Sofar Sounds: uma experiência musical disruptiva e necessária

Após dois anos, evento voltou a promover shows íntimos e secretos de forma presencial em Curitiba

Eram 17h15 quando cheguei ao Nex Coworking – Casa de Pedra, no bairro Batel, para experienciar, pela primeira vez, o Sofar Sounds. Já havia ouvido falar do projeto e admito que a ideia de desconhecer o local e os artistas até o momento do evento atiçava tanto a minha curiosidade quanto a vontade de presenciar as apresentações. Finalmente, no dia 19 de dezembro deste ano, consegui.

Foi o primeiro evento presencial do Sofar Curitiba depois de dois anos e, como foi transmitido ao vivo pelo Youtube do projeto, a edição foi batizada de “O Retorno do Híbrido”. Com exceção de 2020, a capital paranaense recebe há sete anos, mensalmente, o Sofar Sounds, que, para quem nunca ouviu falar, é um projeto que estimula uma nova maneira de consumir música ao vivo. 

Em resumo, o procedimento é o mesmo em todas as edições: o line-up e local do evento são secretos e as pessoas devem se inscrever sabendo apenas o dia em que o evento ocorrerá. Todo o resto é surpresa. Se selecionada, a pessoa recebe um e-mail, paga o ingresso e aguarda as instruções seguintes. 

O endereço do local escolhido é revelado apenas um dia antes, enquanto o line-up, que é composto sempre de três a cinco artistas, é desconhecido até o início dos shows. O público, portanto, vai ao Sofar sem saber que bandas irão subir ao palco. A única certeza é que serão artistas independentes e autorais da cena local.

A iniciativa surgiu em Londres, na Inglaterra, em 2009. Hoje, o Sofar – abreviatura de Songs From a Room (Canções de um quarto, em português) – acontece em outras 280 cidades pelo mundo, sendo 11 delas no Brasil. Para Curitiba, foi a curiosidade de Aline Valente que trouxe o evento. “Uns amigos foram tocar em São Paulo e me chamou a atenção porque eles iam tocar numa loja de roupas e não podia divulgar. Na hora eu fui procurar a galera e dois meses depois já estava produzindo o Sofar aqui”, conta hoje a coordenadora-geral e curadora do projeto em Curitiba.

Além da aura intencional e planejada de mistério, a assinatura do Sofar é aproximar artista e público. “O Sofar é um evento, é uma comunidade de música, mas acima de tudo é uma experiência. O Sofar é orgânico, então ele foi idealizado a partir da necessidade de trazer o artista para o protagonismo do evento. Hoje você vai num show, a galera está no celular, conversando, bebendo. E a banda fica meio de pano de fundo”, explica Aline. “O propósito de você não falar é justamente para a pessoa não vir já com um pré-conceito. Às vezes as pessoas não vêm porque não conhecem a banda e daí elas perdem de conhecer um artista. Eu vejo isso acontecer muito no Sofar: a pessoa vem, nunca ouviu falar daquele artista, vira fã e começa a acompanhar e realmente isso é o mais legal. Abrir a cabeça das pessoas para conhecer coisas novas.” 

Foto: Maria Cecília Zarpelon

O Retorno do Híbrido

Depois de apresentar o comprovante de vacinação, fui direcionada ao grande jardim do espaço, que dispunha de tapetes e almofadas ao redor de alguns microfones, banquinhos e uma bateria.

Os shows da noite começaram às 18h20. Nesse momento, o público de cerca de 100 pessoas começou a se acomodar próximo ao palco quando os primeiros artistas foram revelados: Iria Braga e Carlito Birolli, que trouxeram MPB e composições autorais. A atriz, modelo e comunicadora Pretha Almeida foi a mestre de cerimônias que apresentou e chamou cada convidado ao palco.

