Revista literária “Granta” ressurge no Brasil e investiga a Rússia

Publicação da Tinta-da-China Brasil reúne textos de gêneros como ficção, ensaio e história, escritos por gente importante, sobre um tema único

A escolha da Rússia como tema da nova edição da “Granta em Língua Portuguesa”, feita ainda em 2021, veio antes da invasão da Ucrânia pelo exército de Vladimir Putin, mas agora se mostra certeira. Os livros, afinal, sempre foram uma porta de entrada para essa sociedade tão fascinante e desafiadora. Que chaves a literatura pode nos fornecer para compreender a Rússia em 2022?

Granta no Brasil

Em sua nona edição, a revista literária semestral “Granta” volta a circular no Brasil a partir desta segunda-feira, 17 de outubro – dia da Revolução Russa – pela Tinta-da-China Brasil, sob direção editorial de Pedro Mexia (Portugal) e Gustavo Pacheco (Brasil) e direção de imagens de Daniel Blaufuks.

Com efeito, os editores não enxergam uma identificação entre os atos belicosos de Putin e a história e a força cultural do país.

“A Rússia não se confunde com os regimes que tem em cada momento, ainda que as tentações imperiais e despóticas venham de longa data. Mas não vamos cancelar a Rússia, ao jeito dos pobres de espírito que interditam os romancistas, compositores e cineastas russos, ou até, quem sabe, as bonecas russas e a salada russa”, escreve Pedro Mexia no texto de apresentação.

Escritoras

O editor brasileiro da “Granta” aposta na literatura contemporânea como chave para conhecer a herança cultural russa. “A melhor representação desse legado, e também a prova de que ele continua ativo e em expansão, são duas das maiores escritoras russas vivas, inexplicavelmente pouco conhecidas pelos leitores lusófonos: Tatiana Tolstaya e Ludmila Ulitskaya.

Seja no brilhante ensaio sobre o pintor Kazimir Maliévitch da primeira, seja no antológico conto da segunda, fica claro que a Rússia ainda tem muito a nos dar”, completa Gustavo Pacheco em seu texto introdutório.

Capa da revista “Granta”, lançada agora pela Tinta-da-China Brasil. (Foto: Divulgação)

Temas

Nesta edição da “Granta”, os textos escolhidos jogam luz sobre o czarismo, a revolução, o stalinismo, o fim da União Soviética, e também sobre as missões espaciais e as vanguardas artísticas.

Múltiplos perfis culturais e geracionais se misturam na seleção de autores: Elif Batuman, Camila Chaves, Hélia Correia, Clara Drummond, Reginaldo Pujol Filho, Masha Gessen, Ana Matoso, Pepetela, José Pacheco Pereira, António Pescada, André Sant’Anna, Colin Thubron e Amor Towles. Os ensaios fotográficos são de Mauro Restiffe e Mariana Viegas (responsável também pela imagem da capa).

Rússia

O continente literário russo é examinado na nova edição da “Granta” por lentes multifocais: ficção, literatura de viagem, jornalismo, ensaio de crítica literária e história, e também a necessária voz das escritoras russas contemporâneas.

Alguns dos textos reativam o longo e fértil diálogo entre a ficção russa e a literatura em língua portuguesa. Entre ficção e não ficção, ora com humor, ora em tom trágico, e muitas vezes numa mescla tipicamente russa entre os dois registros, a “Granta” mostra uma Rússia mais profunda que a que costumamos ver retratada no noticiário.

(Foto: Mariana Vegas [Tinta-da-China Brasil]/Divulgação)

Brasil e Rússia

Um divertido paralelo entre o Brasil e a Rússia está no texto de André Sant’Anna, que se vale de sua prosa bem-humorada, repetitiva e muito brasileira para falar de uma cultura aparentemente antípoda, mas em muitos aspectos bem próxima da nossa. As repetições e os vícios que marcam a linguagem oral de André Sant’Anna deixam de lado, por um momento, o Brasil e seus tipos humanos, para examinar uma Rússia com olhos irônicos e desabusados.

Elif Batuman

O humor também é o tom de Elif Batuman em seu “Quem matou Tolstói?”, mistura de ensaio e reportagem publicada na revista “The New Yorker” que revelou a autora norte-americana de origem turca. Ainda nos tempos de graduação, ela visita a mítica propriedade de Tolstói em Iásnaia Poliana e encontra excêntricos seguidores do escritor, que além de influenciar milhares de autores de literatura inspirou inúmeros místicos e humanistas reunidos em seitas e igrejas na Rússia.

