Bolsonaro, Lewinsky e o combate ao politicamente correto

Quando o humor mira na figura mais frágil e indefesa do cenário, acerta invariavelmente a testa da sociedade

No mesmo dia em que o presidente Jair Bolsonaro deu uma declaração nos Estados Unidos dizendo que é contra o “politicamente correto”, assisti na HBO uma entrevista de John Oliver, do Last Week Tonight Show, com Monica Lewinsky, a estagiária da Casa Branca que se tornou vítima de uma versão precursora do “assassinato de reputações” que se tornou muito comum nos dias de hoje.

Lewinsky tinha 22 anos quando manteve um relacionamento sexual com o presidente americano Bill Clinton. O “Escândalo Lewinsky”, como foi chamado, quase resultou no impeachment de Clinton e em divórcio de Hillary Clinton. No entanto, pode-se dizer que saiu barato para ele, perto do que Monica passou.

Ela viu seu rosto estampado diariamente em programas de TV sensacionalistas, em noticiários, programas de fofoca, comédias e capas de jornais e revistas. Sempre de maneira pejorativa, associando-a a sexo oral –que teria feito em Clinton no Salão Oval da Casa Branca- sob a visão moralista e machista da sociedade. Tornou-se o alvo predileto do humor impiedoso de comediantes e cartunistas na mídia. Sua vida ficou praticamente destruída por quase duas décadas.

Em determinado momento, Lewinsky pergunta a John Oliver por que o escândalo não se chamou “Escândalo Clinton”? Por que as piadas sexistas julgavam ela e não ele? Oliver mostrou uma série de piadas sexistas de Jay Leno em seu The Tonight Show, um dos programas de maior audiência da TV americana. Uma charge medonha mostrava Monica sendo entrevistada por um amontoado de pênis eretos ao invés de microfones. Tudo isso lá nos longínquos anos 90, antes das redes sociais tornarem-se o ambiente natural dos linchamentos virtuais.

No Brasil, em 2013, o comediante Danilo Gentili fez comentários sexistas sobre a doadora de leite materno Michele Rafaela Maxímino, no programa Agora é Tarde, da Band. Ele a expôs ao ridículo para milhões de pessoas que passaram a hostilizá-la nas ruas. Ela sofreu bullying a ponto de ter que mudar de cidade.

Assim como Monica Lewinsky, Michele foi humilhada publicamente. Assim como Jair Bolsonaro, do qual é um militante entusiasta, Gentili abomina o politicamente correto. Pessoas que não gostam do politicamente correto reclamam que não se pode mais fazer piadas sem sofrer censura.

O humor é uma arma poderosa e altamente destrutiva. O problema é que, quando se mira contra a figura mais frágil e indefesa do cenário, acaba-se acertando invariavelmente na testa da sociedade.

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima