Waltel conhece seus mestres

Não era só por ganas de trabalhar que Waltel havia se mudado ao Rio, mas também com o intuito de aprofundar os estudos. No começo, com a rotina da Nacional indo bem, pensou em protelar os planos, mas os conselhos […]

Não era só por ganas de trabalhar que Waltel havia se mudado ao Rio, mas também com o intuito de aprofundar os estudos. No começo, com a rotina da Nacional indo bem, pensou em protelar os planos, mas os conselhos insistentes de Radamés Gnattali fizeram com que o jovem se desdobrasse para ser admitido na Escola Nacional de Música.

Desta forma, passou a frequentar o prédio histórico, localizado à Rua do Passeio, perto da Cinelândia. O edifício já havia sido sede da Biblioteca Nacional, mas agora transpirava música e em grande classe. Continha a sala de concerto mais importante do Brasil, o Salão Leopoldo Miguéz, que havia sido inspirado na Sala Gaveau, de Paris. O que impressionava Waltel não eram os afrescos de Antônio Parreiras e Carlos Oswald, mas a qualidade acústica do anexo.

Na Escola Nacional, entre outros mestres, foi aluno de Iberê Gomes Grosso, que também era do time da Rádio Nacional. Com ele, Waltel teve aulas de violoncelo. Por ser originalmente violonista, o aluno tinha algumas facilidades técnicas em relação aos colegas de turma. “O Iberê Gomes Grosso era um dos maiores e bastante amigo do Radamés. Eu já tinha alguma noção [de violoncelo], mas toda a técnica foi ele que me deu. Mas tinha coisas que, por tocar violão, eu fazia, que os outros alunos não conseguiam. Como o violão tem trastes, a afinação e a precisão da nota é bem maior. Vendo meu desempenho, muitos começaram a estudar violão também”, recordou-se Waltel, em entrevista para este livro.

Leia o primeiro trecho da biografia publicado pelo Plural:

https://www.plural.jor.br/1954-curitiba-fica-pequena-para-o-jovem-waltel/

Outro mestre importante que Waltel teve nesta fase entraria em sua vida por intermédio de Radamés Gnattali, num fim de semana em que este levou o jovem violonista a um evento privado para o qual havia sido convidado. Quando os dois chegaram no fim de tarde ao casarão de varandas e gramado espaçosos, em Jacarepaguá, o som já comia quente na roda de choro: ouvia-se algo, como “Noites cariocas”, “Doce de coco” ou “Vibrações”.

A casa era de Jacob do Bandolim, que recebia os amigos em mais um dos saraus que costumava promover com frequência. Radamés era presença constante nesses encontros. Estavam ali alguns de seus velhos conhecidos, como Pixinguinha, Alfredo do Flautim e César Faria – pai de Paulinho da Viola. Pouco depois, chegou um homem meio sério e de bigode, que morava ali perto. Tratava-se do violonista Othon Salleiro, chorão reconhecido por seu virtuosismo. Padrinho de casamento de Jacob e parceiro de Quincas Laranjeira, João Pernambuco e João da Baiana, é escusado dizer que Salleiro integrava a elite do choro. Dizia-se que, em sua passagem pelo Rio, em 1937, o espanhol Andrés Segovia teria se espantado com a técnica do violonista local e feito questão de cumprimentá-lo.

Jacob do Bandolim: instrumentista virou uma lenda.

Depois de Gnatalli ter apresentado Othon a Waltel e de ter feito o meio-campo, o craque do chorinho passaria a dar aulas para o rapaz. Deste modo, aquele fim de semana rendeu dois belos trunfos a Waltel: ganhou um professor e entrou para o círculo de instrumentistas que batiam ponto nos saraus de Jacob do Bandolim.

Othon Saleiro, por sua vez, apesar de também ser formado em medicina e especializado em psiquiatria, era tido como incapaz de dominar o próprio temperamento forte: era estourado, daqueles que perdem a cabeça com facilidade. “Othon era muito temperamental. ‘Tava tudo bem, de repente, explodia. Ele dizia que artista era assim mesmo. Mas era uma pessoa muito boa. Atendia [pacientes] de graça, era uma pessoa caritativa. Quando ele tinha aluno, era muito severo. Eu ficava com pena [deles]”, definiria, posteriormente, a viúva do violonista, Maria Salleiro.

