Para um livro arrebatar o leitor, às vezes, basta uma ideia genial. E o basta ali é modo de dizer, pois não existem muitos livros arrebatadores dando sopa por aí. Mas “Salvatierra” consegue arrebatar (ao menos este leitor) e tem uma ideia genial – uma ideia que é também uma metáfora incrível.
O escritor argentino Pedro Mairal imaginou uma obra de arte impossível, criada por um certo Juan Salvatierra. Esse pintor passou a maior parte da vida – dos 20 anos até morrer, depois dos 80 – pintando uma série de rolos de tela, um rolo por ano, somando quase quatro quilômetros de arte.
Como anuncia a frase de abertura do livro, a reprodução da obra está em exposição num museu da Holanda. Para assistir ao conteúdo de todos os rolos, projetado nas paredes de um corredor “curvo e subterrâneo”, uma pessoa precisa de um dia inteiro.
É uma imagem poderosa: uma pintura que se estende por quilômetros, resultado do trabalho de um artista que pintava para si mesmo e para mais ninguém. Um artista que, por causa de um acidente de infância, tinha ficado mudo. Também por causa disso, ele era um sujeito arredio, inacessível, ensimesmado.
Mairal usa a obra quilométrica de Salvatierra para narrar uma história de família. E explora os detalhes dessa obra em descrições fascinantes. Mas ele a usa também para mostrar que a arte é espetacular como a vida. E tão frágil quanto.
Livro
“Salvatierra”, de Pedro Mairal. Tradução de Mariana Sanchez. Todavia, 112 páginas, R$ 54,90. Romance.