Os deputados da Assembleia Legislativa do Paraná (Alep) aprovaram o projeto que modifica regras de uso e ocupação da Ilha do Mel, no Litoral do Paraná. A proposta é de autoria do governo Ratinho Júnior (PSD) e altera dez pontos da lei n° 16.037, que lista normas para os residentes na Ilha. Entre eles, a regularização de novas moradias e um Plano de Uso e Ocupação do Solo.
A oposição alega que a discussão foi rápida demais e diz que não houve debate com a sociedade civil. A proposta foi aprovada na terça-feira (2), por 45 votos a 7, em primeiro turno. O projeto recebeu 20 emendas, sendo 12 de deputados da oposição. Com isso, as possíveis mudanças devem ser analisadas pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) ainda nesta semana. A votação em segundo turno deve ser na próxima.
Os parlamentares contrários questionam a primeira votação, segundo eles, realizada sem debate e de maneira “atropelada”. O projeto foi votado 35 dias depois de chegar na Alep e, para os oposicionistas, não havia motivo para a tramitação em regime de urgência.
O presidente Ademar Traiano (PSDB) havia colocado a matéria em votação na segunda-feira (1), mas as discussões foram adiadas por conta de pedidos de vistas nas comissões. Contudo, a proposta foi pautada para o dia seguinte e aprovada com folga.
A sessão de terça-feira (2) acabou focando nas depredações em Curitiba, durante manifestação contra o fascismo na Capital. Com isso, pouco se discutiu sobre o projeto da Ilha do Mel. A votação foi um dia depois do presidente da Comissão do Meio Ambiente, deputado Goura (PDT), ter feito uma audiência pública sobre o tema. Como os pareceres das Comissões Permanentes têm sido feitos em plenário, o assunto tramitou como se estivesse em urgência na Alep.
De acordo com o Executivo, as mudanças do texto são pontuais e necessárias para trazer mais eficiência e agilidade para a gestão da Ilha, que atualmente fica com o Instituto Água e Terra (IAT), por meio da diretoria de Patrimônio Natural. Com as mudanças, o governo passa a dividir todas as ações de preservação e conservação do Meio Ambiente com a iniciativa privada.
Principais mudanças
O projeto estabelece que as comunidades da Ponta Oeste e da Praia Grande, até então áreas que não poderiam ser ocupadas por moradias, sejam regularizadas para ocupação. A proposta também cria a Unidade de Administração da Ilha do Mel (Unadim), parceria entre o Estado e o Município de Paranaguá.
O Unadim ficará vinculado ao escritório regional do Instituto Água e Terra de Paranaguá. A ideia de Ratinho é trazer uma gestão participativa para a Ilha, integrando as atividades e ações entre Estado, Município e comunidade.
Além disso, o governo está criando um Plano de Uso e Ocupação do Solo, com regras para tipo, tamanho e altura de construções nessas áreas. Ao todo, são 724 moradias na Ilha do Mel sob responsabilidade do Estado.
O projeto ainda determina que o local não poderá ser expandido como área urbana e pretende retomar a limitação de visitação diária na Ilha, permitindo cinco mil visitantes por dia. O objetivo é ter um controle da capacidade de suporte de infraestrutura.
Polêmicas
O projeto foi aprovado na Assembleia sob forte polêmica. A oposição critica a votação em motivo de urgência, como já ocorreu outras vezes durante o regime remoto das sessões da Alep .
Para o deputado Tadeu Veneri (PT) é impossível debater as mudanças na Ilha do Mel em tão pouco tempo. Na sessão plenária de segunda-feira (1), ele pediu o adiamento da votação, que aguardava mais de uma década para chegar ao Legislativo.
O líder do governo, deputado Hussein Bakri (PSD) foi escolhido o relator do projeto na Comissão de Constituição e Justiça. Ele reforçou que a proposta foi “exaustivamente” debatida com o Ministério Público, com o Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan), Conselho Estadual do Patrimônio Histórico e com as associações de moradores da Ilha do Mel. Para o parlamentar, o projeto propõe uma regularização importante no local e tem forte apelo social.
