Cooptação de PMs por Bolsonaro acende alerta para o 7 de setembro

Por Kelli Kadanus e Wanessa Alves O papel da Polícia Militar (PM) diante do clima de instabilidade política no país e a convocação de atos para o dia 7 de setembro foi um dos temas da reunião entre 24 governadores […]

Por Kelli Kadanus e Wanessa Alves

O papel da Polícia Militar (PM) diante do clima de instabilidade política no país e a convocação de atos para o dia 7 de setembro foi um dos temas da reunião entre 24 governadores nesta semana. O alerta partiu do governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que determinou na segunda-feira (23) o afastamento do chefe do Comando de Policiamento do Interior-7 da PM, coronel Aleksander Lacerda, que vinha convocando manifestações contra os poderes Legislativo e Judiciário. Estimativas do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP) dão conta de que haveria no Brasil de 120 a 140 mil PMs radicalizados ideologicamente. 

A temperatura da crise tem aumentado, assim como a apreensão entre políticos em Brasília. Dentre as ameaças feitas por apoiadores de Bolsonaro e que circulam nos bastidores da política está a de uma possível invasão de manifestantes ao Congresso e ao Supremo Tribunal Federal (STF). A intimidação acendeu o alerta das forças de segurança do Distrito Federal que vão reforçar a segurança na Esplanada dos Ministérios. A informação foi publicada pelo jornal Correio Braziliense. 

Embora, nos bastidores, seja dado como certo que as Forças Armadas não embarcariam em uma aventura golpista, a situação das polícias militares não é tão cristalina. 

Foto: Isac Nóbrega/PR

Lacerda tem mobilizado nas redes sociais outros colegas de corporação para participarem das manifestações a favor de Bolsonaro. Além das convocações para os atos, Lacerda também atacou o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), o deputado Rodrigo Maia (DEM-RJ) e o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG).

Na segunda-feira (23), Doria afastou Lacerda do cargo e disse que indisciplina não será admitida na PM de São Paulo. O envolvimento de policiais no chamamento para manifestações tem preocupado também outros governos estaduais. 

“Creiam, amigos governadores, isso que está acontecendo em São Paulo pode acontecer também nos seus estados, fiquem atentos. Temos uma inteligência da Polícia Civil que indica claramente o crescimento desse movimento autoritário para criar limitações, restrições e emparedamento de governadores e prefeitos que defendem a democracia”, disse Doria em reunião do Fórum de governadores na segunda-feira (23). 

Flávio Dino (PSB), governador do Maranhão, elogiou a atitude Doria e comparou os movimentos para os atos com o mesmo cenário político de 1964, ano do golpe militar. “Esse clima que se avizinha para o 7 de Setembro não se insere na democracia. Pessoas armadas na rua é motim”, disse. 

O clima nas PMs de outros estados

As redes sociais estão cheias de manifestações de policiais da ativa e da reserva para que os profissionais de segurança pública participem dos atos pró-Bolsonaro no dia 7 de setembro. Especialistas em segurança pública têm alertado para o risco de cooptação de PMs para fins antidemocráticos do presidente. 

“O bolsonarismo exige alertas e ações na segurança pública”, escreveu o presidente do Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), Renato Lima, no Twitter em junho. “A radicalização que ele provoca, porém, pode ser enfrentada antes da provável invasão ao ‘Capitólio’ brasileiro. Para começar, não dá para deixa-lo cooptar policiais sem contraponto”, completou. 

Desde fevereiro de 2020, após o episódio do motim da PM do Ceará, o FBSP em alertado para os riscos da bolsonarização das polícias. Segundo o Fórum, haveria de 120 a 140 mil policiais radicalizados ideologicamente nas polícias. 

“Desde a posse de Bolsonaro, casos de repressão a manifestações contra o presidente têm sido relatados, entre outros, no CE, MG, PE, BA, GO, SC, SP, RJ. Revelam fissuras nos mecanismos de controle das polícias e que pouco foi feito”, alertou Lima, no final de maio. 

Uma pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostra que um em cada quatro praças da Polícia Militar interagem nas redes em ambientes bolsonaristas radicais. Considerando também os oficiais, mais de um em cada três policiais interagem nesses ambientes, defendendo inclusive pautas extremistas.