Iria Braga e Carlito Birolli. Foto: Eve Ramos

Na sequência foi a vez do músico e compositor João Triska, que, acompanhado do produtor musical e engenheiro de som Stefanos Pinnkus, tocou canções de amor e protesto numa mistura de MPB e folk song.

O terceiro grupo era formado pelo MC e produtor cultural Bernardo Beduino, que foi acompanhado pela poeta Jaque Livre, DJ BK12, João Mendes na guitarra e o rapper Caco. Na apresentação, o grupo cantou sobre afetos e defendeu a democratização da arte e valorização da arte de rua.

Bernardo Beduino, Jaque Livre, DJ BK12 e João Mendes. Foto: Eve Ramos

Após a apresentação de cada artista, havia um intervalo de 15 minutos em que os corpos voltavam a ser embalados pelos sons da DJ Adri Menegale. Em um desses hiatos conheci as irmãs Aline e Ana Paula Minosso, ambas de Curitiba que, assim como eu, estavam vivenciando o Sofar pela primeira vez.

“Eu estava super esperando por essa edição e estou adorando. Tem toda essa proximidade, a galera sentada curtindo um som. Além de conhecer artistas novos daqui da região. É um evento totalmente disruptivo. A galera geralmente vê a line-up e vai no que já curte. E o Sofar não. Você quer uma experiência diferente? Então vem. É incrível”, descreve Aline.

“Está superando as expectativas, na verdade. Eu vim sem saber o que iria acontecer, mas está sendo incrível, já me emocionei, chorei…Conhecer os artistas regionais e falar ‘poxa, isso aqui é muito incrível e eu preciso ouvir isso aqui muito mais’, ver que algo desconhecido me toca muito, é incrível mesmo”, conta Ana Paula. 

Por volta das 20h40 da noite, a cantora e compositora Janine Mathias subiu ao palco e entoou o novo single Devoção, fazendo o público sambar junto dela. Janine, que faz do samba sua celebração e resgate ancestral, estava acompanhada pelas instrumentistas Érica Silva, Halanna Aguiar e Kauhana Aguiar.

Por fim, a banda curitibana Mulamba, formada por Amanda Pacífico e Cacau de Sá na voz, Érica Silva na guitarra, Naíra Debertolis no baixo, Caro Pisco na bateria e Fer Koppe no violoncelo, encerrou a noite com músicas conhecidas do público como Mulamba e Espia, Escuta, que traziam mensagens sobre empoderamento feminino, igualdade de gênero e a luta das mulheres, principalmente daquelas mais vulneráveis e silenciadas.

Foto: Eve Ramos

Foram cinco horas de muita música, protestos, denúncias e afetos. Um evento que fechou 2021, um ano de tantas distâncias e violências, rompendo a impessoalidade e valorizando a arte e a intimidade de uma forma forte, potente e que nunca foi tão necessária.

Todas as apresentações estão disponíveis na íntegra no Youtube do Sofar Curitiba. Assista:

Serviço

Sofar Sounds Curitiba

Quando: mensalmente

Onde: locais secretos e itinerantes

Como: basta ficar atento à abertura das inscrições, pelo Instagram ou Facebook do projeto. Quem quiser conhecer mais, é só acessar o site oficial do evento.

Reportagem sob orientação de João Frey

Sobre o/a autor/a

1 comentário em “Sofar Sounds: uma experiência musical disruptiva e necessária”

  1. Acho ótimo o projeto, importante para as apresentações ao vivo e, principalmente, por oferecer oportunidade aos novos músicos para mostrarem seus talentos.
    Só tenho uma crítica: todos se divertem e esquecem do entorno, ou seja, aqueles que querem ou precisam de sossego são incomodados por um som extremamente alto que não gostariam de ouvir. Há uma certa “violência” para pessoas sensíveis ou até doentes.
    Absolutamente, não é o caso de impedir a excelente iniciativa, bastaria apenas reduzir o volume das apresentações que, no caso deste show, ouvia-se a mais de uma quadra de distância.

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