, R$ 300 milhões iriam para a saúde e outros R$ 200 milhões para a contingência, “como subsídio para o transporte coletivo”.

O presidente da Urbanização de Curitiba (Urbs), Ogeny Maia Neto, pondera que o valor só será gasto se houver emergência. “Uma coisa é reservar R$ 200 milhões em fundo emergencial para fazer frente às despesas que podem ocorrer, outra coisa é gastar estes R$ 200 milhões, que não são só para o transporte.”

Ele destaca que a frota na Capital circula hoje com 60% dos 1.250 ônibus disponíveis. Como ela é direcionada ao número de passageiros, que caiu, poderia estar circulando com apenas 30% dos veículos. No entanto, pelas exigências sanitárias de distanciamento entre os passageiros, é necessário manter mais carros na rua. Com mais ônibus e menos passageiros, os gastos aumentaram. São estes custos “extras” que a Urbs visa subsidiar.

“A frota hoje atende até 900 mil passageiros por dia mas estamos transportando cerca de 200 mil diariamente, para que as pessoas possam manter o distanciamento exigido. Se não, estaríamos com uma frota ainda mais reduzida, como a de domingo, que consegue transportar até 600 mil pessoas. Então, estamos com uma frota que atende muito mais do que o necessário, por conta do coronavírus”, explica o presidente da Urbs.

O valor a ser gasto durante os três meses de auxílio às empresas de transporte é estimado em R$ 54 milhões. A conta exata depende da operação da frota e da quantidade de passageiros transportados. “Quanto mais passageiros nós transportarmos dentro do limite da frota, menos o desembolso”, avalia Ogeny, lembrando que o valor médio aproximado da despesa é de R$18 milhões por mês – que é a diferença entre o arrecadado com a bilhetagem e o custo do sistema.

O repasse às concessionárias que representam as empresas de ônibus deverá ser usado para custos com folha de pagamento, plano de saúde, seguro de vida, cesta básica e tributos administrativos. Também estão inclusas despesas com os veículos, como combustível, lubrificantes, peças, baterias e acessórios.  

“Existe um custo de manutenção para essa frota operante e as empresas não estão recebendo a remuneração por estes carros. É como, por exemplo, quando você tem um investimento e não recebe por ele, você está arcando com o custo do seu investimento parado. Os custos fixos de manutenção da frota parada são das empresas”, ressalta Ogeny.

O valor mensal de repasse às concessionárias, de acordo com a Urbs, gira em torno de R$ 78 milhões ao mês. Em março, o faturamento foi de R$ 51 milhões. “Nenhuma empresa no mundo trabalha de graça. Elas estão tendo uma intervenção do poder público, na qual não estão recebendo nenhuma remuneração pelo capital investido e terão que abdicar essa remuneração e margem de lucro quando fizerem a adesão à lei”, argumenta o gestor.

Sobre condicionar a ajuda financeira dada pela prefeitura à manutenção de empregos – já que estão previstas três mil suspensões de contratos de motoristas e cobradores -, o presidente da Urbs adverte que “isso não é competência nossa”, mas do governo federal.

Fluxo diário de passageiros em Curitiba caiu de 900 mil para 200 mil. Foto: Daniel Castellano/SMCS

O melhor negócio do mundo

Para o vereador Euler de Freitas (PSD), o transporte coletivo de Curitiba é “o melhor negócio do mundo”. Segundo ele, investimentos, despesas com ônibus, pagamento de funcionários e diesel já são pagos pela prefeitura, com o dinheiro arrecadado das passagens, “a maior tarifa entre as capitais”.

“Quando a operação arrecada mais do que gasta, o lucro fica para as empresas. Quando a operação arrecada menos do que gasta, o prejuízo fica para a prefeitura. É como se as empresas de ônibus jogassem par ou ímpar com a prefeitura, mas impondo a seguinte regra: par eu ganho, ímpar você perde.”

O vereador observa que empresas de todos os segmentos estão tendo prejuízos com a pandemia. “Ainda que o lucro seja sempre desejável, o risco é algo inerente à atividade empresarial. Por que seria diferente com as empresas do transporte coletivo de Curitiba?”, questiona ele.

Lucros e corte de salários

Na visão da também vereadora de Curitiba Maria Letícia Fagundes (PV), os milhões investidos no transporte público deveriam ser destinados para mais equipamentos de saúde e testes em massa para detectar o coronavírus. “Em um momento de crise como o que vivemos, é inadmissível que Curitiba, ao contingenciar quase R$ 500 milhões do seu orçamento anual para tratar a pandemia, separe R$ 200 milhões para que o empresariado do transporte público continue cobrando uma tarifa abusiva e nadando em rios de lucros, sem sentir, como todo o mundo está sentindo, os impactos econômicos desta crise”, evidencia Maria Letícia.

O deputado estadual Goura Nataraj (PDT) vê como grave a postura das empresas de ônibus neste momento. “Já cortaram o salário de motoristas e cobradores pela metade, sem nenhuma conversa ou negociação, e agora estão pedindo socorro à prefeitura de Curitiba. Esse transporte, que já é objeto de ações do MP questionando a legitimidade do contrato, vem historicamente visado o núcleo dos empresários e não as necessidades dos usuários, contemplando a função social do transporte”, conclui o parlamentar.

Urbs

Após a publicação desta reportagem, a Urbs enviou a nota abaixo. O Plural ressalta que as informações questionadas já estão esclarecidas na matéria, porém, respeita o direito de resposta do órgão.

“Sobre a matéria “Prefeitura quer subsidiar empresas de ônibus de Curitiba”, a Urbanização de Curitiba S.A (Urbs)vem esclarecer, mais uma vez, que a proposta de projeto de lei encaminhado à Câmara Municipal de Curitiba (CMC) visa a manutenção do transporte coletivo da capital e evitar o colapso do sistema e a interrupção do serviço, considerado essencial pela Constituição Federal. Não é uma medida de socorro às empresas e sim uma proposta de manutenção do funcionamento com frota suficiente para atender às normas de distanciamento social.

O transporte coletivo é de vital importância para pessoas que precisam se deslocar durante a pandemia. A queda abrupta do movimento e a necessidade de atender as regras de distanciamento social para evitar aglomeração gerou uma situação atípica, que coloca em risco não apenas o serviço mas também os empregos a ele vinculados. O projeto prevê um prazo de 90 dias para o reequilíbrio do sistema.

Ao contrário do informado, a tarifa de Curitiba não é a mais cara do País, lugar ocupado pela cidade de Porto Alegre.

Não procede a informação de que serão R$ 200 milhões de socorro às empresas, que manterão seus lucros. Dos R$ 500 milhões que a Prefeitura vai usar em ações de combate aos efeitos da pandemia do novo coronavírus, R$ 300 milhões irão para Saúde. Os R$ 200 milhões restantes serão usados para vários fins, sendo usado para continuidade de projetos e obras, contrapartidas de convênios e operações de crédito, além do transporte. A estimativa é que desse recurso, de R$ 54 milhões, serão usados nos próximos três meses para pagar folha de pagamento, plano de saúde, cesta básica e seguro de vida aos empregados e custos operacionais para que os ônibus possam rodar. Nesse período, as empresas não terão lucro nas suas operações.

Durante o período de exceção as empresas terão corte na ordem de 50% em peças e acessórios, de 50% no salário base e custos administrativos e retirada de 100% da amortização da frota e de 100% da rentabilidade.”

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