Peça 23 de Setembro estreia com quatro sessões on-line

Texto inédito do premiado Diego Fortes é encenado por Marco Bravo e tem voz de Giselle Itiê

O título do musical “O Grande Sucesso”, de 2016, foi praticamente uma previsão. O espetáculo rendeu o prêmio Shell na categoria autor para o curitibano Diego Fortes, conquistou o público e a crítica, e não parou por aí. Também promoveu uma série de ótimos encontros que resultaram na montagem do inédito “23 de Setembro” — espetáculo que estreia dia 19 de junho, sábado, para uma curtíssima temporada de quatro sessões on-line durante o fim de semana. 

Marco Bravo, que assina a direção e interpreta diferentes papeis na adaptação da peça, conta que Priscila Prade, diretora cultural do Brica Braque, foi quem lançou a provocação. Ela estava abrindo um edital para trazer monólogos ao espaço e queria ver algo do músico, ator e diretor. “Lembrei imediatamente de um grande escritor, era o Diego. Mandei uma mensagem. Ele falou sobre um texto, feito há muito tempo em Curitiba, que não  precisa ser necessariamente um monólogo, mas poderia. Li e chorei, achei linda a história. E comecei a adaptar, dirigir e atuar sozinho, durante a pandemia”, explica Marco. Priscila também foi produtora de “O Grande Sucesso”, espetáculo no qual Diego e Marco se conheceram. 

Antes de “23 de Setembro”, os dois ainda estiveram juntos em outra peça. Diego recebeu, na última sessão de “O Grande Sucesso”, o convite de Renato Borghi e Elcio Nogueira Seixas para dirigir “Molière”. Aceitou e trouxe sua equipe para a empreitada, com o Marco inclusive. Entretanto, a temporada foi interrompida pela Covid. Mas um outro encontro foi fundamental para o enredo que levou “23 de Setembro” até o palco: o de Diego com Luci Collin, escritora vencedora do Jabuti que orientou a criação do texto.  

Parcerias de sucesso 

O texto surgiu de uma proposta apresentada ao edital Oraci Gemba de Fomento em Literatura Dramática da Fundação Cultural de Curitiba. “Eu tinha essa coisa da minha cabeça fazer uma dramaturgia intertextual. Toda dramaturgia é intertextual de alguma forma, mas queria a intertextualidade como o eixo central da linguagem. Mas não sabia sobre o quê. E aí, estava em contato com a Luci há algum tempo”, explica o autor.

Além de um projeto que não foi pra frente, no qual ambos estavam envolvidos, ele dirigiu uma leitura cênica do texto “Desculpe o Transtorno”, da autora. Era um conto com intertextualidade muito forte. Ficaram amigos ali e, posteriormente, ele a convidou para fazer a orientação do que viria a ser “23 de Setembro”. Ela “gentilmente topou”, frisa Diego, e a partir dali o trabalho em parceria se tornou constante. Luci o ajudou em “O Grande Sucesso” e adaptaram juntos o texto “Molière”, da mexicana Sabina Berman. 

“Se tem uma lacuna, vamos preenchê-la!”

O enredo da peça foi guiado pelo título. Diego confessa que não sabia sobre o que escrever: “Não sabia que nome dar, escrevi todo o projeto e não sabia o título. Eu tive uma namorada, que faleceu já há muitos anos, e o aniversário dela era 23 de setembro. Resolvi dar esse nome, porque eu não tinha outro nome para dar, não sabia o que fazer. Bom, o tema vai ser dia 23 de setembro e vou descobrir o que aconteceu nesse dia ao longo da história.”

Naquele ano, 2012, Diego tinha visitado o Chile, e a casa de Pablo Neruda em Santiago, La Chascona. Durante a pesquisa para criar a obra, descobriu que o poeta, diplomata e prêmio Nobel de Literatura, morreu em 23 de setembro. Em seguida, começou a ler sobre a polêmica que envolvia a exumação do corpo para investigar a suspeita de envenenamento. Neruda tinha câncer de próstata e morreu 12 dias após o golpe militar que levou Pinochet ao poder. 

“Era muito contraditório. Ele passou mal no dia 23 de setembro, estava com dor e, no dia seguinte, iria viajar pro México. Não era do interesse do regime militar que ele saísse do país, iria ser um porta-voz contra o regime. E aí tem a história desse motorista que conversou com uma enfermeira, cujo nome ele não lembra. Falei: pronto, é ela, essa vai ser minha protagonista. Se tem uma lacuna, vamos preenchê-la. A partir disso, fui descobrindo outras coisas sobre o dia 23 e a peça foi tomando contornos”, comenta o autor.

