Bares fecham as portas de vez em cenário desolador

Rua Pagu e Atomic Core são duas entre as muitas baixas registradas na pandemia; o Plural conta um pouco de suas histórias

Com mais de quatro meses de pandemia, e num cenário desolador que não oferece perspectivas de mudança, vários estabelecimentos tiveram de fechar as portas de vez em Curitiba. Os problemas não se resumem ao coronavírus e envolvem também o que empresários ouvidos pela reportagem entendem como omissão do poder público e uma burocracia inexplicável por parte das linhas de crédito.

Na última semana, a Rua Pagu e o Atomic Core fecharam suas portas. O primeiro, com quase dois anos de funcionamento e o segundo, com um.

Em conversas com Fabíola Nespolo, uma das donas da Rua Pagu, e com Pedro Gouvea, do Atomic, fica claro que a decisão de fechar é difícil, mas as dívidas se acumularam e só uma reviravolta espetacular (como uma vacina contra o coronavírus ou uma mudança dramática na maneira de conduzir a crise) poderia dar algum tipo de respiro.

Rua Pagu

Quando as proprietárias da Rua Pagu decidiram vender o negócio e começaram a anunciar nas redes sociais, na última segunda-feira (27), a comoção foi grande. No perfil do Instagram, 2,7 mil pessoas visualizaram o post e mais de cem deixaram mensagens de apoio:

“Não acredito.”

“Meu lugar preferido no mundo. Não consigo acreditar.”

“Chorei.”

“Sinto tanto com essa notícia.”

“Que tristeza.”

“Muita força, meninas.”

Contudo, o momento é tão difícil para tanta gente que a comoção não se traduziu em um aumento dos pedidos por delivery, que a Rua Pagu seguiu fazendo por mais uns dias até como forma de pagar despesas.

As donas pensaram em fazer vaquinhas, criar boletos, contar com um valor pequeno doado pelos clientes. “Mas são sonhos, né?”, diz Nespolo. “Porque a gente está vivendo um momento em que as pessoas precisam cuidar de si e dos seus, e não tem como ficar fazendo isso pelos outros.”

No dia 17 de março, três dias antes do fechamento das escolas em Curitiba, a Rua Pagu interrompeu os serviços por causa da pandemia. E reabriram no dia 2 de abril, somente para delivery, numa tentativa de se adaptar ao momento.

O espaço criado por Nespolo, Ana Luísa Richetti e Carolina Coneglian Pimentel funcionava como uma pequena rua fechada só para pessoas, com dois estabelecimentos vendendo comidas e bebidas, em meio a rodas de conversa e eventos culturais. “Então era novidade caminhar para um faturamento só com delivery”, diz Nespolo.

A novidade se mostrou um péssimo negócio. Além de se submeter aos aplicativos de delivery, o faturamento caiu 90% em uma das operações e 75% na outra.

Eventos de música, teatro e cinema faziam parte da Rua Pagu. (Divulgação)

Fomento Paraná

No fim de abril, elas reuniram a documentação necessária para recorrer ao Fomento Paraná, descrito como um “crédito emergencial para preservar salários e empregos em empreendimentos informais, MEI, Micro e Pequenas Empresas em razão dos efeitos do coronavírus na economia”.

“A gente ficou esperançosa de que isso pudesse ajudar, e esperançosas também de que os governos – na esfera que fosse – apresentassem um plano de contenção da pandemia e, em paralelo, também de apoio às pessoas que estão sofrendo as consequências disso, sejam os trabalhadores, sejam os empreendedores”, diz Nespolo.

O tempo passou e a linha de crédito não saiu. Ao mesmo tempo, a falta de coordenação dos governos na cidade, no estado e no país só piorou a situação.

Há ainda um aspecto burocrático. As linhas de crédito fazem exigências que não parecem razoáveis no contexto atual. “Porque [para ser aprovado] você não pode estar negativado, tem que ter um capital de giro estável, tem que ter patrimônio… Gente, ninguém tem isso num momento desse, depois de quase cinco meses de quarentena”, diz Nespolo. “É uma ilusão que o governo está criando.”

Atomic Core

“Para mim, o principal problema por trás dessa instabilidade [do momento atual] é a omissão da gestão pública”, diz Pedro Gouvea, do Atomic Core, um bar de drinques autorais. “Porque é muito simples mandar fechar e punir quem não respeitar, sendo que não há nenhum amparo para isso.”

O fato é que pouquíssimos empresários têm condições de fechar por quatro meses sem qualquer forma de auxílio e continuar no jogo.

No caso do Atomic, Gouvea tentou negociar o aluguel do imóvel – uma das despesas mais pesadas para qualquer comércio. Mas os proprietários não quiseram conversa.

Para continuar com o bar (categoria proibida de abrir na quarentena), ele teria de mudar tudo: do alvará até a cozinha do local. “É inviável”, diz.

Palavra-chave

Na conversa por WhatsApp, Fabíola Nespolo explica, de maneira direta e bastante sincera, que a decisão de fechar a Rua Pagu e colocá-la à venda foi tomada quando chegou o aviso de que a Copel cortaria a luz neste fim de semana. “Porque a gente não está conseguindo pagar desde março”, diz. “E, por mais que a gente emprestasse dinheiro – até de familiares –, a situação começou a truncar de tal forma que ficou inviável.”

Inviável é a palavra-chave para explicar as dificuldades encaradas pelos empreendedores da cidade.

À venda

A Rua Pagu está à venda.

Dentro dela, existem duas operações: uma faz massas e hambúrgueres e a outra é uma franquia da Sirène Fish & Chips. Quem comprar o espaço, fica com tudo, menos com o nome. O valor é R$ 250 mil, abaixo do investimento feito no início do negócio.

“Estamos abertas a outras propostas”, diz Fabíola Nespolo. Quem tiver interesse, pode entrar em contato com ela pelo telefone (41) 99942-6228.

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1 comentário em “Bares fecham as portas de vez em cenário desolador”

  1. José Alexandre Saraiva

    Excelente matéria. Retratou uma realidade que aflige o universo de pequenos empresários em todo o país. A propagada ajuda das três esferas de governo é fantasiosa.

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