Paraná é o estado com menos defensores públicos: um a cada 106 mil habitantes

Em entrevista ao Plural, André Giamberardino, o novo defensor-geral eleito do Paraná, fala dos desafios da nova gestão

O que um defensor público pode fazer por mais de 100 mil pessoas? No ano em que a Defensoria Pública do Paraná completa dez anos, esta é a pergunta que resume o desafio enfrentado pelos profissionais na região com maior escassez de defensores no Brasil: o Paraná.

O diagnóstico é da Pesquisa Nacional da Defensoria Pública de 2021, que comparou a relação entre população e defensores públicos por unidade federativa. Os dados revelam que o Paraná é o estado mais desigual do país, com 106.637 habitantes por defensor público. “Considerando apenas a população economicamente vulnerável, o Paraná apresenta a razão de 91.314 habitantes com renda familiar de até três salários mínimos por defensor público”, aponta o estudo.

O abismo fica ainda mais evidente quando observamos os números do Distrito Federal, que tem 12.783 habitantes por defensor – 9.458 pessoas se levarmos em conta apenas a população economicamente vulnerável. Ou seja: a diferença é alarmante.

Quem enviou a pesquisa ao Plural foi André Giamberardino, que acaba de ser eleito defensor-geral do Paraná pelo próximo biênio. Ele chega com a responsabilidade de otimizar o trabalho da equipe e concluir o concurso recém anunciado pelo colega Eduardo Abraão, atual defensor-geral do estado. A promessa é de que o edital saia até outubro deste ano – em abril, os trâmites da seleção foram suspensos pela comissão organizadora, por conta da pandemia. 

Aos 37 anos, o currículo de André impressiona. Ele é pós-doutor em Direito e professor da Universidade Federal do Paraná (UFPR) desde 2010. Atualmente, coordena a Clínica de Acesso à Justiça e Educação nas Prisões (CAJEP/UFPR). Em 2018, foi chefe de gabinete do Ministério da Segurança Pública. Como defensor público do Paraná, atua desde 2013 – e desde 2018 coordena o Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (Nupep), sua área de especialidade.

Em conversa com o Plural, ele fala de seus planos para o próximo biênio e convoca a população a participar das decisões administrativas da Defensoria Pública do Paraná.

Plural: Em 2021, a Defensoria Pública do Paraná completa 10 anos. Quando e como você entrou nessa história?

André: Eu participei como professor da UFPR do movimento Defenda a Defensoria, que se transformou em Defensoria Já. Era uma espécie de organização entre várias instituições, que ocorreu entre 2010 e 2011, e que colaborou bastante na aprovação da lei que institucionalizou a Defensoria do Paraná em maio de 2011. E aí eu fui aprovado no primeiro concurso que foi realizado, cuja nomeação aconteceu em outubro de 2013, então eu sou defensor do Paraná desde aquela época. Eu acabei ocupando a função de subdefensoria pública geral no comecinho, né? Hoje, estou no setor de execução penal, que é mais a minha área acadêmica. 

Plural: Com a sua saída, como fica o Núcleo de Política Criminal e Execução Penal (Nupep), que você coordena atualmente?

O Nupep agora recebe uma nova coordenadora, que será a defensora Andreza de Menezes. Ela tem um engajamento com direitos humanos e especialmente com a questão da saúde mental. A gente tem uma preocupação muito grande com a situação do Complexo Médico Penal, que inclusive vem sendo denunciada pelo Plural. Toda a atuação da Defensoria nessa área, que é de fiscalização, é fundamental, mas nós temos outros núcleos especializados que também são muito importantes.

Plural: Os núcleos seguem os mesmos ou haverá alteração?

Nós temos cinco núcleos especializados: o Nupep, o Núcleo de Promoção e Defesa dos Direitos da Mulher (Nudem), o Núcleo da Cidadania e Direitos Humanos (Nucidh), o Núcleo da Infância e Juventude (Nudij) e o Núcleo Itinerante das Questões Fundiárias e Urbanísticas (Nufurb). Os cinco núcleos continuam, todos eles têm uma atuação muito importante no estado, inclusive em muitos locais que não têm sede da Defensoria. Acho que uma das funções dos núcleos é poder atuar coletivamente em lugares que a Defensoria ainda não chegou com sede própria, com membros fixos. E além de manter esses cinco núcleos, uma das nossas propostas é a implementação de um novo núcleo de defesa do consumidor, que já tem previsão na lei, mas não foi criado efetivamente. Os objetivos de implementação são, sobretudo, pensar políticas de acesso à justiça para os cidadãos superendividados, especialmente olhando para a violação de direitos por estabelecimentos bancários. Outro tema que esse núcleo deve tratar é a exclusão digital. Com a pandemia, ficou muito evidente como o acesso à internet, a computadores, muitas vezes é pressuposto para o próprio acesso à educação. 

Plural: E quais são os outros projetos da nova gestão?

