Aconteceu uma coisa estranha nessa semana.
Separei alguns livros do Quino para montar um texto do tipo “10 cartuns geniais do Quino para animar o seu dia”, mas por motivos de falta de tempo acabei adiando a ideia.
Os livros ficaram empilhados na minha mesa e esqueci do assunto. Hoje pela manhã, li que o Quino havia morrido. Ele teve um AVC há poucos dias e não resistiu. O autor da famosa personagem contestadora Mafalda tinha 88 anos.
As primeiras tiras que publiquei em um jornal cultural de Ponta Grossa, no interior do Paraná, tinham a pretensão de imitar os desenhos de Quino.
Eu tinha 16 anos e sonhava em publicar tiras e cartuns com aquele desenho charmoso e cheio de detalhes, os personagens com andar engraçado e cenários que parecem que já vimos em algum lugar.
Eu havia lido um texto do Umberto Eco sobre a Mafalda no livro que todo estudante de jornalismo lia nos anos 1980 e 1990, “Apocalípticos e Integrados”, e fui em busca de tudo o que havia sobre o cartunista argentino. Eram tempos difíceis, sem Google nem Estante Virtual.
A primeira tira que li da Mafalda mostrava a garota brincando com uma boneca e a mãe dizendo: “Que linda essa caminha da sua boneca”. E Mafalda, indignada, responde: “Não é uma cama, Mamãe, é um divã de psicanalista”.
Era tudo o que eu precisava para me apaixonar pela tira: um desenho magnífico e um texto inteligente e cruel. Mafalda era a combinação de dois quadrinhos que deram algum sentido à minha vida: “Peanuts”, de Charlie Schulz, e “Calvin e Haroldo”, de Bill Watterson.
Uma das primeiras coisas que comprei quando comecei a trabalhar foi o famoso livro “Toda Mafalda” (Martins Fontes).
Quino atingiu aquele patamar em que se encontram cartunistas sagrados como Saul Steinberg e Millôr, com todos os demais desenhistas de humor olhando de baixo para cima, babando de admiração.
Quino está no DNA de todos os cartunistas latino-americanos, em tiras como “Macanudo”, de Liniers, e “Armandinho”, de Alexandre Beck.
Enfim escolhi, para me recuperar do baque da morte do pai da Mafalda, alguns cartuns para “animar o seu dia”, mesmo sabendo que é impossível chamar de “animado” o dia em que morre um gênio como o Quino.
Bennet genial comentando outro gênio.
E vamos ficando cada vez mais sozinhos, Benett.