Falta de estudo técnico e pressão política marcaram estabelecimento de taxa do Detran

Cinco pessoas foram presas. depoimentos relatam problemas em licitação que pode ter rendido R$ 77 milhões a empresa

A elevação em 130% sobre o valor cobrado para o registro de financiamentos de veículos, o gravame, estabelecido em edital de credenciamento publicado em agosto de 2018 está no centro da investigação do Ministério Público do Paraná (MP-PR) contra a antiga gestão do Departamento de Trânsito (Detran) do estado. Em depoimento, funcionários comissionados afirmaram que a diferença a mais cobrada dos motoristas pelo serviço, que passou de R$ 150 para R$ 350, foi determinada sem qualquer estudo técnico que justificasse a elevação do preço. Conforme o próprio departamento, a única base usada para o “cálculo” foi uma “pesquisa informal” de preços praticados em apenas outros quatro estados do país – que até hoje ainda não se sabem ao certo quais são.

As supostas irregularidades na confecção do edital já haviam sido apontados pelo Tribunal de Contas do Estado do Paraná (TCE) e  levaram cinco pessoas à prisão temporária na última quarta-feira (20) com a deflagração da operação Taxa Alta, do Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MP-PR. Entre os detidos está o diretor-geral da Assembleia Legislativa (Alep), Marcello Alvarenga Panizzi – agora exonerado da Casa. Panizzi, que assumiu a direção do Legislativo em fevereiro deste ano, comandava o Detran à época da elaboração do edital, entre julho e agosto do ano passado, durante o governo de Cida Borghetti (PP).

Na leva de depoimentos prestados à 4ª Promotoria de Justiça de Proteção ao Patrimônio Público de Curitiba no fim do último mês de outubro, funcionários do Detran disseram que a formulação do documento foi atípica e ignorou orientações de advogados da própria autarquia. Assim, teriam prevalecido as decisões da cúpula do órgão, que, segundo as investigações, agiu para manipular o edital e beneficiar uma das empresas vencedoras, a brasiliense Infosolo. Todos os envolvidos negam as irregularidades.

Mas de acordo com funcionários ouvidos pelo MP-PR, pareceres jurídicos formulados por advogados do Detran que antecederam a conclusão do edital não só foram ignorados como foram postos à revisão. A pedido da própria gestão, teriam sido suprimidos trechos que alertavam sobre a necessidade de um estudo técnico para compor o novo preço a ser cobrado dos motoristas, de R$ 200 a mais. “A ausência do estudo técnico é que tem o nosso foco nesse momento”, ressaltou o coordenador do Gaeco, Leonir Batisti. “O que temos mostra uma evidente manipulação, em outras palavras, uma verdadeira negociata que levou as pessoas a pagaram R$ 350 em um serviço que antes custava R$ 150”.

O próprio Detran confirmou nesta sexta-feira (22) que a pesquisa que embasou a cobrança mais cara não partiu de uma metodologia específica. “Temos conhecimento de que foi feita uma pesquisa informal à época e os estados citados são Maranhão, São Paulo, Santa Catarina e Rio Grande do Sul”, pontuou o órgão em nota. “No entanto, apenas os valores do Maranhão (Recolhe R$ 292,00 – repassa valor não identificado às credenciadas) e São Paulo (recolhe 2,572 UFESP = R$ 66,10 * Unidade Fiscal do Estado de São Paulo) constam no documento. Os valores dos outros dois estados constam como “não consegue identificar””, acrescenta o texto de esclarecimento encaminhado à reportagem.  

Contraditoriamente, em ofício de resposta encaminhado por Pazinni à Alep em 15 de outubro do ano passado, o ex-diretor-geral do Detran descreveu que o parâmetro utilizado foi uma consulta às taxas dos estados do Amazonas, Pará, Maranhão e Minas Gerais, cuja média ficou em R$ 361, 10.

Estima-se que com o edital supostamente manipulado, a Infosolo tenha faturado R$ 77 milhões entre novembro de 2018 e junho deste ano no Paraná. Conforme o MP-PR, boa parte da arrecadação teria sido impulsionada pelo fato de a companhia ter conseguido monopolizar o serviço devido à rapidez com que se credenciou para prestar o serviço – apenas 24 horas depois da publicação do documento. Ainda que as empresas credenciadas pelo edital inicial sigam prestando serviços, o governo voltou a baixar a taxa do gravame para R$ 143,63 em fevereiro deste ano.