Em janeiro deste ano, o ex-prefeito do Rio de Janeiro Cesar Maia divulgou um vídeo nas redes sociais em que alertava para o risco de cooptação das PMs. Segundo ele, um movimento parecido das polícias aconteceu durante o golpe de Estado no Chile, em 1973.

Segundo um levantamento do Estadão, há pessoal da ativa e da reserva incentivando manifestações no dia 7 de setembro em São Paulo, Rio de Janeiro, Santa Catarina, Espírito Santo, Ceará e Paraíba. Segundo o jornal, o medo de ruptura ligada às PMs faz parte do cenário traçado por oficiais-generais e ex-ministros da Defesa, como Raul Jungmann. 

Como chegamos até aqui 

Nas últimas semanas, o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) elevou o tom da crise institucional no país. Na última sexta-feira, o presidente entregou ao Senado um pedido de impeachment do ministro Alexandre de Moares, do Supremo Tribunal Federal (STF) – situação inédita no país. 

Bolsonaro também tem promovido reiterados ataques às urnas eletrônicas e ameaçado a realização de eleições em 2022. No mesmo dia em que a Câmara votava a proposta do voto impresso – rejeitada pelos deputados – o Ministério da Defesa promoveu um desfile militar na Esplanada dos Ministérios, o que foi interpretado como uma tentativa de Bolsonaro de intimidar o Congresso. 

Atitudes como essa, para Galvão, são feitas por motivações políticas como forma de demonstrar poder. “A primeira é acenar para aquela base super fiel dele com gesto cívico-militar, mostrar força. E a outra é mostrar para os grupos políticos e para as Instituições que ele tem força política, que ele comanda as Forças Armadas, tem uma motivação política para isso aí”, analisa. 

O Poder Judiciário é o que tem dado respostas mais efetivas à escalada autoritária do presidente. No início de agosto, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) abriu um inquérito administrativo para apurar os ataques de Bolsonaro às urnas. Também no início do mês, o ministro Alexandre de Moraes incluiu Bolsonaro entre os investigados no inquérito das fake news, no STF. 

Também partiu de Moraes as ordens contra apoiadores do governo ao longo de agosto, como a prisão do ex-deputado federal e presidente nacional do PTB, Roberto Jefferson, e as buscas e apreensões em endereços do cantor Sérgio Reis e do deputado Otoni de Paula (PSC-RJ). 

Moraes também determinou que os alvos da operação não se aproximem a menos de um quilômetro da Praça dos Três Poderes, em Brasília. A decisão só não vale para o deputado federal Otoni de Paula (PSC-RJ), por ele ser parlamentar e ter a prerrogativa de frequentar o Congresso Nacional.

Em áudio divulgado nas redes sociais, o cantor Sérgio Reis incitou uma possível paralisação dos caminhoneiros em 7 de setembro em apoio ao presidente Jair Bolsonaro (sem partido) e convocou protestos contra os ministros do STF. A gravação ganhou força nas redes sociais no último domingo (15), um dia após Bolsonaro dizer que ia apresentar ao Senado Federal um pedido de impeachment contra os ministros Alexandre de Moraes (do STF) e Luís Roberto Barroso (do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). 

PMs e manifestações: o que diz a Constituição?

Na última semana, o Ministério da Defesa, por meio de comunicado enviado às Forças Armadas, informou que, pelo segundo ano consecutivo, não haverá desfile cívico-militar em 7 de setembro, data em que é comemorado o Dia da Independência, devido à pandemia de covid-19. Anualmente, acontecem eventos em todo país com a presença de pessoas da sociedade civil e militares. Em Brasília, a solenidade é realizada na Esplanada dos Ministérios e conta com a presença de populares e autoridades dos Três Poderes. 

Em audiência pública na Câmara dos Deputados, o ministro da Defesa, Braga Netto, confirmou o cancelamento da solenidade deste ano, mas disse que outras manifestações em alusão a data estão permitidas e podem acontecer em outras regiões do país.

O professor de Relações Institucionais do Ibmec Brasília Eduardo Galvão explica que o 7 de setembro é uma data importante na história do país, no entanto, não é adequado que pessoas e ou grupos se apoderem da simbologia do dia Independência para fazerem atos com pautas como as propostas nas convocações. “Não me parece adequado se apropriar de um dos símbolos da república para defender pautas individuais, pautas específicas, setoriais, sejam elas quais forem”, diz.   