O mestre se mostraria rigoroso e metódico, mas foi determinante para que Waltel aprimorasse sua técnica e, principalmente, exercitasse seu viés virtuosístico. Mesmo com a severidade do professor, jamais houve qualquer incidente grave entre os dois. “Comigo, ele nunca explodiu. Era duro, mas mais pra cobrar, pra atingir um resultado melhor. Mas ele tinha mesmo fama de pavio curto”, lembraria Waltel.

Alguns anos adiante, o jeito intempestivo de Salleiro causaria o fim de sua amizade com Jacob do Bandolim. A principal versão diz que, em um dos saraus em Jacarepaguá, Othon teria humilhado com críticas duras um jovem músico que tocava à roda de choro. Jacob teria tomado as dores do iniciante e expulsado Salleiro de sua casa. Brigas e polêmicas à parte, fato é que Othon caiu no esquecimento. Mesmo no Dicionário Cravo Albin – uma espécie de enciclopédia digital de música brasileira e que tem cerca de 12 mil verbetes – não há uma única menção a Othon Salleiro.

Santoro e Bocchino: dois grandes maestros

Ainda nesta fase, Waltel teria outros dois professores de peso. Um deles seria o maestro Claudio Santoro, especialista em cordas e que havia sido um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira. O instrumentista retornara ao Rio no início da década, depois de ter passado uma temporada na França, onde estudou com Nádia Boulanger (destaque-se: com bolsa de estudos paga pelo governo francês). Depois de trabalhar na Rádio Tupi e na Clube do Brasil, o maestro foi, enfim contratado pela Rádio do Ministério da Cultura (MEC), como diretor artístico. Ali, fundou a Orquestra de Câmara da Rádio MEC.

Leia o segundo trecho da biografia:

https://www.plural.jor.br/waltel-sai-dos-inferninhos-para-conhecer-piazzolla/

Ainda nesta fase, Waltel teria outros dois professores de peso. Um deles seria o maestro Claudio Santoro, especialista em cordas e que havia sido um dos fundadores da Orquestra Sinfônica Brasileira. O instrumentista retornara ao Rio no início da década, depois de ter passado uma temporada na França, onde estudou com Nádia Boulanger (destaque-se: com bolsa de estudos paga pelo governo francês). Depois de trabalhar na Rádio Tupi e na Clube do Brasil, o maestro foi, enfim contratado pela Rádio do Ministério da Cultura (MEC), como diretor artístico. Ali, fundou a Orquestra de Câmara da Rádio MEC.

Com Santoro, Waltel passou a ter aulas de composição. Além de seu pleno conhecimento e didatismo, o mestre fascinava o aluno por sua postura crítica. Fazia mais de uma década que Santoro havia adotado o dodecafonismo como técnica de composição. Com o maestro, Waltel se aprofundaria neste recurso, do qual já havia aprendido as bases com o Padre José Penalva, em Curitiba.

Claudio Santoro: maestro e compositor foi barrado dos EUA por ser socialista.

Além de música, o pupilo e o mestre conversariam bastante sobre outra paixão de Santoro: o socialismo. Militante do Partido Comunista desde a juventude, o instrumentista acreditava que somente a luta de classes poderia promover a igualdade e a justiça social. Por causa de sua atuação política, o maestro chegou a ser impedido de entrar nos Estados Unidos. Waltel, à época, não se interessava por política. Também achava inaceitável viver um país em que havia um abismo entre ricos e pobres, mas, de tanto ouvir falar, associava o comunismo à violência e – talvez ingenuamente – defendia que deveria haver uma via pacífica.

O outro professor também era paranaense: o curitibano Alceo Bocchino. À época, ele também era do time da Rádio Nacional, onde, ao lado de Paulo Tapajós, dirigia o programa “Quando os maestros se encontram”, que reunia os maiores regentes da casa – inclusive Gnattali –, em uma espécie de duelo musical. Também atuava como pianista na Rádio do MEC, onde integrava um trio com Iberê Gomes Grosso, ao violoncelo, e Ancelmo Zlatopolsky, ao violino. Quando se conheceram, acharam graça terem vivido por tanto tempo em Curitiba e só virem a se cruzar no Rio. Pudera: quando Alceo foi à capital federal, em 1946, Waltel tinha apenas 15 anos.

Alceo Bocchino: maestro paranaense conheceu Waltel no Rio.

Além disso, o mestre havia sido um dos fundadores da Escola de Música e Belas Artes do Paraná, onde Waltel chegou a estudar, mas depois que Bocchino já havia deixado o estado. Por isso, o jovem já havia ouvido falar muito do professor, desde os tempos de Curitiba. Mais do que lecionar regência, Alceo foi capaz de compartilhar com o aluno toda sua vivência e experiência, forjada ao longo de anos em rádios. Havia sido, inclusive, arranjador de Orlando Silva, a quem Waltel tinha como ídolo da infância e, por isso, uma ligação afetiva e de profundo respeito.

Com o aprofundamento técnico e teórico – conquistado, principalmente, a partir das aulas de regência – e com a tarimba que foi adquirindo na Rádio Nacional, Waltel foi ganhando prestígio na emissora. Nos tempos vagos, grudava nos regentes, a fim de aprender o que pudesse sobre orquestrações. “A Nacional foi uma universidade pra mim”, definia.

Waltel começa a arranjar

Se já era reconhecido como um instrumentista confiável e seguro – tanto no violão, quanto na guitarra –, por seu estudo e dedicação, o jovem passou a ser notado com maior atenção pelos outros maestros e diretores da casa. Logo, foi escalado para escrever as primeiras peças para a emissora. Começou mais por causa da demanda, mas como deu conta do recado, deu de ser chamado também para arranjar com frequência regular.

De um levantamento feito nos 20 mil manuscritos musicais pertencentes à Coleção da Rádio Nacional, constam três arranjos assinados por Waltel. Dois são para uma mesma música: “Al di là”, um beguine de autoria do italiano Carlo Donilda. Um desses arranjos seria executado pela orquestra, acompanhando Rogéria (Rogéria Pestana), “A princesinha da Rádio Nacional”. A outra versão de “Al di là” seria interpretada pela estrela Lenita Bruno, no programa Carrossel Musical. A música com o arranjo de Waltel abriria, ainda, um compacto duplo da cantora, que incluiria também “Nessuno al mondo” (A. Crafer / J. Nebb / Rastelli / Gioia), “Moon river” (J. Mercer / Henry Mancini) e “Garota de Ipanema”  (Tom Jobim / Vinicius de Moraes).

Por fim, o último documento creditado a Waltel que consta dos arquivos da Rádio Nacional é de um arranjo intitulado “Bonequinha de Luxo”. Não há menções ao intérprete ou ao programa. A única observação é de que a música se trata de um “bolero/trilha sonora de filme”, o que leva a crer  a canção em questão fosse “Moon river”, trilha de “Breakfast at Tiffany’s”, produção de Blake Edwards, que ganhou as telonas em 1961, estrelando Audrey Hepburn.

É certo, no entanto, que o número de arranjos feitos por ele neste período seja muito maior e se conte às dezenas. O próprio Waltel lembraria que, após ter sido escalado para escrever o primeiro arranjo, passou a produzir uma média de dois por semana. O que explicaria, então, esse descompasso entre o número real de produções e de arranjos que constam do acervo? O fato de que não havia a menor preocupação em arquivar todos os escritos, de modo que o mais provável é que a maior parte dos arranjos da Nacional tenham se perdido pelo caminho.

A título de comparação, campeão de composições, Radamés Gnattali aparece no levantamento com 1.653 arranjos. Só para o “Um milhão de melodias”, o maestro produzia pelo menos nove arranjos por semana. Considerando que o programa ficou por 13 anos no ar, Radamés deve ter assinado mais de 5,6 mil arranjos só para o “Um milhão de melodias”. Mas Gnattali escrevia também para pelo menos outros dez programas: “Aquarelas do mundo”, “Canção romântica”, “Cancioneiro romântico”, “Cancioneiro royal”, Cantando pelos caminhos”, “Cine metro e meio”, “Instantâneos do Brasil”, “Nossa música”, “Quando os maestros se encontram” e “Sua excelência, o sucesso”.

O próprio Ary Barroso tem apenas um arranjo assinado, dentre os que constam do arquivo. Pixinguinha, que trabalhou por anos a fio na rádio, tem 17 manuscritos. De Guerra-Peixe, que era um dos maestros mais destacados da Nacional e que escrevia para 14 programas da rádio, restaram apenas 198 arranjos – quando é certo que a produção dele tenha sido exponencialmente maior. Deste modo, vê-se que a Coleção da Rádio Nacional conserva apenas uma fração do que foi produzido naqueles anos.

Leia o terceiro trecho da biografia:

https://www.plural.jor.br/so-porque-eu-sou-crioulo-waltel-disse-ao-ouvir-o-apelido-dado-por-vinicius/

Do mesmo modo, é impossível saber com exatidão o número de discos em que Waltel atuou ao longo da década de 1950, seja como instrumentista, seja como arranjador. Sabe-se que trabalhou em gravações que viriam a ser lançadas pela Odeon, pela Copacabana Discos, pela CBS e pela Musidisc. E por que não se pode precisar quantos e quais foram esses trabalhos? Porque as gravadoras não costumavam fazer constar na contracapa ou em eventuais encartes a ficha técnica dos discos. Deste modo, não se sabia quem eram os músicos, produtores, arranjadores e técnicos que trabalharam em cada faixa daquele produto. A prática de incluir esses dados nos discos só se consolidaria anos mais tarde.  “As fábricas não davam crédito nenhum. Queriam era pôr mulher bonita, alguma paisagem ou foto bacana na capa. Ninguém sabia quem ‘tá tocando o quê”, resumiu Waltel.

Infelizmente pouco valorizadas à época, essas informações ficavam restritas apenas àqueles que estiveram em estúdio e iam se perdendo à medida que a memória desses músicos ia se desvanecendo. No caso de Waltel, ele estima que tenha participado de mais de duas dezenas de discos, entre 78 rotações e long-plays, ao longo da década de 1950, mas é incapaz de apontar títulos, faixas ou datas. Talvez não houvesse mesmo memória capaz de preservar tantas informações, décadas adentro. Mesmo em seu acervo pessoal – também bastante incompleto em razão de sucessivas mudanças – não há registro preciso de todas as participações.

Um romântico no caminho do violonista

Entre essas gravações de que não há registro oficial está um disco de Tito Madi, gravado em 1961 – portanto, quando Tito Madi já era um dos principais cantores românticos do país e um dos maiores nomes do mercado fonográfico. Ele e Waltel poderiam ter se conhecido na Rádio Nacional, onde Tito costumava se apresentar como “convidado” dos programas – sem receber cachê. (Sem um padrinho político, o cantor jamais integrou o casting da emissora). Foram, no entanto, se conhecer na noite de Copacabana.

Assim como Waltel, Madi não era do Rio. Havia chegado ao Rio em 1955, três anos depois de ter iniciado a carreira na capital paulista. Em São Paulo, era contratado da Rádio Tupi, gravou seus primeiros compactos e, apesar de certo sucesso – conquistado, principalmente, por causa do samba-canção “Não diga não” – sua carreira não decolava. Em Copacabana, no entanto, passou a se apresentar na boate Jirau, que ficava lotada – com todas suas vinte mesas tomadas – por sua causa. Ali, no fim de 1956, Tito apresentou pela primeira vez “Chove lá fora”, uma valsa que havia composto não no Rio ou em São Paulo, mas em Pirajuí, cidade do interior paulista onde nascera. Pois a música foi um estouro e responsável por projetar o jovem cantor, que então contava 27 anos. “A noite está tão fria/ Chove lá fora/ E essa saudade enjoada/ Não vai embora.” A música seria gravada pela Continental e as moças nunca mais pararam de suspirar.

Tito Madi: décadas depois, cantor ainda lembrava com prazer da gravação com Waltel.

Com um estilo de cantar romântico, mas com um toque de suavidade, Tito começou a criar um rol de fãs – entre os quais estavam muitos homens, registre-se. Além de interpretar sambas-canções de outros autores, Madi também compunha com qualidade. Como não podia deixar de ser, a novidade chamou a atenção de músicos, que incluíram o Jirau entre o roteiro de casas por onde era obrigatório passar. Só para ver aquele paulista, que parecia personificar as letras doloridas que cantava.

