Os trabalhos no Terreiro das Marias, no bairro Santa Quitéria, em Curitiba, são realizados quatro noites na semana. Os atabaques embalam as orações de centenas de umbandistas. Porém, os rituais vêm despertando a ira de vizinhos e intolerantes religiosos. O preconceito pode ter levado ao incêndio que destruiu o barracão da casa, na madrugada desta quinta-feira (1/8). A polícia investiga o caso, o segundo em terreiros de umbanda de Curitiba em menos de dez dias.
O possível crime de intolerância religiosa não é descartado pelos responsáveis da casa. “Teve gente que veio aqui na frente, quando estava tendo trabalho, pra perguntar o que era aqui, se era lá embaixo, lá no barracão que funcionava. Ficamos meio assim. Tivemos alguns problemas com dois vizinhos, então não descartamos a hipótese de incêndio criminoso”, revela a dirigente do terreiro, Claudia Gonzales. De acordo com ela, algumas pessoas estranhas foram vistas pela redondeza. “Pelas 4h, quando os bombeiros estavam aqui, parou um carro branco na esquina, com quatro rapazes, olhando e rindo.”
No dia 24 de julho, um terreiro em construção, no bairro Portão, foi palco de um crime comprovado. Dois homens foram flagrados por câmeras de segurança no local, ateando fogo na construção. “Então ficamos preocupados.”
Claudia lembra que na madrugada do incêndio, as últimas pessoas deixaram a casa por volta de 01h. Como ninguém mora no local, o fogo só foi percebido pelos vizinhos quando já estava alto. Não houve feridos. O barracão atingido era onde funcionavam os trabalhos, que envolvem 350 voluntários.
“Nossas instalações elétricas estavam novas, sempre tivemos muito zelo pela casa; procuramos deixar tudo em ordem. A hipótese de curto-circuito pra mim está descartada, mas os peritos estiveram aqui e analisaram tudo”, conta.
Segundo a mãe de santo, o barulho dos atabaques já foi motivo de problemas com os vizinhos, que além de reclamarem, soltavam rojões ao lado. “Mas sempre estivemos dentro das normas, paramos de tocar os atabaques até 22h, porém, parece que nunca conseguimos fazer com que as pessoas fiquem contentes. É difícil.”
Intolerância Religiosa
Para Claudia, o gatilho da intolerância religiosa é a falta de informação e o pré-julgamento. “As pessoas não querem ter conhecimento de como é nossa religião e nosso trabalho e já julgam que é coisa do mal, dizendo que trabalhamos com os demônios. Isso vai criando um preconceito e uma intolerância muito grande, que acaba levando as pessoas ao surto” acredita.
Para ela, o preconceito se acentua nas religiões de origem africana. “Percebemos uma intolerância muito grande, com qualquer religião de matriz africana. Por que tantas igrejas também fazem barulho e ninguém reclama?”, questiona.
“Basta falar que é de umbanda, as pessoas já criticam, sem nem ao menos vir conhecer. Aqui só praticamos o bem, fazemos caridade, obras sociais, mas acham que nossa religião é errada. Não cobramos nada, não fazemos sacrifício animal; não tem nada do que tanta gente pensa”, assegura.
O imóvel onde o terreiro funciona há cinco anos é alugado e não tem seguro. Claudia, no entanto, garante que ele será reconstruído em breve. “Vamos ter que refazer tudo, mas já começamos”, diz. Para ajudar no recomeço, está sendo realizada uma vaquinha online.
A Polícia Civil está investigando o caso e deve começar a ouvir testemunhas em breve. O inquérito da investigação deve ser concluído em 30 dias.
A Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) informou que não tem dados específicos sobre inquéritos em andamento envolvendo suspeitas de intolerância religiosa.