É seguro andar de ônibus em Curitiba durante a pandemia?

Como o transporte público da capital paranaense, tido como moderno e inovador, tem se adaptado para reduzir a disseminação do novo coronavírus

Na última quarta-feira (16), Curitiba completou seis meses em Situação de Emergência em Saúde Pública (Decreto N.º 421/2020) por causa da pandemia do novo coronavírus. Nesse meio ano de quarentena, inúmeras mudanças foram feitas na forma como a vida na capital se organiza, especialmente no transporte urbano, que, em 2019, segundo a Urbanização de Curitiba S.A (URBS), transportou, em média, 1,3 milhão de passageiros por dia, e é visto como uma grande zona de risco de contaminação.

O vereador Bruno Pessuti (PSD), que foi relator da CPI do Transporte Coletivo na Câmara Municipal confirma: “Infelizmente o ônibus é um dos maiores vetores de transporte (do vírus), porque concentra uma maior quantidade de pessoas, sem nenhum tipo de rastreabilidade. Pessoas que vêm de várias regiões da cidade se encontram nos terminais e, de lá, partem para diversas regiões diferentes”.

Para minimizar os riscos e oferecer mais segurança à população, a URBS, em conjunto com a prefeitura, empresas privadas e até o Exército, afirma que vem tomando uma série de medidas desde o início da quarentena. “A Secretaria da Saúde fez a testagem de todos os cobradores e motoristas e o índice de resultados positivos foi pequeno. Eles [a secretaria] estão preparando um material para publicar, onde a gente demonstra que a transmissibilidade é baixa no transporte coletivo”, afirma o presidente da URBS, Ogeny Pedro Maia Neto. “Nossos ônibus têm dentro da sua norma a troca de ar, mesmo com as janelas e escotilhas fechadas. Ela é forçada, aciona quando o motorista liga o veículo e todo o ar, a cada 2, 3 minutos, é renovado. Temos essa norma em Curitiba que faz com que tenhamos uma troca mais severa do que o recomendado pela ABNT”, garante Maia Neto.

A limpeza é apropriada?

Um estudo publicado em abril pelo New England Journal of Medicine mostrou que o coronavírus pode sobreviver por longos períodos de tempo dependendo da superfície em que se deposita. No plástico, por exemplo, o vírus é viável por até três dias. Por isso, os especialistas reforçam que é importante higienizar materiais e ambientes que podem ter sido expostos.

Segundo a infectologista e médica do trabalho Luzilma Martins, a limpeza dos interiores no transporte coletivo “deve ser frequente, pois reduz a carga viral que possa estar na superfície. Poderia ser realizada a cada parada, no ponto final, ou a cada turno: Manhã, tarde ou noite. Isso vai depender da logística e condições de cada empresa”.

De acordo com Marins Roberto, responsável pelo setor de lavação e higienização da Auto Viação Redentor, que conta com 263 veículos ônibus, antes da pandemia, no final do dia, já era feita inspeção e higienização de todos os veículos com detergente neutro, mas que com o início da quarentena, a empresa seguiu orientação da URBS para que o processo ficasse mais rigoroso. “Nesse momento de pandemia nós reforçamos a limpeza dos veículos e passamos a ter mais cuidados especiais, tanto que passamos a higienizar 100% dos veículos com álcool 70% nos balaústres e áreas mais tocadas pelos nossos clientes”, afirma Roberto.

A URBS tem realizado blitzes em terminais e garagens para verificar os cuidados com a higienização dos veículos. “Nós tivemos uma blitz na madrugada desta segunda (14) para terça (15), onde os fiscais entraram em todos os veículos fazendo a vistoria e verificando se tudo estava sendo feito corretamente. Nós não tivemos nenhuma autuação, nossos processos estavam redondos e satisfatórios”, diz Marins Roberto.

A Redentor garante que trabalha com controles e sistema de planilhas para que todos os ônibus sejam limpos, mas, de acordo com um dos higienizadores da empresa, que preferiu não se identificar, é difícil concluir o trabalho. “Das 22h até as 3h eu tenho 300 minutos, certo? Aí eu sempre divido pelo número de carros. Fazendo essa conta para 20 ônibus vai dar em média 12, 13 minutos pra cada um. Eles querem que dê uma geral no ônibus, limpar todos os vidros e tudo o mais… só que daí não dá conta, tem que se virar em três!”

Mesmo que feita corretamente, a limpeza noturna constante dos ônibus pode não ser o suficiente, explica a infectologista Luzilma Martins: “Não existe um padrão determinado. Na minha opinião, se o volume de passageiros é alto, a higienização deveria ser mais frequente, pelo menos no meio do dia”.

Além dos ônibus, as estações tubo da cidade também são higienizadas durante a noite por equipes das empresas responsáveis. A estação central, por exemplo, é de responsabilidade da Redentor.

Os veículos que estão especialmente sujos, como os que apresentam vômitos ou sangue, são submetidos a um processo mais pesado de lavação, com limpeza feita por máquinas e equipamentos de alta pressão por dentro e por fora. Crédito da foto: Lorenzzo Gusso.

Além da limpeza tradicional, as empresas se revezam para realizar assepsia com peróxido de hidrogênio solicitada pela URBS. O produto foi cedido a elas com os Equipamentos de Proteção Individual (EPI’s) e atomizadores costais necessários para aplicação. Os funcionários fizeram treinamentos específicos para realizá-la. A empresa que realizar a limpeza interna na semana também é a responsável por fazer a sanitização no prédio administrativo da URBS.

