(Atualizado em 16 de julho de 2020.)
O elemento mais impressionante na história contada por Sally Rooney em “Pessoas normais” é a disposição de mostrar como jovens que fazem parte de uma geração com vantagens tecnológicas de comunicação, no fim, não conseguem se comunicar.
Os protagonistas são Marianne e Connell, que se conhecem no equivalente irlandês do ensino médio, na cidade de Sligo, a 200 km de Dublin, no último ano antes de irem para a universidade.
A relação dos dois é feita de ruídos, silêncios e interações truncadas. Talvez seja o caso de reconhecer que eles se gostam muito e é esse sentimento que sustenta um relacionamento improvável e às vezes pouco saudável, cheio de rompimentos e conciliações. Mas até nos momentos em que fazem as pazes, que deveriam funcionar como uma forma de resolução de problemas, são baseados em hesitações e impulsos mal e mal compreendidos.
Uma resenha publicada pelo Plural destacou os mal-entendidos que contaminam a dinâmica entre os personagens. Houve ainda uma crítica na imprensa nacional que não escondeu a impaciência com os dois. Dá para entender o porquê, pois Connell e Marianne convivem com vários elefantes na sala, dormem e acordam em cima deles, em alguns casos são esmagados por eles, e não conseguem falar sobre eles.
Um bom livro, quase sempre, é a junção da história que conta com a maneira como conta essa história. “Pessoas normais” é esse tipo de livro. Rooney escreve costurando as poucas falas à narrativa, sem indicar explicitamente quando é que um personagem abre a boca para dizer alguma coisa (não existem travessões nem aspas). Há silêncios e ruídos. O casal de jovens parece usar uma linguagem não verbal que ganha força quando estão sozinhos, nus, na cama.
“Normal People”
A série, exibida no Brasil pela Starzplay com o título original de “Normal People”, e adaptada pela própria Sally Rooney, conseguiu reproduzir essas complicações que carregam Marianne e Connell como se fossem os botes contra a corrente citados por F. Scott Fitzgerald no finzinho de “O grande Gatsby”: “impelidos incessantemente de volta ao passado”.
Daisy Edgar-Jones, a atriz que faz Marianne, apesar de jovem, é experiente. Já o ator que faz Connell, Paul Mescal, é estreante. Os dois se identificam de tal forma com os papéis que vai ser difícil assistir a qualquer coisa que façam depois de “Normal People” e não enxergar Marianne e Connell.
Além de tratar os adolescentes da história como gente, a série – assim como o livro – é ousada ao abordar o sexo nessa fase da vida. Não só porque os atores fazem nu frontal e as cenas são quentes, mas também porque argumenta que transar pode ser um negócio complicado quando você tem questões para resolver consigo mesmo.
A pergunta que parece animar a história é: “Dá pra endireitar uma relação que começa meio torta?”. De qualquer forma, Marianne e Connell são incapazes de abordar a situação em termos assim tão claros.
Streaming
“Normal People”, a série em dez episódios, está em cartaz no Starzplay.