“No contágio” é o primeiro livro importante sobre a pandemia a sair no Brasil

Ensaio de Paolo Giordano ajudou a mudar o debate em torno da Covid-19 e vai além das estatísticas sobre o problema

Na Itália, quando quase ninguém parecia dar importância para o coronavírus, o escritor Paolo Giordano, meio hesitante, foi a uma última festa antes de decidir se isolar. Porém, ao cumprimentar os convidados, não abraçou nem beijou ninguém, e manteve certa distância, correndo risco de parecer paranoico.

Giordano tem formação científica, é doutor em Física, mas é também um romancista premiado. Seu livro mais famoso é “A solidão dos números primos”, que virou filme. Com esse perfil, ele parecia perfeito para escrever um texto capaz de fazer os italianos entenderem o tamanho do problema que estavam prestes a enfrentar com a Covid-19. E foi isso que ele fez.

Começou a escrever no fim de fevereiro e terminou nos primeiros dias de março. O texto saiu na imprensa italiana e foi compartilhado mais de 4 milhões de vezes no país. Depois, desenvolveu o artigo um pouco mais, o suficiente para que virasse um dos primeiros livros importantes da pandemia, “No contágio”, publicado em pelo menos 25 países.

No Brasil, ele acaba de ser publicado pela editora Âyiné, nos formatos físico e digital. O livro é curto, mas relevante, e ganhou um título imenso nos Estados Unidos: “Como o contágio funciona: ciência, conhecimento e comunidade em tempos de crise global – o ensaio que ajudou a mudar o debate em torno da Covid-19”. Não é preciso dizer muito mais do que isso.

Na condição de homem da ciência, Giordano consegue explicar com clareza algumas das questões técnicas mais importantes em torno do coronavírus e da pandemia. Aliás, ele prefere chamar o vírus de Sars-CoV-2, porque é mais preciso (e abrevia usando apenas CoV-2). O termo coronavírus é genérico e pode se referir a vários vírus desse mesmo grupo.

Na condição de homem da literatura, ele consegue ir além dos dados e estatísticas acerca do problema e oferecer uma visão particular do que está acontecendo. A certa altura, sobre as pessoas que tentam minimizar a doença, ele diz, na tradução de Davi Pessoa: “Esperar o impossível, ou apenas o altamente improvável, expõe-nos a uma repetida decepção. O defeito do pensamento mágico, em uma crise como essa, não é tanto pelo fato de ser falso quanto por nos levar em direção à angústia.”

Há um detalhe importante no argumento de Giordano. Ele não escreve como italiano nem como europeu. Ele escreve como um integrante da raça humana e afirma que é assim que você, eu e todo mundo deveríamos nos sentir agora: partes de uma única espécie.

Esse vírus não é então um problema só da China, ou da Itália, ou dos Estados Unidos. É um problema do mundo inteiro e precisa ser tratado como tal.

“Podemos dizer para nós mesmos que a Covid-19 é um acidente isolado, uma desgraça ou um flagelo, gritar que a culpa é toda deles [dos outros]. Somos livres para fazê-lo. Ou podemos fazer um esforço para dar um significado ao contágio. Fazer um uso melhor de nosso tempo, aproveitá-lo para pensar no que a normalidade nos impede de pensar: como chegamos aqui, como gostaríamos de retomar nossas vidas”, escreve Giordano.

O pior que pode acontecer, de acordo com ele, é a pandemia passar e tudo voltar a ser como era antes. Não devemos permitir “que todo esse sofrimento passe em vão”.

Caso você se canse da situação absurda em que estamos agora e sinta vontade de largar mão do isolamento, das máscaras e de todo o resto, ler o livro de Giordano pode, em alguma medida, servir de respiro. Mais pela lucidez do escritor do que por um otimismo sem pé nem cabeça.

Serviço

“No contágio”, de Paolo Giordano. Tradução de Davi Pessoa. Editora Ayinê, R$ 32,90 (impresso) e R$ 9,90 (digital). A ficha técnica do livro não traz o número de páginas, mas o texto é curto.

Sobre o/a autor/a

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