Nós temos uma proposta de campanha de trazer a discussão da agenda 2030 pra gestão da Defensoria Pública, ou seja, como essa agenda e os objetivos de desenvolvimento sustentável podem nos ajudar a planejar e guiar nossas ações? Esse é o primeiro ponto. E a partir daí, com o uso da tecnologia, a nossa prioridade é melhorar o atendimento à população. É fazer com que haja formas mais fáceis, mais acessíveis de as pessoas poderem buscar o serviço. E isso inclui tanto o atendimento remoto, que acaba sendo a realidade desde que a pandemia chegou, como também o atendimento presencial, ou seja, o modelo híbrido de atendimento que a gente vai ter que discutir com muito cuidado e que eu acho que veio pra ficar, né? Não só na Defensoria, mas em muitos outros espaços e acho que ainda tem que ser pensado da melhor forma possível pra população que precisa da Defensoria e pensando nas condições de trabalho dos defensores, servidores e estagiários. Então a gente pretende, por exemplo, buscar viabilizar a consulta processual por telefone, pelo aplicativo de celular, assim por diante.

Plural: Hoje não é acessível? 

Hoje existe atendimento pelo WhatsApp, como substituição ao atendimento presencial, mas não existe atendimento com inteligência artificial. Não há hoje uma opção de atendimento sem que necessariamente você tenha que conversar com alguém. A nossa ideia é que os assistidos da Defensoria consigam consultar a situação do seu prontuário, do seu processo, da sua demanda, sem necessariamente ter que se conversar com alguém, porque todo mundo sabe das dificuldades estruturais que temos, e isso acaba produzindo dificuldade pras pessoas terem acesso à informação que precisam. Então, é uma forma de facilitar o acesso.

Plural: Falando em dificuldades estruturais, como fica a questão dos concursos?

Outra prioridade é a realização de novos concursos, né, especialmente para defensor público. Até vi que o Eduardo, o atual defensor-geral, avisou que vai abrir o edital para o 4º concurso, então é uma prioridade nossa que isso seja concluído o mais rápido possível, porque a gente tem essa preocupação muito grande com o número baixo de defensores. A Defensoria do Paraná, quando você olha pra relação entre defensores públicos e população, é uma das menores do Brasil. Então a gente realmente precisa avançar nesse ponto. 

Plural: Como você avalia a última gestão da Defensoria?

Eu acho que houve avanços importantes institucionais e legislativos no último quadriênio. Especialmente se olharmos a lei orgânica, que foi melhorada e corrigida em diversos aspectos. Acho que foi um ponto positivo. Mas é claro que nós também diagnosticamos algumas questões que devem ser reconduzidas, devem ser melhoradas, especialmente no âmbito interno. A gente pretende ter uma gestão bastante tranquila e com bastante acessibilidade dos defensores à administração. A administração pública é o espaço do acúmulo, né, do aprendizado, então a gente parte desta premissa: preservar o que a gente conquistou e tem de bom e importante e melhorar o que precisa ser melhorado.

Plural: Você assume a gestão num momento político complicado, onde o Governo Federal vem atacando as minorias sociais, que são público atendido pela Defensoria. Como você está encarando esse desafio?

Nós estabelecemos – e não tem como ser diferente – uma relação profissional com o Governo Federal, mas sempre tendo por prioridade a defesa da missão constitucional. Assim como as demais defensorias do Brasil, estamos atentos a qualquer ameaça à democracia e aos direitos fundamentais.

Plural: Lá no começo você falou um pouco da relação UFPR-Defensoria. Sabemos que você tem uma participação significativa na universidade. Isso significa laços mais estreitos?

Sim, a UFPR foi uma das principais organizações que inclusive militaram pela criação da Defensoria no início da década, então há uma aproximação muito grande. Já existe um convênio entre as duas instituições que é bastante importante, pois viabiliza uma série de ações, e nós pretendemos só fortalecer e ampliar essa aproximação. São espaços que se complementam, especialmente a faculdade de Direito, mas não só. Também tem como articular outros setores da universidade que podem auxiliar muito na garantia de direitos no Paraná. Nós também pensamos em triangulações envolvendo o Poder Executivo do Estado, que são importantes na questão penitenciária, de saúde, enfim, políticas públicas em geral. A ideia é realmente fortalecer as políticas públicas e colocar a própria Defensoria Pública como um braço fundamental das políticas públicas, especialmente as sociais, né? A partir do momento que a Defensoria conseguir ter uma base de dados segura e qualificada, com os atendimentos realizados – e isso está em andamento -, isso pode ser aproveitado para o aprimoramento de políticas públicas de natureza social.

Plural: Obrigada, André. Pra finalizar, você pode falar às pessoas sobre a importância da defesa e do fortalecimento da Defensoria?

O fortalecimento da Defensoria significa garantir o direito a seus direitos, né? Porque muitas vezes não basta que um direito esteja enunciado numa lei, na Constituição, se falta meios pra se exigi-lo. Então nesse sentido fortalecer a Defensoria é fortalecer a cidadania, é fortalecer a possibilidade que cada cidadão tem de reivindicar e lutar pelos seus próprios direitos, seja em relação ao poder público, seja em relação ao setor privado. A gente pretende fazer uma administração bastante aberta a críticas e que fortaleça a ouvidoria externa. Hoje, somos a única instituição que tem ouvidoria externa, ou seja, o ouvidor não é membro, é alguém de fora da carreira. E nós ainda pretendemos convocar uma audiência pública, no primeiro mês de mandato, justamente com a discussão aberta à sociedade civil sobre as prioridades da gestão. Então, fica o convite a todos aqueles que entendem a importância da Defensoria, a participar desse processo. 

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