Em seu parecer na Comissão do Meio Ambiente, o deputado Goura fez dez ressalvas ao projeto, sem contar as emendas da oposição. No início do texto, o parlamentar afirma que o governo não enviou o mapa anexo do novo zoneamento da Ilha do Mel, algo que está previsto na alteração da lei. Ele ainda destacou que falta clareza para explicar as atribuições do Unadim.
O texto teve várias restrições impostas pelas normas de proteção do patrimônio ambiental, paisagístico, histórico, cultural e turístico da Ilha do Mel. O parlamentar ainda sustenta que há muita preocupação com o estabelecimento de grandes construções residenciais na Ilha. A proposta do governo Ratinho omite a existência de licenciamento ambiental para edificação de casas na Ilha.
Segundo Goura, os impactos das casas de até 380 metros quadrados serão inúmeros e devem incidir no saneamento básico, na produção de lixo, na vegetação e na paisagem do local. A Ilha do Mel não possui rede de esgoto tratada.
Ministério Público
Na audiência pública promovida por Goura e pelo deputado Tadeu Veneri, o promotor do Ministério Público do Paraná (MP-PR), Alexandre Gaio, avaliou que o adiamento da votação seria a melhor opção. O primeiro ponto discutido foi a regularização da Ponta Oeste e da Praia Grande para ocupação. Para Gaio, o estímulo vai levar a diminuição da vegetação nativa do local.
O projeto também não faz referência à taxa de permeabilidade e coeficiente de aproveitamento dos lotes da ilha, aponta o promotor. Para ele, isso levanta a possibilidade de toda a área de ocupação ser impermeabilizada. Gaio diz que se isso não for detalhado, há riscos de um patrimônio nacional e estadual ser desvirtuado, já que sua finalidade deve ser proteger o Meio Ambiente.
O promotor manifestou sua preocupação com a comunidade de Ponta Oeste, que tem titularidade de uma área de 31 hectares. Segundo ele, o texto proíbe a construção de qualquer edificação que não seja relacionada à população tradicional em referência.
Além disso, Gaio destaca que houve a revogação de um dispositivo da lei anterior, que proibia a construção de edificações que não tivessem relação com a população tradicional. “Qual o sentido de revogar um dispositivo que protege a população tradicional da especulação imobiliária?”, questiona.
Por fim, o promotor cita que em 2010, os Ministérios Públicos Estadual e Federal recomendaram a criação de uma Reserva de Desenvolvimento Sustentável na área que pertence a Ponta Oeste. A ideia era inserir essa população dentro de um Conselho de Gestão Pública, para que pudesse opinar em questões relacionadas à comunidade.
Participação popular
A Ilha do Mel é Patrimônio da União e foi cedida ao Paraná há 38 anos. O local é considerado um santuário no turismo do Litoral paranaense e traz alguns benefícios diretos e indiretos para população. O projeto para alterar os interesses ambientais e turísticos da área estava sendo elaborado desde 2011. Várias associações têm feito críticas à proposta e dizem que o debate não foi feito com as comunidades e moradores da Ilha.
Jhenifer Valentim é integrante da organização Emilhas e vem de uma família tradicional da Ilha. Segundo ela, a última Legislação que era de 2009, foi aprovada na “calada da noite” e nunca foi colocada em prática. De acordo com a moradora, assuntos como esses não deveriam ser debatidos durante a pandemia. “Reuniões estão limitadas, votações estão sendo on-line; acredito que não seja o momento para debater um assunto tão polêmico”, diz.
A integrante do Emilhas afirma que antes da iniciativa do deputado Goura (PDT), em nenhum momento os moradores haviam sido chamados para uma audiência pública para discutir a lei. Segundo ela, os moradores ficaram muito surpresos quando a norma foi protocolada na Alep, já que eles não receberam o projeto final.
Jhenifer destaca que as raízes da Ilha do Mel são formadas, na sua maior parte, por famílias tradicionais e 90% da população vive do turismo. A moradora destaca que o trabalho empresarial precisa ser feito em conjunto com a comunidade tradicional. Ela explica que o principal pedido dos moradores é para que eles sejam ouvidos, já que não conseguido acesso aos documentos finais do projeto.
Durante seu parecer da Comissão do Meio Ambiente, o deputado Goura reforçou que a população deve ser ouvida no debate dessas mudanças. Segundo ele, deve haver consultas prévias e informadas com todos os moradores da Ilha.