Alinhados políticos

Embora não haja provas do contato direto do então diretor-geral do Detran Marcelo Panizzi com a Infosolo, o Gaeco afirma que o conjunto de indícios já levantado indica pleno conhecimento do esquema por parte do agora ex-diretor da Alep, que chegou ao Detran em maio de 2018, depois de passar pela chefia de gabinete do deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli (PSB).

Espécie de “afilhado político” de Romanelli, Panizzi também foi diretor-geral da Secretaria Trabalho, Emprego e Economia Solidária comandada pelo deputado entre janeiro de 2011 a março de 2014, durante a primeira gestão de Beto Richa (PSDB) no Palácio Iguaçu. Além disso, registros da Ordem dos Advogados do Brasil no Paraná (OAB-PR) apontam que Romanelli e Panizzi atuam em sociedade em um mesmo escritório de advocacia de Curitiba.

Também ligados à Alep foram presos pelo Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado (Gaeco), braço do MP-PR, os comissionados Luiz Carlos Farias, controlador-geral da Casa, e Rosângela Curra Kosak. Mais do que posições no Legislativo, os dois, funcionários de carreira da Companhia de Habitação do Paraná (Cohapar), têm em comum o fato terem sido assessores diretos de Panizzi no Detran entre maio e dezembro de 2018.

Arquiteta, Kosak foi presidente da Cohapar entre março de 1994 e janeiro de 1995 e entre março de 2006 e fevereiro de 2007, posto que, nas duas vezes, assumiu imediatamente após a saída de Romanelli do cargo. Na mesma pasta, chegou a ser diretora de projetos do deputado em 2003. Ela foi cedida ao Detran em junho de 2018 junto com Luiz Carlos Farias, que também já pediu exoneração da Alep e foi apontado por funcionários do Detran como um dos principais articuladores do edital investigado no esquema. “[O processo assumiu] uma velocidade bem atípica impulsionada pelos assessores diretos do diretor. Um deles era cedido da Casa Civil e outro, o Luiz Carlos, literalmente ia nas coordenadorias e fazia mesmo uma pressão. Não tem outra palavra para se dizer”, disse um dos ouvidos pela Promotoria.

Outro alvo de mandado de prisão temporária, Leopoldo Floriano Fiewski Júnior também tem fortes aliados políticos. Apontado como o responsável pela elaboração do edital, ele trabalhou como assessor da ex-governadora Cida Borghetti. Mas antes de chegar à governadoria, já havia passado pelas secretarias de Meio Ambiente e Saneamento e Gestão e Fazenda de Maringá na gestão de Sílvio Barros, irmão de Ricardo Barros, deputado federal casado com Cida Borghetti. Homem de confiança dos Barros, foi ainda secretário de Meio Ambiente de Cascavel entre 2005 e 2008.

Quinto alvo do Gaeco, o então servidor comissionado do Detran Emerson Gomes teria atuado como preposto outra firma pertencente ao sócio-diretor da empresa beneficiada.

O que dizem os citados

A assessoria da ex-governadora Cida Borghetti disse, em nota, que o credenciamento de empresas para prestar serviço de gravame é alvo de questionamentos judiciais em diversos estados e que garantiu que “não houve irregularidades no processo”. “As decisões até o momento do Tribunal de Contas e do Tribunal de Justiça do Paraná são todas pela manutenção do contrato que permanece vigente. Hoje oito empresas fazem o trabalho de registro de contratos. O preço estipulado é o valor médio em vigor nos Estados que seguem a nova regulamentação”, acrescentou.

A defesa de Marcello Panizzi segue a mesma linha e descarta manipulação no processo. Segundo o advogado Ygor Salmen, “todos os atos praticados foram de acordo com os princípios que norteiam a administração pública” e que, por isso, a prisão do ex-diretor-geral do Detran e da Alep foi “totalmente infundada”.

Ainda que não tenha sido citado na investigação, o deputado estadual Luiz Cláudio Romanelli foi procurado, mas não houve retorno da assessoria do político até o fechamento deste material.

A defesa de Emerson Gomes também não retornou aos pedidos de esclarecimento. A reportagem segue tentando contado com os advogados de Rosangela Kosak, Luiz Carlos Farias e Leopoldo Floriano.

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