Galvão explica que, de acordo com a Constituição Federal, o direito de manifestação política é legítimo, porém, é vedada a manifestação política de integrantes das forças de segurança. “São proibidas por legislações específicas, cada Força tem a sua, a manifestação política de representantes das Forças. A pessoa como servidor de uma força armada não pode participar, ela pode participar enquanto pessoa civil”. 

“A partir do momento que uma pessoa, organização ou grupo passa a incitar a desobediência e ameaçar, aí estamos falando de crime. A punição para essas pessoas tem dois caracteres: conter a ameaça, investigar e penalizar o crime cometido e o outro é o caráter educativo. Quando uma pessoa de influência pública faz isso por meio das redes sociais ou por outro canal, ele acaba motivando que outras pessoas tenham comportamentos parecidos”, diz Galvão.     

Para Galvão, a parte de apoiadores da direita brasileira que apoia as manifestações e compartilha os ataques aos Poderes são grupos pequenos. “A grande verdade é que a maioria das pessoas e grupos que apoiam a direita do país, elas não são uma direita arruaceira. São poucos os que de fato fazem barulho e ameaçam, inclusive. Mas a maioria não quer uma afronta e muito menos um confronto institucional”, analisa.      

Apoio de PMs a Bolsonaro

O apoio de militares ao presidente Bolsonaro não é algo recente, muito menos uma ação feita apenas por agentes de São Paulo. Em maio deste ano, o professor da rede pública estadual de Goiás e dirigente do PT de Goiás, Arquidones Bites Leão, foi preso por policiais militares por se recusar a retirar uma faixa do capô do carro com a mensagem “Fora Bolsonaro Genocida”. 

À época, os agentes, no momento da prisão, ameaçaram enquadrar Arquidones na Lei de Segurança Nacional (LSN) por calúnia contra o presidente Bolsonaro. O professor prestou depoimento e em seguida foi liberado. Após a apuração, a PF concluiu que não houve transgressão por parte de Arquidones. O policial envolvido na prisão foi afastado das atividades nas ruas. 

Em Recife, capital do Pernambuco, manifestantes que protestavam contra o governo Bolsonaro e pedindo medidas contra a covid-19, a aceleração da vacinação e o retorno do auxílio emergencial foram agredidos com tiros de bala de borracha e gás lacrimogêneo. Três pessoas ficaram feridas: duas com tiro nos olhos, ambas perderam parte da visão. E outra com disparos nas duas pernas, a vítima foi o advogado e presidente da Comissão de Direito Parlamentar da Ordem dos Advogados do Brasil em Pernambuco (OAB), Roberto Rocha Leandro. Além desses, a vereadora Liana Cirne (PT) foi agredida com spray de pimenta. 

Outro caso registrado foi em Caldas Novas (GO), onde o radialista Andreazza Joseph Gomes e o letrista Salmeron de Oliveira relataram terem sido intimidados por agentes da PM após colocarem uma faixa com a mensagem “Bolsonaro, o Brasil quer saber, por que o Queiroz depositou R$ 89 mil na conta da sua mulher”. Procurados pela reportagem do G1, a PM disse que a faixa com a crítica poderia ser enquadrada como crime de difamação, calúnia e injúria. 

De acordo com Salmeron de Oliveira, a PM foi até a casa dele e permaneceu por lá cerca de uma hora dizendo ao letrista que o que ele havia feito era crime e poderia gerar processo na Polícia Federal. A faixa havia sido colocada em um evento onde o presidente esteve. O radialista disse em entrevista ao G1 que ouviu de várias pessoas que a PM estava procurando por eles e chegou a conversar com o tenente por ligação telefônica.

“Tenente falou comigo ao telefone dizendo que estávamos promovendo arruaça, fazendo calúnia, injúria e difamação. […] Falei que não adiantava falar daquele jeito, que se tivesse algum crime, que tenho certeza que não tinha, era para eles virem atrás de mim e não deles [dono do espaço e letrista]. Passei meu endereço, mas eles ficaram lá [na casa do letrista]”, disse o radialista.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima