Um livro policial para o Brasil de 2019

“A última mulher”, de Luiz Alfredo Garcia-Roza, tem o delegado Espinosa como coadjuvante e um tom de desencanto com o atual estado de coisas

Os britânicos têm Sherlock Holmes, o investigador mais famoso do mundo. Os americanos, Philip Marlowe. E nós, brasileiros, temos o delegado Espinosa.

“A última mulher”, lançado há pouco pela Companhia das Letras, é o 12º livro de ficção de Luiz Alfredo Garcia-Roza e o 11º com Espinosa. Neste, o delegado não é o protagonista – na verdade, só aparece no segundo terço da história e segue como um coadjuvante discreto. Em primeiro plano, estão Rita e Ratto, uma prostituta e seu cafetão, assombrados por um policial militar corrupto.

São tempos melancólicos, esses em que vivemos. E “A última mulher” parece refletir esse estado de coisas.

A trama policial é relativamente simples: uma quantidade de dinheiro desaparece e não sabemos quem é o responsável. O dinheiro era de Ratto e os suspeitos de surrupiá-lo são Japa, advogado do cafetão, e Wallace, um policial militar corrupto.

O livro é pequeno, tem pouco mais de cem páginas. A narrativa é pontuada por desaparecimentos e assassinatos, e o desfecho é algo rápido, sem firulas, trivial. É um pouco como ler uma notícia de página policial.

Nos romances de Garcia-Roza, a geografia do Rio de Janeiro é tão importante para o enredo que a cidade acaba virando uma espécie de personagem. A certa altura, Rita procura por Ratto: “Partindo da Cinelândia, podia chegar à Lapa pela rua Evaristo da Veiga, andando até os arcos. Atravessando o aqueduto pela Mem de Sá, chegaria depois de uma quadra à rua do Lavradio. Poderia, no entanto, não atravessar o aqueduto e pegar o caminho oposto, partindo da Cinelândia e tomando a rua do Passeio até o largo, chegaria à região a Lapa profunda dos botequins e casas de cômodos, mais ao gosto de Ratto”.

A elegância da prosa de Garcia-Roza é um dos prazeres possíveis para quem lê seus livros. Ex-professor da Universidade Federal do Rio de Janeiro, no Instituto de Psicologia, Garcia-Roza escreveu, ao longo da carreira, obras sobre psicanálise e filosofia. E só foi estrear na ficção aos 60 anos, quando publicou seu primeiro Espinosa, “O silêncio da chuva”, vencedor do prêmio Jabuti de melhor romance do ano em 1997.

Doze anos e dez livros depois, o texto de Garcia-Roza continua elegante, porém, ele não consegue evitar um tom de decepção, de desencanto. Na realidade atual, Espinosa não tem vez. Uma frase, no meio do parágrafo derradeiro, diz: “E não existia mais espaço para o bem comum”. Essa é uma descrição terrivelmente acurada do Brasil em 2019.

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Garcia-Roza tem 83 anos e, de acordo com o jornal “O Globo”, está internado no Hospital Samaritano, em Botafogo, há sete meses. Ele finalizou o processo de edição de “A última mulher” de dentro do hospital. A também escritora Lívia Garcia-Roza, esposa do autor, tem publicado pequenos textos no Facebook, lindos e tristíssimos, falando sobre o estado de saúde do marido. “Hoje, no hospital, eu perguntei: Luiz Alfredo, você abre os olhos pra mim? Ele abriu, com esforço, mas abriu, um pouquinho, e foi tanto, tanto…”, escreveu ela na última quinta-feira (4).

Serviço

“A última mulher”, de Luiz Alfredo Garcia-Roza. Companhia das Letras, 120 páginas, R$ 39,90.

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