MUBI exibe quatro filmes de cineasta do Chade premiado em Cannes

Em entrevista, o cineasta chadiano Mahamat-Saleh Haroun fala sobre sua obra: “Não posso fazer da miséria algo belo”

Um dos principais cineastas do Chade, com uma filmografia que vai do drama de folhetim ao documentário, Mahamat-Saleh Haroun ganha retrospectiva na plataforma de streaming MUBI.

A seleção começa com seu filme mais recente, “Lingui, the Sacred Bonds” (Lingui, os laços sagrados), indicado à Palma de Ouro no Festival de Cannes 2021. Além desse, a MUBI exibe também “O homem que grita”, que venceu o Prêmio do Júri em Cannes 2010.

“Lingui” acompanha a batalha da mãe solteira muçulmana Amina (Achouackh Abakar Souleymane) para sustentar sua filha adolescente, Maria (Rihane Khalil Alio), de 15 anos. Quando Amina descobre que Maria engravidou e está decidida a abortar, as duas entram num embate que envolve tradição, fé e amor (tanto materno quanto filial).

Mas, nesse processo, a relação entre mãe e filha fica mais forte do nunca. A entrevista a seguir, concedida via Zoom, ocorreu durante o fórum “Rendez-vous avec le cinéma français”. Haroun, que produz seus filmes a partir de Paris, explica as licenças poéticas que tomou para retratar a condição feminina no Chade.

Neste filme sobre maternidade, qual é o ideal de mãe que o senhor constrói tendo como referência a realidade social chadiana?
Procuro ter um olhar que vá além das bases do melodrama, capaz de driblar as possíveis ligações diretas que esse enredo possa estabelecer com as memórias da minha mãe, em minhas vivências pessoais, abrindo uma reflexão dupla sobre aceitação e responsabilidade. O corpo é um direito de cada um. Há uma mulher, numa sociedade muçulmana, que aprende a responsabilidade de decidir o que fazer com seu corpo, diante da vontade de abortar. E há uma outra mulher, numa cruzada de aceitar o desejo dessa jovem que toma suas próprias decisões. Para essa dicotomia parar de pé, eu preciso retratar a força da mulher, sobretudo em um contexto social de exclusão, de pobreza.

O senhor diz que tenta se afastar do melodrama, mas vários códigos do gênero estão presentes na narrativa. Como driblar as convenções do gênero?
Existe a miséria ao meu redor. Venho de uma África pobre. Pertenço a um país africano em que, durante anos, fui o único diretor de ficção. Há pobreza. É uma convenção do melodrama se interessar por esse contexto social. Mas tenho um cuidado de não banalizar a condição de quem é miserável, de não fazer com que o espectador se deslumbre por ela. Não posso fazer da miséria algo belo.

O senhor é visto como um herói no continente africano por sua resiliência em ter buscado meios de filmar em um país onde o cinema era uma atividade inexistente, tendo estimulado gerações de cineastas negras e negros a rodar filmes.
É sempre uma honra saber que você impulsiona a juventude, mas eu evitaria a palavra “herói”, principalmente para mim, que tento ser politicamente engajado em causas humanitárias. O mundo não precisa de heróis. O mundo precisa de pessoas comuns que se empenhem, apesar das dificuldades cotidianas, em respeitar o próximo, em fazer bem ao outro. Há muita gente filmando na África. Mas, no Chade, o meu trabalho não foi suficiente para que a gente pudesse ver nascer uma indústria. Fizemos filmes, ganhamos prêmios, mas não somos autônomos. Dependemos do apoio das tevês da França para fazer cinema.

Onde assistir

Quatro filmes fazem parte da retrospectiva sobre a obra do cineasta chadiano Mahamat-Saleh Haroun, na MUBI: “Lingui, the sacred bombs” (2021), “Hissein Habré, a Chadian Tragedy” (2016), “Um homem que grita” (2010) e “Abouna – O nosso pai” (2002).

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