Masha Gessen

Da “New Yorker” também vem Masha Gessen, escritora da revista que se dedica a cobrir a movimentada política russa e que desde 2019 se identifica com gênero não binário. Num texto sobre por política e afetividade ao melhor estilo russo, Masha rememora sua avó, que ela qualifica como “a censora”. Este e outros textos trazem o misto de nostalgia e horror que muitos russos dedicam aos anos de regime comunista.

José Pacheco Pereira

Outro observador da Rússia histórica que está presente na “Granta” é José Pacheco Pereira, grande nome do jornalismo português que em seu texto decanta duas décadas de escritos sobre a Rússia na imprensa, para a qual cobriu os anos da ascensão ao poder de Putin e seu entorno de oligarcas. 

(Foto: Mariana Vegas [Tinta-da-China Brasil]/Divulgação)

Púchkin

O crítico português António Pescada discute em seu texto o autor mais celebrado pelos escritores russos, Púchkin, e discute por que a parte central de sua obra – a poesia – não tem repercussão no exterior comparável à de sua prosa.

Anna Kariênina

Um ponto alto da edição é a participação de Hélia Correia, poeta portuguesa que ganhou o Prêmio Camões e que na revista escreve em primeira pessoa, na voz de ninguém menos que Anna Kariênina. Erótico e erudito, o texto brinca com a tradição literária russa por meio da subjetividade da personagem de Tolstói.

As imagens

A Rússia contemporânea está mais evidente nos ensaios fotográficos selecionados por Daniel Blaufuks para a edição da “Granta” no Brasil. A cada edição, ele seleciona dois ensaios fotográficos de artistas brasileiros e portugueses. “A partir deste número, já restrito, fiz a escolha possível, tentando enquadrar o que seria mais interessante, de um ponto de vista editorial e de um ponto de vista curatorial”, diz o editor de imagem da revista.

“Rússia em dois tempos”, de Mauro Restiffe, e “Tofolaria”, de Mariana Viegas, são os ensaios fotográficos da edição — a foto da capa da revista é de Viegas — e trazem imagens das ruas e da intimidade, entre campo e cidade.

Mauro Restiffe

Em “Rússia em dois tempos”, Restiffe apresenta recortes de cenas cotidianas: a movimentação de pedestres e automóveis em uma esquina, enquanto cavalos esculpidos parecem se digladiar; um menino à mesa, compenetrado, assistindo à TV; uma mulher de camisola, em frente à cama.

Mariana Viegas

Já as cenas de Tofolaria, de Viegas, desenrolam-se em um ambiente rural, assim como no curta-metragem “Tofalaria”, de Sharunas Bartas e Valdas Navasaitis, de 1986, sobre uma pequena nação Tofalar vivendo na Sibéria. Essa paisagem é composta, basicamente, de montanhas nevadas. Casas, cercas de madeira, cavalos e mãos trabalhando aparecem em primeiro plano.

Sobre a “Granta”

A revista “Granta” estreou no Brasil em 2012, durante a Flip – Festa Literária Internacional de Paraty, com uma edição que celebrava os melhores jovens escritores do país e reunindo textos de nomes como Antonio Prata, Michel Laub, Tatiana Salem Levy e Vanessa Barbara.

Um ano depois, do outro lado do Atlântico, foi lançada, pela Tinta-da-China, a “Granta Portugal”. Em 2018, as duas revistas se tornaram uma só, com a unificação na “Granta em Língua Portuguesa”, tendo um editor brasileiro e um português.

Cambridge

A “Granta” foi fundada em 1889 por estudantes da Universidade de Cambridge, na Inglaterra, e tem em seu histórico o peso de ter revelado nomes como Sylvia Plath e Ian McEwan. Susan Sontag, Milan Kundera e Gabriel García Márquez também passaram por suas páginas.

Além da edição britânica, a “Granta” tem 11 edições internacionais: Bulgária, China, Finlândia, Itália, Japão, Noruega, Espanha, Suécia, Turquia, em hebraico e em língua portuguesa.

Revista

“Granta em Língua Portuguesa: Rússia (vol.9)”. Tinta-da-China Brasil, 316 páginas, R$ 90. Revista literária (em formato de livro).

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