Novo “Matrix” abraça uma narrativa nostálgica e debochada

“Resurrections” é prova de que o público nunca quer que boas histórias acabem

Sem dúvida, “Matrix” um dos filmes mais importantes da história do cinema. Diferente de críticos mais severos, gosto dos três filmes da saga – além do primeiro, de 1999, há o “Reloaded” e o “Revolutions”, ambos de 2003. Agora, gosto dos quatro – o mais recente se chama “Resurrections” (2021), disponível na HBO Max. É evidente que nenhum dos filmes teve a mesa força, tanto em roteiro como em efeitos, quanto o primeiro, e esperar que os sucessores sejam também revolucionários é pedir demais. Creio que certas explosões de criatividade, ineditismo e inteligência, como no caso do primeiro filme da série, sejam raríssimas.

Assisti ao “The Matrix Resurrections” por amor à saga. Já sabia que a decepção seria quase que inevitável, mas carregava ainda uma ponta de esperança. Afinal, avanços na área de efeitos especiais poderiam render belíssimas cenas de ação. E, respeitando profundamente o olhar das irmãs Wachowski, Lana e Lilly, quis correr o risco de me surpreender positivamente com a história.

O que ocorre é que o quarto filme da cinessérie é uma sátira do próprio “Matrix”. Temas como religião, mitologia e filosofia são deixados de lado para dar espaço a uma narrativa nostálgica. “Matrix Resurrections” é como um gato preto cruzando a sala de cinema: um déjà vu.

O roteiro é problemático. Diferente dos outros filmes (respeitando as devidas críticas a cada um), em que todos os aspectos da história eram bem argumentados, em que todos os pontos tinham seus nós, “Matrix 4” me deixou cheia de dúvidas. E não foram dúvidas existenciais – essas eu gostaria, como gostaria!

Mas surgiram dúvidas simples mesmo. Por que o personagem está agindo de tal forma? Qual a necessidade de determinada ação? Por que isso está acontecendo? A conta não fecha. A explicação talvez se dê pelo fato de “Matrix 4” ser órfão de uma Wachowski. Apenas Lana assumiu o roteiro e a direção do filme (Lilly ficou de fora). Ou seja, o filme é feito com metade do talento dos primeiros. E deu para perceber.

“Matrix”

Por outro lado, a produção é recheada de metalinguagem – o que é interessante. O envolvimento de Lana Wachowski com a realização do filme mais recente ocorreu por pressão da Warner, ou ela participava da sequência ou fariam o filme sem ela. Escolheu, então, salvar o que podia de uma situação fatal. O filme debocha das expectativas da produtora, que na trama aparece como uma empresa envolvida na criação de um jogo, também chamado, veja só, “Matrix”.

Não dá para fugir da lógica das grandes produtoras: a de extrair o máximo de determinada ideia a fim de lucrar muito com isso. Pouco importa se a produção terá impacto sobre a vida das pessoas ou se já teve no passado. Negócios são negócios. E Lana Wachowski expressa seu descontentamento com essa visão de forma muito clara e carregada de humor. 

A fotografia está muito mudada. Diferente dos outros filmes, quando fomos fulminados por várias cenas bem-feitas, “Resurrections” não entrega o que esperamos de um “Matrix”. As cenas de ação são poucas, pobres e poderiam ser comparadas com as de séries de televisão bem básicas.

Não há mais, no último filme, a atmosfera de medo e tensão, tão notórias nas produções anteriores – talvez isso justifique a mudança nos padrões da fotografia?

O trabalho de colorização não faz sentido com os filmes anteriores. Aquela cor esverdeada, underground, tecnológica, foi esquecida. Dando espaço para as cores azul e laranja como base. Por sinal, o filme lembra muito mais a série “Sense 8”, também criação das irmãs Wachowski, do que o próprio “Matrix”. E, falando em “Sense 8”, Lana aproveitou também para incluir alguns atores da série no novo filme.

Keanu Reeves

Longe de mim criticar um ator como Keanu Reeves, um dos artistas mais humanos de nossa época, mas em duas cenas de “Matrix 4” cheguei a ranger os dentes de agonia. E também não entendi a escolha de Neil Patrick Harris (de “How I Met Your Mother”) para o elenco. Talvez seja uma piada que ainda não entendi?

Apesar de representar um delicioso momento para os fãs, é nítido que se trata de uma produção que não precisaria existir. Não está à altura das sequências (que também, talvez, não precisassem existir) e, portanto, não está altura do primeiro filme. Mas já me sinto pronta para assistir ao “Matrix 5”, pois a verdade é que nunca queremos que boas histórias acabem.

Streaming

“The Matrix Resurrections” está em cartaz na HBO Max.

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