Lugar de mulher

“Rainhas do crime” faz revolução com um gênero essencialmente masculino: o filme de máfia

O ponto de partida para “Rainhas do crime” é revolucionário: quando a polícia prende três mafiosos nova-iorquinos no fim dos anos 1970, suas esposas precisam escolher entre assumir os “negócios” da família ou tentar encontrar outra forma de ganhar a vida.

Na época em que se passa a história, Nova York era uma lata de lixo. A cidade enfrentava índices terríveis de criminalidade, as ruas eram sujas e o número de desempregados, enorme.

Sem outra saída, as três senhoras decidem entrar no esquema, passando por cima da autoridade do irmão de um dos maridos presos que ficou responsável pelas coletas (o “negócio” é, basicamente, cobrar por proteção no comércio do bairro). À medida que vão pegando o jeito da coisa, elas precisam lidar com a concorrência, com seus digníssimos e com seus próprios fantasmas.

“As pessoas querem alguém que tome conta delas”, diz Kathy Brennan, personagem de Melissa McCarthy, a melhor atriz do filme (prova de que comediantes são capazes de encarar qualquer papel dramático). As três mulheres desempenham funções distintas: Kathy tem a inteligência, Ruby (Tiffany Haddish) tem a coragem e Claire (Elisabeth Moss), o sangue-frio.

A proposta é revolucionária porque pega um gênero essencialmente masculino, o filme de máfia, e deixa que mulheres tomem conta de tudo. Não só na tela, mas também nos bastidores.

Quem escreveu e dirigiu o filme foi Andrea Berloff. Esse é seu primeiro filme, mas, antes, ela trabalhou em vários roteiros interessantes, sendo indicada ao Oscar pelo filme “Straight Outta Compton” (2015), sobre um grupo de músicos que mudou a história do hip-hop nos anos 1980.

Um dos nomes por trás da revista em quadrinhos que deu origem ao filme é a desenhistas Ming Doyle. Até na trilha sonora, o domínio é feminino. A música-tema, por exemplo, é uma versão dramática de “The Chain”, do Fleetwood Mac, cantada por um grupo de mulheres chamado The Highwomen.

E há a ironia do título em inglês, The Kitchen, “a cozinha”. É um referência ao bairro irlandês de Nova York, conhecido como Hell’s Kitchen, “Cozinha do Inferno”. As mulheres tomam conta da cozinha, sim, mas na história isso significa dominar uma parte significativa do crime organizado na maior metrópole dos Estados Unidos.

Nessa história, quem manda são as mulheres. Mas não é uma simples desforra. Elas sofrem bastante para conquistar um pouco de respeito e seguem sofrendo mesmo depois de serem respeitadas.

O filme tem vários momentos incríveis. Kathy é uma das chefonas mais respeitadas da cidade, mas entra em pânico quando vai buscar os filhos na escola e alguém, que ela não sabe quem é, pegou as crianças antes. Ela pode ser uma criminosa influente, mas também é mãe.

Em outra cena, Kathy discute a relação com o marido, que reclama porque ela tomou conta de tudo e “não deixou espaço para ele”.

Em outra ainda, Kathy conversa com o pai e diz que não aguenta mais ter de agradecer aos homens por tudo: agradecer ao pai por seja lá o que for, agradecer a um homem qualquer por segurar uma porta, agradecer ao padre pelo sermão… Tudo isso existe, supostamente, para que ela se sinta segura. “Mas eu nunca me senti segura. Nenhuma mulher nunca se sente segura”, diz ela. O filme é extremamente atual e não hesita em falar de aborto, maternidade e sexismo.

O maior problema de “Rainhas do crime” é que existem duas sombras enormes que avançam sobre qualquer um, mulher ou homem, que se disponha a fazer um filme de máfia ambientado Nova York. São as sombras de Francis Ford Coppola, diretor de “O poderoso chefão” (1972-1990), e Martin Scorsese, diretor de “Os bons companheiros” (1990).

O estilo de Andrea Berloff lembra demais Scorsese. Dá até para fazer um paralelo entre a trinca de mulheres e os personagens de Robert De Niro (inteligência), Ray Liotta (coragem) e Joe Pesci (sangue-frio) em “Os bons companheiros”.

Ou talvez o fato de Berloff ter escolhido um tema, um cenário e uma linguagem tão característicos de Scorsese seja só mais uma forma de revolução.

Serviço

“Rainhas do crime” entra em cartaz nos cinemas nesta quinta-feira (8). Classificação indicativa: 16 anos.

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