Raul Seixas e Luiz Melodia são tema de grandes e novas biografias

Jotabê Medeiros e Toninho Vaz se destacam como autores de um gênero de sucesso no Brasil

Numa entrevista recente para o jornalista Pedro Bial, o ministro mais famoso do Brasil disse que gosta de ler biografias mas derrapou ao não dizer um único nome que fosse.

Biografia sofre…

É que parece mais fácil levar uma conversa citando alguma informação de um biografado do que duelar sobre o que quiseram dizer autores de poemas, romances, contos. Num país onde se lê pouco, entre os ainda poucos leitores também estão aqueles que se entregam ao que é mais fácil, mastigado pra ser consumido sem engasgar. Toninho Vaz e Jotabê Medeiros sabem disso e, por isso mesmo, capricham na receita e nos ingredientes quando escrevem biografias.

Vaz é curitibano, jornalista com passagens por redações de veículos como a Tv Globo e que já botou nas livrarias as histórias de Zé Rodrix, Paulo Leminski e agora se prepara pra revelar Luiz Melodia. “Sempre achei biografia um trabalho na praia do jornalismo. É uma grande reportagem sobre apenas um tema, o personagem. Apenas o fôlego é diferente.”

Jotabê nasceu na Paraíba, viveu muitos anos no Paraná onde se formou na UEL, em Londrina, e também frequentou a grande imprensa, foi por muito tempo do Estadão. Depois de Belchior, seu próximo biografado será Raul Seixas,

Muita pesquisa, entrevistas, mais pesquisa, botar tudo numa balança e pesar, deixar só aquilo que realmente interessa e de uma forma que conquiste a atenção dos leitores. Problema: na fila de autógrafos sempre tem alguém que acredita conhecer mais o biografado que o escritor.

Raul Seixas é a encrenca que tem tomado o tempo de Jotabê. O maluco beleza está na mesma categoria da Legião Urbana, aquela dos artistas que parecem crescer com o tempo.

Melodia foi um dos compositores mais festejados da MPB e gravado pelas vozes de gente como Gal Costa…Agora, Vaz está juntando as peças pra contar uma história que nunca cabe apenas nos palcos e discos.

“Todas as histórias podem ser contadas de muitas maneiras, mas o biógrafo não pode ignorar que o leitor primordial será aquele que já conhece muito sobre o biografado” antecipa Toninho Vaz.

“O biografado ideal tem que ser órfão, solteirão, filho único, estéril e brocha”. Essa receita-desabafo é de Ruy Castro, que sofreu com a família de Garrincha ao escrever a história do craque das pernas tortas. Castro não foi o primeiro mas talvez possa ser citado como o autor que marcou uma nova época de ouro das biografias no Brasil. Fez Nelson Rodrigues e Carmen Miranda, também.

Na hora de eleger um nome para biografar, tudo que um escritor não precisa é de alguém ameno, inodoro e que vai (ou foi) pro céu. O sujeito não precisa ter no currículo uma vida de crimes ou a descoberta da fórmula da Coca-Cola, mas se passou pela terra deixando pegadas fundas na areia, ajuda muito. É aí que entram em cena filhos (herdeiros), viúvas (herdeiras) e viúvos (herdeiros).

Basta terminar a missa de sétimo dia e surge uma Yoko atrás de cada porta ou gaveta na casa do finado…A fama de controladora da ex-senhora John Lennon virou uma espécie de carma de quem se atreve a mexer no passado de estrelas da música, cinema, teatro etc.

Quase sempre isso acontece por dois motivos: grana e droga. A família quer continuar tomando conta da conta corrente do parente famoso que ainda rende – ou não quer ninguém fazendo carreira de escritor contando que fulano usava cocaína, bebia de cair…

Para definir quem vai ser biografado, cada um tem sua explicação. “Os dois livros, Belchior e Raul, surgiram por motivos diferentes. O primeiro decorre de uma profunda identificação com a poética do artista; o segundo, de uma vontade imensa de compreender os motivos que forjaram tal talento e singularidade na música popular”, esclarece Medeiros.

 Toninho coloca dois personagens na resposta:

“Na maioria das vezes o processo de trabalho revela o verdadeiro personagem. Veja o exemplo de Zé Rodrix, um músico excepcional e que era pouco conhecido. Ele era maçom graduado (onde se impõe a discrição) e inquieto profissionalmente, atuando como músico (tocava todos os instrumentos), publicitário e escritor de fôlego. Uma revelação como escritor. No meu atual trabalho, o Luiz Melodia também foi uma pessoa discreta, de poucas palavras. Ou seja, um poeta de veia tradicional, ou seja, um boêmio muito ouvido e pouco conhecido no seu lado pessoal. Eu mesmo estou descobrindo agora”.

Craque das grandes biografias, Lyra Neto descreve a batalha pela história da cantora Maysa como uma maravilhosa surpresa que nasceu de uma amizade. Conversava com o amigo Fernando Morais sobre o desejo de escrever sobre uma mulher. Morais, autor de Olga, livro que virou filme pelas mãos do filho de Maysa, Jaime Monjardim, fez a ponte que no início não ligou nada. Tempos depois, Lira receberia de Monjardim um baú repleto de lembranças da angustiada intérprete e que rendeu um ótimo livro.

“Fico imaginando de que modo ela leria este livro. Tendo a acreditar que julgasse o teor da narrativa muito doloroso, em determinados capítulos. Mas, ao mesmo tempo, gosto de imaginar, Maysa reconheceria que o aqui narrado se trata da reconstituição mais fidedigna e honesta possível da vida que realmente viveu, com todos os seus percalços, ousadias, êxitos e fracassos. Afinal, como ela mesma cantou um dia, “se alguém não quiser entender/ e falar, pois que fale;/ eu não vou me importar com a maldade/ de quem nada sabe”.

Escrever uma biografia significa conversar com muita gente, gravando o máximo possível, precaução para evitar futuras negativas. Claro, se você trabalha em cima da vida de quem foi cantor/compositor, é trabalho com trilha sonora.  Toninho e Medeiros provavelmente terão escutado dois discos em que Melodia e Raul estiveram juntos, a coletânea Máximo de Sucessos (1974) e o emblemático Banquete dos Mendigos, show organizado em 1973 por Jards Macalé, que só virou disco em 1979 por causa da ditadura.

Enquanto vão dando forma de joia ao minério bruto que a vida do biografado muitas vezes esconde, os biógrafos podem ficar com a poesia do curitibano Paulo Leminski, uma definição caprichada do que sempre foi púbico e do que até a biografia, era assunto particular.

“Das coisas que fiz a metro todos saberão quantos quilômetros são/
Aqueles em centímetros sentimentos mínimos ímpetos infinitos não?”

Sobre o/a autor/a

Deixe um comentário

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

O Plural se reserva o direito de não publicar comentários de baixo calão, que agridam a honra das pessoas ou que não respeitem níveis mínimos de civilidade. Os comentários são moderados por pessoas e não são publicados imediatamente.

Rolar para cima