“Vamos entrar e sair de quarentena muitas vezes”

Pesquisador paranaense analisa a pandemia do coronavírus no contexto da história das ciências e da saúde: “nunca vi nada assim”

A eficácia de transmissão do coronavírus é impressionante. Um exemplo, da Itália: quando não havia mais tantos hospedeiros idosos disponíveis, ele passou a infectar os mais jovens. “Uma das coisas que mais me chamou atenção foi a velocidade do coronavírus. Nunca vi nada assim na história”, diz Christian Fausto, professor da Universidade Estadual de Maringá (UEM) e doutor em História das Ciências e da Saúde pela Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz). Paranaense de Mandaguari, ele também escreve sobre seu tema de pesquisa no Instagram.

As contaminações por coronavírus ainda não atingiram o pico no Brasil. O país tem lidado relativamente bem com a primeira onda de infecções, o que pode criar uma sensação equivocada de segurança na população. “Meu medo”, diz Fausto, “é justamente o que pode acontecer a partir da segunda onda. Vamos ter várias delas, e não uma só.” 

Ele confessa que, além de medo, tem um certo fascínio pelo vírus. “O coronavírus foi feito para o século 21. Na Idade Média, ele não mataria ninguém. Porque não havia idosos na Idade Média”, diz.

No que se refere ao comportamento humano, o pesquisador observa uma constante: a negação da realidade. “Muitas pessoas têm julgado essa negação como uma coisa partidária, politizada, mas em muitos aspectos ela se deve ao fato de as pessoas não quererem abrir mão da vida que levam. O ser humano, como qualquer outro animal social, adora rotina”, explica. “Cada epidemia, à sua maneira, acertou profundamente as suas populações. Doenças como a covid-19 acabam modificando consideravelmente as nossas relações.” 

O objetivo do vírus é um só: a proliferação. Para esse propósito, a espécie humana é feita sob medida. “Os humanos são incubadoras ambulantes, adoram trocar fluidos e são numerosos”, diz, lembrando que nem sempre estamos no topo da cadeia alimentar. “Estamos escondidos em casa porque estamos escondidos de um predador. Neste planeta, vez ou outra somos presa”, diz. 

O Brasil é um país desprevenido, sem equipamentos e com parcos investimentos em ciência. A única coisa que os brasileiros podem fazer para minimizar danos é adotar a quarentena – termo que muitos têm usado como sinônimo de distanciamento físico, embora haja diferenças. “Acho que vamos passar por algumas lições drásticas para conseguir fazer parte da população entender o que está acontecendo”, diz. “Acredito que esse ciclo vai se estender por alguns meses, no mínimo.” 

A questão é que os danos são inevitáveis. Na saúde e na economia. “Não existe, na história das epidemias, nenhuma sociedade que não tenha sofrido uma crise econômica tremenda a reboque da doença”, explica. Para complicar, durante a peste bubônica na Europa, as retomadas econômicas que surgiam ao fim de cada ciclo da doença traziam de volta o vírus. O prognóstico atual não é bom. “Vamos entrar e sair de quarentena muitas vezes. Não sei dizer quantas”, diz Fausto.

Para o professor da UEM, como ainda não há uma vacina nem um tratamento específico para a doença, a melhor coisa a fazer é se informar. “A nossa única solução, a nossa única salvação, está sendo depositada na ciência, naquilo que o ser humano tem de mais racional.”

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