Vídeo gravado pela equipe da Redentor mostrando a higienização com peróxido de hidrogênio. Crédito das imagens: Marins Roberto.

Esse tipo de assepsia é muito semelhante à que foi feita do dia 10 de agosto até 4 de setembro nos ônibus que paravam nos terminais pela cidade, fruto de uma parceria com o Exército brasileiro, que cedeu 30 homens e permitiu a sanitização de diversos pontos simultaneamente das 9h ao meio-dia. Ogeny Maia Neto, o presidente da URBS, conta que, no início, o peróxido de hidrogênio para essa ação foi doado pela Peróxidos do Brasil, mas a Secretaria Municipal de Administração teria comprado o produto e estão tornando a ação constante, e não só nos ônibus. “Estamos preparando com eles [os militares] uma outra operação, que é para fazer a assepsia de táxis e carros de aplicativo.”

Reeducando a cidade-modelo

Apesar de os esforços para manter as superfícies dos veículos desinfetadas, também há outro fator fundamental para a prevenção ao novo coronavírus: O distanciamento social fica difícil de se respeitar por conta da forma como os ônibus funcionam em Curitiba, em um sistema “Tronco-Alimentador”. Sua logística conta com linhas alimentadoras, que recebem e distribuem passageiros pelos bairros e terminais de integração montados em pontos estratégicos, que compõem as principais linhas da cidade. Esse modelo foi criado para reduzir o número de ônibus circulando pelo centro, condensando os passageiros em menos veículos, de porte maior e em linhas exclusivas, e foi considerado revolucionário, inspirando vários outros ao redor do mundo, como o G Line, de Los Angeles, na Califórnia. Entretanto, durante uma pandemia, ele se torna problemático, já que fica inviável manter o distanciamento social em espaços onde várias pessoas, de diferentes regiões, se aglomeram.

Funcionamento de uma rede tronco-alimentador. Crédito da imagem: reprodução/Victor Santos.

Considerando essa dificuldade, a prefeitura, em conjunto com a URBS, determinou que os ônibus deveriam operar apenas com a metade da sua capacidade máxima. Motoristas foram instruídos a não parar nos pontos caso estivessem com 50% da lotação, correntes foram colocadas para bloquear alguns assentos e a frota operante foi aumentada, chegando a 80% (e até 100%) do total disponível em algumas linhas.

No início da pandemia também foi feita um trabalho de conscientização dos usuários. Integrantes do Exército, a guarda municipal e a defesa civil foram aos terminais para orientar a população sobre os cuidados necessários. Campanhas direcionadas aos idosos também foram montadas, pedindo para que não utilizassem o transporte público nos horários de pico. “Deu resultado. Quando a gente identifica a utilização por parte do cartão de idoso, ela se dá, na sua maioria, entre as 10h e 16h”, afirma Maia Neto.

Motoristas e cobradores

Os espaços para motoristas e cobradores nos ônibus foram isolados com cordões. Os trabalhadores receberam frascos com álcool-gel recarregáveis. Mesmo assim, o motorista Alcides Aldrin de Oliveira confessa: “Não me sinto muito seguro, a gente corre muito risco, é muita exposição”. Ao ser questionado sobre o distanciamento social, respondeu: “Ninguém respeita! Você vê pelas reportagens na televisão como estão os parques. Ninguém está preocupado.”

Para diminuir o número de passageiros nos horários de maior demanda, também foram cruzados os dados do cartão-transporte com os dados da base do Serasa para saber a quantidade de trabalhadores de cada área. “Isso possibilitou um trabalho em conjunto com a Secretaria da Saúde e a Secretaria do Governo para direcionar os horários de funcionamento do comércio, dos serviços e de atividades da cidade, diluindo o horário de pico. Ou seja, a gente conseguiu diminuir a quantidade de pessoas entre 6 e 7 horas e espalhar um pouquinho mais, até 8, 9, 10 horas da manhã”, diz o presidente da URBS.

Mateus Mota, que trocou Salvador para Curitiba, diz que se sente seguro no transporte coletivo da capital. “Eu vim de uma cidade caótica. Na questão do Brasil, o transporte público de Curitiba é o melhor que tem. Curitiba está fazendo o certo, e nem tudo tem que ser feito pelo estado também (…). É uma cidade onde as pessoas respeitam os limites dos outros, muita gente se previne e respeita”

O que fica?

Muito se fala do “Novo Normal”, o “Pós-Corona”, e com tanto investimento e esforços, é de se esperar que a pandemia deixe algum legado. “Acredito que talvez algumas linhas de ônibus exclusivas dos profissionais da saúde possam permanecer, uma vez que elas têm demanda (…). Até mesmo a assepsia noturna nas empresas de ônibus. Isso tudo são ações que a gente pode manter”, afirma o presidente da URBS.

A linha exclusiva para profissionais da saúde foi criada durante a pandemia. Além dela, esses profissionais também têm preferência de embarque nas demais linhas. Crédito da foto: divulgação/prefeitura de Curitiba.

Sobre o/a autor/a

5 comentários em “É seguro andar de ônibus em Curitiba durante a pandemia?”

  1. Matéria que informa e faz pensar, afinal, é responsabilidade de todos manter todos os cuidados necessários para a “vida normal” continuar!
    Parabéns

  2. Excelente Lorenzzo Gusso! Reportagem completa com informações importantes num dos temas emergentes e de grande utilização pelas pessoas de nossa Cidade de Curitiba.

  3. Matéria muito boa, abrangendo vários aspectos. Cabe também à população fazer a sua parte auxiliando os órgãos públicos nesse controle da doença.

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