Wilson Bueno, escritor talentoso e controverso, é tema de biografia

Luiz Manfredini narra a trajetória de um dos autores mais importantes da literatura paranaense no livro “A pulsão pela escrita”

Wilson Bueno (1949-2010) era um escritor cerebral, do tipo que é admirado por outros escritores. Ele era capaz de brincar com o português do século 19 só para homenagear Machado de Assis – o que fez em “Amar-te a ti nem sei se com carícias”. Ou de misturar português, espanhol, portunhol e guarani no livro “Mar paraguayo”, o livro mais importante de sua carreira.

“[Ele] pagou o preço de não escrever para o mercado, de escrever por um imperativo próprio, independente de conveniências de moda”, diz Luiz Manfredini, que acaba de publicar “A pulsão pela escrita”, uma biografia de Bueno.

Na entrevista a seguir, feita por e-mail, o biógrafo fala sobre sua proximidade com Bueno – eram amigos de infância – e sobre o esforço de escrever a biografia, em que teve de abordar, entre outros temas, o assassinato do escritor.

Quando você se deu conta de que queria escrever um livro sobre o Wilson Bueno?

Sempre tive grande interesse pela carreira literária do Bueno, até porque ela resultou, em boa medida, das nossas intermináveis confabulações de infância e adolescência, quando fomos um o melhor amigo do outro e projetamos nossa vida literária. Além disso, sempre julguei o Bueno um escritor que pagou o preço de não escrever para o mercado, de escrever por um imperativo próprio, independente de conveniências de moda. Diante disso, em certo momento, julguei necessário narrar a sua trajetória que, ao cabo, revelou-se mais rica do que eu imaginava.

Na sua opinião, qual é o fato que melhor define a vida de Bueno?

Na vida, Bueno foi uma pessoa angustiada – atormentada, em alguns momentos – com o seu mundo, sempre buscando explicações e saídas, vítima de preconceitos e incompreensões, imaginando que na contestação de costumes talvez encontrasse sua afirmação social. Foi, neste sentido, um personagem a um só tempo talentoso e controverso. Mas disso tudo ressalta-se o que me parece o mais característico dele: a obsessiva dedicação à literatura, para ele, como sempre disse e repetiu, “uma pulsão vital, absoluta”. O ponto crucial em sua carreira literária, ou um deles, foi sua permanente busca por um estilo, após longo período em que desacreditava de suas possibilidades como escritor.

Bueno sempre me pareceu um escritor cerebral. Ou, como dizem em inglês, “a writer’s writer”, um escritor admirado por outros escritores. Você acha que essa ideia faz sentido?

Sim, pois sua literatura era refinada, com enorme apreço à linguagem. Não se destinava mesmo às prateleiras de farmácias e supermercados. Mas não só escritores o admiravam e o leram. Uma elite pensante leu com prazer seus livros, embora nem todos fossem de fácil digestão. Suas crônicas, depois reunidas em dois livros – o “Bolero’s bar”, seu livro de estreia, e o “Diário Vagau” – foram razoavelmente populares.

Qual é o livro mais importante de Wilson Bueno?

Penso que é “Mar Paraguayo”, lançado em 1992, quando ele descobre e pratica algo que, de certo modo, vai moldar sua obra dali por diante, ou seja, a produção de uma linguagem de fronteira, mescla de português, espanhol, portunhol e guarani. Para meu gosto pessoal, cito “Meu tio Roseno a cavalo”, um épico que mostra a viagem de nove dias do tio pelo sertão do Paraná para acompanhar o nascimento da filha Andradazil, e “Mano, a noite está velha”, um romance nostálgico em que Bueno acerta as contas com sua vida e seus impasses.


Como você encarou a tarefa de escrever sobre o assassinato de Wilson Bueno?

A morte do Bueno, trágica em todos os sentidos, a escrevi com espírito, digamos, flaubertiano, ou seja, com o necessário distanciamento, de modo a evitar escorregadas emocionais. Um capítulo da biografia, “O assombro da fotografia”, o único em que o biógrafo apresenta-se na primeira pessoa narrando sua relação com Bueno, mostra bem o impacto dessa morte para mim, o único sobrevivente de quatro amigos de infância, expostos numa emblemática foto. E o crime, em si, foi apenas a expressão da violência endêmica que corrói nossa sociedade, onde um garoto mata um homem adulto por um cheque de R$ 130.

Poderia falar um pouco sobre como foi o trabalho de pesquisa para o livro?

Eu contei com o privilégio de acessar o acervo de Bueno, que me foi franqueado por seu primo, Luiz Carlos Pinto Bueno. Este foi o material básico, a partir do qual realizei mais de 50 entrevistas aqui, em Minas, no Rio de Janeiro e em São Paulo. Bueno falava muito para a imprensa, dava circunstanciadas entrevistas, e isso facilitou muito meu trabalho. Destrinchei os oito espessos volumes de todo o processo do crime e, no campus de Assis da Universidade Estadual de São Paulo, esquadrinhei as quase 200 cartas da correspondência entre Bueno e seu grande amigo e confidente, o também escritor João Antonio. A tudo isso acrescentei minha memória. Foi empreitada trabalhosa, mas não complexa, salvo a questão do crime, tão cheia de lacunas e contraditórios, que exigiu um grande esforço de pesquisa e interpretação.

Livro

“A pulsão pela escrita”, de Luiz Manfredini. Editora Ipê Amarelo, 200 páginas, R$ 40.

Quem tiver interesse, pode comprar o livro diretamente com o autor. Basta entrar em contato pelo WhatsApp: (41) 9965-0704. O frete é grátis.

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