Já na madrugada, os instrumentistas iam todos repor as energias no Beco da Fome, na Avenida Prado Júnior, ali perto. Entre as opções da (baixa) gastronomia, constavam a canja do Frango de Ouro, a comida árabe do Beduíno e o caldo verde da Lindaura. Foi nessas que o cantor conheceu Waltel. “Acontecia um grande intercâmbio. Os músicos iam ver os outros tocar, de boate em boate, depois esticávamos todos para comer alguma coisa. Ele ia sempre com o Eumir Deodato, com o João Gilberto. [Ele] já estava com a carreira consolidada, mas a gente não sabia dizer o que era melhor: se a figura humana ou se o músico. Era muito agradável, educado e maravilhoso como violonista. Era um dos melhores do Brasil na época, se não o melhor”, observou Tito, em entrevista para este livro.

A chance para trabalharem juntos, no entanto, viria alguns anos mais tarde. Nesta época, Tito Madi havia trocado o Jirau pelo Beco das Garrafas e havia sido levado à CBS por Roberto Côrte-Real. Waltel já figurinha carimbada na gravadora desde que a companhia se chamava Columbia. Sabendo disso, a seu modo elegante, Madi pôs o dedo e pediu Waltel em seu próximo disco: “Sonho e Esperança”. Desta forma, o violonista integrou a orquestra de Lyrio Panicali, que acompanhou Tito na gravação. Como não há registros, não é possível saber quem foram os outros músicos que participaram da gravação.

O cantor se lembra daqueles que, em sua opinião, foram os destaques do long play: os arranjos de Astor Silva (trombonista dos bons) e duo de Waltel e Neco – outro ás do violão. O disco tem um pé no estilo que consagrou Tito, com a levada triste e carregada do samba-canção – como “Canção de acordar você” (Tito Madi), “Meu amor, meu perdão” (Ivon Curi) ou a sombria “Sonho e esperança” (Sérgio Malta), que dá nome ao LP: “Tudo acabou/ Nosso amor/ Um sonho que passou/ Teu olhar/ Se perdeu/ Numa estrela/ Que a lua escondeu”.

Mas o que dá um caráter de novidade ao disco são outras quatro faixas em que mesmo as letras mais carregadas de melancolia ganham uma roupagem dançante, como se toda aquela tristeza tivesse sido tirada para se lançar a uma pista de gafieira ou da boate Drink, onde Waltel tocava. Nessas, a voz limpa e inconfundível está lá, cantando as mesmas agruras lancinantes ou desventuras amorosas de dar pena, mas o arranjo de Astor Silva remete mais ao samba-jazz e ao sambalanço do que propriamente ao samba-canção.

Mesmo em “Olhar só por olhar”, de autoria do próprio Tito, as divisões rítmicas, a harmonia e os ataques dos metais parecem deixar menos agudas as dores do desprezo cantado na canção: “Olhar só por olhar não é direito/ É zombar do amor perfeito/ Que eu sinto com você// E sabe que eu sofro humilhado/ Mas eu sofro bem calado/ Minha angústia ninguém vê”. Outras três faixas seguem esta linha: “Deixa a nega gingar” (Luís Cláudio de Castro), “Não tem problema”  (Júlio Nagib/ Archimedes Messina) e “Amor e Paz” (Tito Madi) – esta última, ao menos, conta com um refrão pra cima, como quem convida a dar a volta por cima: “Erga a cabeça/ Não olhe pra trás/ Daqui pra frente você vai ter amor e paz”.

Tito se lembraria: ainda nos estúdios sabia que estava certo ao apostar na dupla Waltel e Neco para fazer as cordas do disco. Durante as sessões de gravação já ficava claro que aquele álbum representaria uma evolução – por ser mais “moderno” – em relação aos discos anteriores de Tito. Ainda que não viesse a vender tanto quanto “Chove lá fora”, para o cantor eram imprescindíveis a qualidade e a sensação de não estar parado no tempo. “Eu acertei em cheio de ter chamado o Waltel, com toda aquela bagagem dele, e o Neco, que também era um grande violonista. Eles ajudaram a trazer essa coisa nova que eu queria”, apontou Madi.

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