Toda família tem aflições. Era Uma Vez Um Sonho mostra um exemplo disso

Glenn Close e Amy Adams são protagonistas de novo filme da Netflix

Lançado na Netflix em 12 de novembro de 2020, Era Uma Vez um Sonho (ou Hillbilly Elegy) marca mais uma distribuição notável da plataforma. Dirigido por Ron Howard, o drama (baseado em fatos reais) se passa em Ohio e narra a complexa história de uma família e as relações do protagonista J.D. Vance com a sua irmã, avó e mãe – esta última especialmente profunda e conturbada.

Entre surtos, distúrbios psiquiátricos e episódios esparsos de consumo de drogas, a mãe do protagonista pula corda entre reações violentas e gestos de amor com o filho. Posteriormente, consumido pelo relacionamento abusivo com a mãe, J.D. decide viver com a avó – uma figura de personalidade forte e enigmática –, que ele tanto admira.

Num aparente processo árduo de aprendizado e redenção pelos erros do passado, ela incentiva duramente o neto a “ser alguém na vida”: um dialeto típico para caracterizar o caminho da responsabilidade com os estudos e o sucesso profissional. Futuramente, J.D. consegue uma vaga no curso de Direito da prestigiada Universidade de Yale, e se depara com um futuro brilhante, honrando os esforços da avó.

As atuações de Amy Adams (como mãe de J.D.) e Glenn Close (a avó) são, como de costume, irretocáveis, e especula-se possíveis indicações às categorias Melhor Atriz e Melhor Atriz Coadjuvante, respectivamente, no Oscar 2021.

O filme, no entanto, é criticado por sua costura imprevisível; o vaivém no tempo (entre as memórias de infância e a vida adulta do protagonista), revela fatos inesperados e surpreendentes que, segundo críticos de cinema como Henrique Haddefinir, geram interpretações dúbias sobre a narrativa: os buracos e contradições da história são uma falha de roteiro ou servem como noção subjetiva dos efeitos do tempo sobre o ser humano?

Num determinado ponto da história, J.D., prestes a conseguir uma entrevista de estágio importante para a sua carreira, recebe uma súbita ligação da irmã mais velha, solicitando sua presença em Ohio urgentemente. Ao contrário do que acreditava o protagonista, as complicações psicológicas de sua mãe jamais amenizaram. J.D. retorna à cidade natal, então, às pressas, para prestar apoio à sua família, revivendo traumas de infância e os ressignificando gradualmente.

Apesar das feridas abertas do protagonista, é significativo o valor que ele atribui à sua família; J.D. não raramente ressalta a inteligência (de fato eminente) da mãe, sorri ao se lembrar da avó e respeita imensamente a irmã, com quem construiu uma relação de extrema cumplicidade, ainda que o protagonista tenha batido asas país adentro e ela tenha permanecido em Ohio, carregando o peso dos cuidados com a mãe, sem ter com quem dividi-lo.

A obra de Ron Howard é densa, dolorosa e aborda as aflições inerentes às raízes familiares. Além disso, é possível observar e analisar, através do filme, a personalidade dos homens criados unicamente por mulheres; seus ideais de referência e sua consequente distinção dos homens que têm pai ou figuras masculinas representativas.

Independente de Glenn Close ou Amy Adams conquistarem ou não os seus lugares no Oscar 2021, é interessante conferir o longa-metragem. Antes, sugiro uma boa dose de sensibilidade e um olhar profundo ao paradoxo e à delicadeza da ancestralidade e suas entranhas melindrosas. Sejam elas incorrigíveis, pungentes ou cheias de altos e baixos, a sustentação de um amor hermético pode vir a explicar, sem palavras, certas dúvidas dos espectadores.

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