Um teatro latino contemporâneo

Diferente de uma peça de teatro tradicional, o autor fala que o texto original de “23 de Setembro” “tem muito pouco diálogo, quase nenhum, tem umas cenas breves de conversa.” O fio condutor da história é a intertextualidade, com gêneros de diferentes naturezas, como letras de um cartaz, fragmentos de livros, um poema, cartas, diálogos e notícias — algumas fictícias, outras reais. A história do boxeador Rocky Marciano, a descoberta do Planeta Netuno, a bula do medicamento Dipirona e a receita de Pisco Sour ainda costuram o enredo. 

Pode parecer confuso, mas o diretor, Marco, afirma que não há nada de hermético: “Na verdade eu não simplifiquei em momento algum, é um texto muito bem escrito e isso é uma coisa que me pega. É algo que vem do trabalho do Diego, um texto de complexa compreensão, com filosofia, que faz a gente pensar. E no final, você entende absolutamente tudo, é uma história muito simples, bonita, emocionante e que pega você. O espectador sai chorando mesmo.”  

Ao ser questionado sobre sua trajetória como dramaturgo conter uma possível busca da identidade do teatro contemporâneo da América Latina, Diego refletiu um pouco. Em seguida, lembrou-se de que, tempos atrás, o Núcleo de Dramaturgia do Sesi estava pesquisando o teatro latino e solicitou que ele enviasse textos. “Daí me dei conta, em Curitiba, eu fui o pesquisador-tradutor que mais produziu e montou textos latinos na última década. A gente fez ´Orinoco´, a gente fez ´Dezembro´, eu traduzi ´Poses para Dormir´, da Lola Arias, eu tenho outros textos traduzidos da Lola e do Guillermo Calderón [autor de ´Dezembro´]. Bom, sim, de fato. Mas eu tinha essa ideia de ir fazendo esse câmbio de linguagem, me interessava muito a renovação”, diz o dramaturgo. 

Essa procura pela renovação pode ser encontrada já nos primeiros trabalhos da Armadilha, companhia de teatro curitibana fundada por Diego e em atividade desde 2001. E, claro, está presente na linguagem de 23 de Setembro que, além da orientação de Luci Collin, também foi inspirada na obra de Valêncio Xavier (1933-2008). Ao ler o primeiro conto do livro “Rremembranças da Menina de Rua Morta Nua”, ele percebeu como a literatura poderia, com inteligência e bom humor, integrar outros registros como o da publicidade, da televisão e do sensacionalismo. 

Um novo jeito de fazer teatro: a distância

Foram seis meses de processo entre adaptação, criação e ensaios, mas tudo a distância. Marco conta que não havia como ter um processo normal de ensaios e reuniões, então foi montando a equipe com pessoas de sua confiança. O trabalho como assistente de direção em uma novela da Globo, o qual exigia a elaboração de uma grande documentação, foi uma espécie de inspiração para criar uma alternativa para o fazer teatral: “Pela primeira vez no teatro eu parei para fazer um documento dessa forma, algo que os profissionais com que eu tenho trabalhado nunca tinham visto. E, realmente, é algo original, que me ajudou muito a nortear como fazer teatro a distância. Passei esse documento, com o que cada um tem que fazer no espetáculo, na minha idealização. E, quando a gente se encontrou depois, todos já tinham a ideias para dar, já tinham alguma possível transformação aqui ou ali, dicas. Foi muito natural.” 

O sistema de trabalho também envolveu um grupo de WhatsApp, no qual a equipe trocava ideias. E, para quem está acostumado com o calor humano das salas de ensaio, o resultado foi surpreendente, apesar das dificuldades: “É aquela coisa de você confiar nos seus profissionais, e eu confio mesmo. Dou possibilidade de ideias, seja no cinema, na TV, no teatro. Foi lindo ver que eles entenderam absolutamente o que eu tinha falado, tudo que está ali tem a arte de cada um da equipe.” 

23 de Setembro terá quatro sessões online para curta temporada neste mês. Mas o diretor tem planos de levar a montagem aos palcos assim que os teatros reabrirem, inclusive para circulação no Chile. A peça conta com participação de Giselle Itiê (em off), direção musical de Dugg Mont, iluminação de Cesar Pivetti, projeção em vídeo de Rafael Drodro, produção e fotografia de Priscila Prade, figurino de Karen Brusttolin e a realização é da Brica Braque Produções Culturais.

Serviço
23 de Setembro
Teatro filmado on-line
Direção e interpretação e Marco Bravo
Texto de Diego Fortes 
Quatro sessões: 19 e 20 de junho, sábado e domingo, às 20 e 22 horas.
Ingressos pela plataforma Sympla: https://www.sympla.com.br/produtor/espacoculturalbricabraque
(gratuitos ou vinculados a doações para a campanha EVOÉ de ajuda à classe artística).

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